Pesquisar este blog

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Ensaio sobre a sutileza da percepção.


Bastam três pessoas para fazerem o ensaio. Apagam-se as luzes na sala e uma delas escolhida por sorteio, escolhe um objeto dos que estão disponíveis e diz aos demais: - O que fariam com este objeto?

As duas outras pessoas discorrerão distintamente sobre o que fariam, porque não têm a mínima idéia sobre o objeto escolhido. Se, porém, ampliarmos o universo dos objetos a escolher até o quarto, a cozinha e o banheiro, então teremos disparidades ainda maiores. Alguém pode descrever o que faria com uma jarra de vidro, a outra pessoa sobre o que faria com um sofá, enquanto o objeto em questão era um rolo de papel higiênico. Como brincadeira pode até ser interessante e divertido, mas aplicado a um relacionamento, no trabalho ou na política, seria certamente um desastre por haver enorme universo de variáveis. 

Neste caso da política monetária, por exemplo, imagine que alguém vai comprar dólares e tenha que pagar 3,00 reais, por cada dólar, quando há um ano comprava por apenas 1,80 reais e diga espantado: O dólar subiu!... Realmente, a primeira percepção é que o dólar subiu. Mas... Congelemos a câmara focando o indivíduo na saída do caixa da casa de câmbio, ainda olhando para o dinheiro em suas mãos com semblante decepcionado, e analisemos o momento para podermos entender melhor o que é a percepção e suas sutilezas. De notar que ele olhou ao redor de si superficialmente, mais preocupado com a hipótese de haver alguém na casa que o pudesse denunciar para parceiros que lá fora lhe extorquiriam os cem dólares que comprara. Olhar que se baseava apenas na aparência mal avaliada por apressada, e sem expertise por nem ser psicólogo nem detetive.

Uma senhora que passava a seu lado tendo notado que ele comprara dólares, pensou que se pudesse seria um sujeito adequado para acompanhá-la numa viagem ao Caribe, quem sabe às ilhas Fiji, Zanzibar...E por alguns segundos após, esqueceu o sujeito e se concentrou sobre o destino. Ilhas Fiji, San Andrés ou Zanzibar? Finalmente chegou ao caixa para trocar dólares. Achou que não subiria mais e que era o momento de trocar. Voltaria a comprar quando e se o dólar voltasse, não a subir ou descer, mas a ficar mais barato. Havia aqui uma sutileza no pensamento da senhora.

Um gay que passava, descansou por uns segundos seu olhar sobre o sujeito e sentiu uma vontade enorme de agarrá-lo, beijá-lo, mas o seu olhar, os traços do rosto e principalmente o modo determinado e concentrado do olhar fizeram-no afastar esse pensamento. Até pelo modo de vestir o indivíduo tinha aspecto de quem só gostava de mulheres. Nem se atreveu a continuar a observação e desviou o olhar seguindo bamboleante e com olhar altaneiro para a saída da casa de câmbio. Para ele o dólar era o que era. Não perdia nem ganhava fosse qual fosse o valor do dólar, porque trocava logo que os recebia. Se os guardasse poderiam roubá-los. Tinha plena consciência da vida que levava e de suas companhias. Um dia largaria aquela vida noturna da Cinelândia e seria um gay como tantos que conhecia, com classe e boa vida. Cruzou-se com uma prostituta de seu grupo que estava entrando na casa de câmbio.
- Trocou a quanto? (perguntou ela)
- A três! Fiz mal?
- Não cara. Dá no mesmo. Recebeu trocou. Que bom que está a três. Podia subir mais. Se continuar assim, compro uma passagem pra Miami, faço uns negócios por lá, junto e volto pra trocar aqui e compro um apartamento.

