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domingo, 8 de setembro de 2013

O casamento e o presidente.

O casamento e o presidente.




Sou dos que acreditam que o sofrimento nos vem, ou da dor física, ou da dor de não entendermos as razões dos fatos, os porquês da vida. Tanto as dores físicas quantos as “morais” são provenientes do desconhecimento. As primeiras, quanto mais avançam os conhecimentos da medicina, menos dores nos provocam as doenças, e menos são as doenças que nos podem causar dores. No Egito antigo, por exemplo, faraós morriam por infecção nas gengivas, de dores de dente. Hoje são raríssimos os casos. As segundas dores, as do desconhecimento das razões de nosso sofrimento, aquelas que doem no coração e nos fazem ter ataques cardíacos, curam-se também com o conhecimento. Nós, humanos, estamos há milhares de anos, melhor, há milhões de anos trabalhando nesse sentido: Eliminar o sofrimento tanto quanto possível, e podermos dizer um dia, todos nós, homens, mulheres, de todos os gêneros: Sou feliz!

Não raciocinar não é doença física. É falta de hábito e disposição para beber do conhecimento que está disponível em conversas, em publicações, em programas de televisão, e principalmente na Internet, tudo disponível por relativamente baixo preço, e sempre será possível disponibilizar alguns momentos por dia para nos dedicarmos ao conhecimento. Presidentes apedeutas, se é que isso existe em algum lugar do mundo inteligente, é gente preguiçosa que não quer progredir no trabalho, que quer viver às custas do alheio. Se algum dia aparecer alguém querendo ser presidente da república sendo apedeuta, não vote nele nem em quem ele indicar. Não é gente capaz de nos impor ordens nem de serem seguidas em seus devaneios de promoção pessoal.

Para governar a própria vida - quanto mais uma nação - é necessário sabermos o que queremos, e se o que queremos é viável, sustentável, enfim, possível ao longo de nossas vidas, como o casamento, para não falarmos de política, se bem que de certa forma, o casamento é um assunto também político, uma instituição destinada a constatar publicamente, através de uma aliança no dedo e uma cerimônia religiosa que “esta mulher é minha, somente minha, apenas minha, exclusivamente minha”. Claro que não precisamos contar para ninguém, e talvez jamais contaríamos, mas cada um de nós, casados ou amantes, sabemos até que ponto isto não corresponde exatamente à verdade.  Mas lá está o que ainda não aprendemos muito bem: Continuamos incentivando o espírito do casamento em nossas crianças e contando a mesma história triste da gata borralheira e do príncipe encantado, um sapo com quem a princesa casa, uma delas, a outra usava sapatinho de vidro que quebra fácil e nem dobra para caminhar. Somos apenas um pouco tontos, acreditando que alguns momentos de felicidade em que sonhamos com abóboras encantadas que se transformam em diligências resplandecentes de ouro, possam ser prelúdio de esperança para dias melhores que os nossos, para nossos filhos e netos. Claro que as verdades doem, mas é só por instantes, no máximo um par de dias, uma semana, mas a ilusão dói todos os dias. Por exemplo, a ilusão de nos pavonearmos ao agradar às moças casamenteiras para que nos escolham como maridos, ou de se pavonearem como aves de paraíso, mostrando seus melhores coloridos de maquilagem, os melhores vestidos, os mais belos gestos para nos convencerem de que são as mulheres perfeitas, as princesas de nossas vidas que transformaremos em rainhas de uma família. Mas calma. Isto não é falta de moral, de ética, ou algo reprovável. Faz parte da natureza, do fazer “a corte” a quem pensamos que nos acompanhará por toda a vida, e quem segue apenas a beleza, o que todos vêm, arrisca-se à competição: De beleza todos entendemos sem ser necessário raciocinar, sem frequentar bancos de escola. Ter capacidade para apreciar a beleza é talvez o único “almoço grátis” da natureza, e ser aquele marido ou mulher que quando sai na rua com o companheiro ou companheira provoca torceres de pescoço em sua direção, pode ser uma fonte de problemas, a menos que não se importe, e na maioria dos casos nem importa se o casal discute ou não: A fila lá fora é grande e a tentação ainda maior. Quem resiste?

Então se inventam “receitas” para a felicidade no casamento, como, por exemplo, discutir sempre a relação, dar-se e entregar-se, não fazer da vida uma rotina, agradar sempre, e outras estratégias, como se isso resolvesse. Resolver até resolve, mas infalivelmente a relação chega às vias de fato em que não se quer mais discutir a relação porque virou rotina, já não nos queremos dar nem receber porque a exaustão do relacionamento nos tira a energia e a disposição. Dos dez mandamentos para uma vida feliz, um deles fala sobre o casamento, afirmando que não se deve ambicionar a mulher do próximo – e deveria dizer também que não se deve ambicionar o marido da próxima – mas podemos imaginar um sujeito que peca em todos os outros nove, e o que pensaria a mulher dele sobre a relação entre os dois. Mas que digo eu? Nada que não se saiba. Basta admitir que sabemos o que de fato sabemos, e logo chegamos à conclusão que não basta raciocinar e então saber: É também imprescindível que possamos admitir para nós mesmos o que de fato sabemos.

Podemos ir mais longe... Quantas “facetas” do comportamento humano conhecemos nós, cada um de nós? Uma centena? Milhares? Milhões? Pois vos digo que são milhões vezes milhões, porque dependendo das circunstâncias podemos mudar nosso comportamento, dependendo do momento, se estamos de bom humor, se estamos num momento feliz, se temos dinheiro, se estamos em casa ou na rua, se temos ou não um bom emprego, se temos carro ou não, se somos ou não multados, se temos filhos e são felizes, se não são... Então, como conhecer alguém por um par de dias, de meses, ou até de anos, e dizer: É meu par para toda a vida? Se a vida muda a todo o instante? Então, presos na palavra da aliança de casamento, vamos fazendo concessões ao longo da vida, deixando de sermos nós mesmos, e logo aceitaremos grandes concessões.

Felizmente a humanidade tem o condão de perceber – mesmo que de forma inconsciente – os atoleiros em que se mete e com maior ou menor demora, consegue livrar-se deles. As mulheres já se livraram do “paternalismo” do pater-família, são independentes, e não precisam casar para terem sua independência. Pelo contrário, são agora independentes sem precisar casar, com a certeza de que Deus abençoa o “não casamento” para a vida e para além dela, da mesma forma que abençoa o não casamento de todo o reino vegetal e animal deste planeta e não temos razão alguma para achar que por não sermos “animais” Deus nos trataria de forma diferente. Somos como somos, e colhemos os frutos do que somos ao longo da vida. E assim como os seres humanos deste planeta são independentes e não precisam de paternalismos, nós que raciocinamos, preferimos sempre um presidente inteligente e instruído que nos representa lá fora, enquanto nos governamos aqui dentro, mas sempre nos perguntando o que queremos. Também somos independentes. A moda é apenas adereço dos corpos que têm uma mente. É uma ilusão que desvia as atenções da mente e nos faz perder a vontade de raciocinar, de tão fascinados que ficamos com a beleza. O construtor deste universo fez a natureza tão bela, que nos perdemos a apreciá-la pela imagem que nos transmite, sem nos darmos ao trabalho de a analisar e entender nos pequenos detalhes que sempre nos passam desapercebidos. Sou mais um analista de detalhes do que de paisagens.

© Rui Rodrigues