Dois irmãos, sócios em comércio, estavam á porta da casa de câmbio, e conversavam.
- Trocamos ou não? Será que sobe mais?
- Estou preocupado. Acho que ainda vai subir mais. Muito mais. Para ser sincero, vendia o que temos por aqui, e iríamos para o Paraguai. Lá a energia é mais barata, mão de obra também, e os impostos nem se fala. Há atividades lá que nem impostos pagam.
- Porque achas que vai subir mais?
- Porque não é por causa do dólar. É o Real que está baixando. O governo não em noção do que é “lucro” sobre a mercadoria. É dele que tiramos o que podemos para investir em infra-estruturas, como reformas, e sustentar empregados mais alguns meses sem demitir por causa da inflação. Os “lucros” servem também para vivermos e mantermos o negócio nas entressafras quando o comércio cai, e até serve para mantermos o preço das mercadorias apesar da subida dos preços. Guardamos ainda uma parte para podermos pagar impostos que sobem de repente. Se pudéssemos íamos para a China, Índia...
- Então trocamos e vamos embora! Para o Paraguai...
No andar superior, protegidos por vidros unidirecionais que não permitem que sejam vistos da loja, embora possam ver tudo o que se passa, dois homens conversavam.
- Sabes aquela loura peituda que se dirige agora para o caixa cinco?
- Sei... Não é daquela companhia...
- É... Vem trocar reais por dólares. Isso é lavagem de dinheiro. Como de costume ela vai subir aqui.
- Então vamos cotar o dólar para ela a quatro reais. É por conta dos riscos. Se ela trocar mais de cinqüenta mil, cobra a quatro e cinqüenta. A cada cinqüenta mil, mais cinqüenta centavos por dólar.
- E se ela disser que normalmente é o contrário?
- Diz apenas que para dólares de risco o preço sobe quanto mais se compra. Que temos poucos dólares em caixa...
Atrás do sujeito que mantivemos congelado na câmara de filmar - um simples celular - está um indivíduo de tênis cinza, calça preta, camiseta cinza, óculos escuros que trouxera pendurados na camiseta, e trocara apenas dez dólares no caixa. Nosso sujeito, objeto do ensaio sobre a percepção não reparou nele. Sua atitude na rua é de sujeito muito preocupado com a vida e com o ambiente que o cerca, mas não se pode avaliar sobre o que se desconhece. Estar sempre preparado, quer dizer também para perder o controle da situação.
Foi assim que logo na primeira esquina levou um encontrão por trás, obrigando-o a voltar-se enquanto o individuo de tênis cinza passava por ele sem que seus olhares se encontrassem. 

O homem dos cem dólares nunca tinha visto, não viu e jamais o verá. Um outro que vinha pela frente segurou-lhe o paletó e tirou-lhe a carteira do bolso, exibindo um rosto tresloucado que o paralisou. Foi tudo tão de repente que não durou cinco segundos. Então o rapaz correu, deu a volta no quarteirão, passou novamente pelo local do assalto tranquilamente e entrou na casa de câmbio. Trocou os cem dólares por 280 reais.
Nesse dia, a casa de câmbio ganhou duas vezes em cima de um valor relativo de cem dólares, de mesma origem de economia: O homem roubado. Uma mulher de fartos peitos, loura, voltou sem trocar dinheiro para a repartição do órgão publico e comunicou a seus chefes, que a mandaram, que teriam que falar diretamente com os donos da casa de câmbio porque eles disseram que o dinheiro era “de risco” e o preço era outro. Os dois punguistas que roubaram o homem saíram para outra casa de câmbio do outro lado do centro da cidade. Sabiam que o mesmo golpe dado em curto espaço de tempo chama a atenção e não estava a fim de ir em cana. A senhora que sonhava com as férias adiou por pelo menos mais um ano. Dólar alto não compensa viajar. Em vez disso passaria os próximos fins de semana nas praias da zona sul e iría economizando para quando pudesse voltar a Cancun. 
O casal de gays viajou para os Eua e não se sabe que fim levaram. Aparentemente perderam tudo com os "coiotes" que os levariam a atravessar a fronteira entre México e EUA.
Os donos da casa de câmbio resolveram aumentar o “spread”, ou seja, a diferença entre o valor do dólar para compra e do de venda, para cobrir riscos e contrataram uma equipe de advogados famosa por sua qualificação em assuntos internacionais, que tem escritórios na Avenida Rio Branco.
Chamado às pressas no palácio um expert em economia encontrou-se seu imediato acima. A conversa teria sido mais ou menos assim:
- Não quero abrir mão do que estou fazendo, dos meus gastos. Como arranjar dinheiro?
- Sem gerar inflação?
- Isso não me interessa. Isso é problema seu. Responda ao que lhe perguntei.
- Sem gerar inflação é impossível na conjuntura atual. Está tudo quase parando, quer o comércio quer a industria. Não havendo faturamento caem os impostos, arrecadamos menos, não há verbas. Já com inflação... (Deu um suspiro e rezou a seu Deus)
-... Já com inflação, podemos aumentar os combustíveis, a energia elétrica, os salários dos políticos e servidores públicos, dos professores, da água, dos transportes, porque tudo isso gera impostos, e quanto mais impostos se cobram mais verbas entram. Se isso não for suficiente, aumentam-se os impostos, cortam-se os “mortos”, ou seja, as aposentadorias, o bolsa-família, os serviços públicos em geral... Ou ainda... 
- Ainda o quê?
- Podemos dizer que a verba saiu para os serviços públicos sem sair e usar para o que a senhora quiser. Mas se descobrirem vai dar zebra.
- Gosta muito de sua carreira, de sua família, não é...O senhor vai contar?
- Eu não!
- Então não se preocupe que isso é assunto meu. Depois lhe comunico o que fazer...


E se a percepção do que não se conhece tiver laivos de realidade, assim poderia ter sido, mas se a percepção estiver equivocada, não é nada disto porque não se pode ter percepção sobre o que se desconhece, mas os efeitos são os mesmos que isto, o que se assiste e se sente. Afinal, não é o dólar que sobe como parece, mas o real que desce como a futuro se prove. E se não for por dôlo é por incompetência que também é o que se vê e sente. 

® Rui Rodrigues.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário