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terça-feira, 30 de junho de 2015

Um crime em noite fria...






Hoje em dia já nada se pode escrever que possa assustar alguém. Estamos mais insensíveis. Ninguém mais se assusta com histórias de Frankstein, vampiros, assassinos em série, múmias egípcias, circos diabólicos, bonecos assassinos, monstros do lago, cães de Baskervilles, nem com psicóticos do tipo do filme “Psycho”. O amadurecimento parece estar ligado à insensibilidade por vermos cenas terríveis todos os dias nas notícias da cidade, do país e do exterior. Sou o dono do Bar. Meu nome nunca antes revelado é Eliah Shabon. Estudei numa Universidade da Cidade do Cabo, corri mundo, e quando me aposentei vim para o Brasil e abri um bar. Hoje não importa que saibam meu nome. O passado morreu. Mas os nomes dos personagens são sempre protegidos e as histórias nem sempre são verdadeiras. A maioria delas são fictícias. Esta segue o padrão das histórias policiais que faziam as delícias de um bom livro nos tempos em que se liam mais livros e o telefone ficava sobre uma cômoda em vez de ficar pendurado nas orelhas.  


Capítulo Um – A Abelha Mortal





Naquele dia extremamente frio, o velho coronel Mario Sabóia, que militara na polícia civil do Rio de Janeiro, veio ao Bar do Chopp Grátis para tomar umas cervejas, mas o ar condicionado do bar estava com defeito. Só na manhã seguinte viriam os técnicos da empresa de manutenção. Por isso todos os clientes tinham trocado a cerveja por cachaça, Whisky, aguardente portuguesa que desce redonda e assenta como uma bomba explosiva de álcool a 95 graus, conhaques, vodkas, rum, tequilas. O coronel Mario pediu uma “charrua”, uma combinação muito mais do que um drinque. Trata-se de um copo pequeno de tequila que só dá para dois fortes goles, duas rodelas de limão, duas colheres de café em pó. A combinação toma-se da seguinte forma: Uma colher de café em cima da rodela de limão. Morde-se e suga-se o suco. Então se toma um gole de tequila e repete-se a dose. A Tequila com o café botam o coração para funcionar a pleno vapor. O limão só serve para torcer o rosto até ficar todo cheio de rugas. É um drinque pra gente valente que não faz muita questão de ser sofisticado. O coronel tomou dois sem conversar com o dono do Bar, que por acaso sou eu. Não estava com boa cara. De repente ouvimos o som de um corpo caindo no chão. Logo que dera o segundo gole de seu drinque o coronel caíra completamente imóvel. Minha amiga israelense, a jornalista Ella Athal e eu corremos para ele na intenção de ajudar. Athal chegou primeiro e disse consternada: Está morto! Olha... E mostrou-me uma mancha de sangue na camisa, na lateral do corpo na altura da sexta costela. Percebi a situação. Pedi a Ella que não tocasse mais no corpo do coronel. Por outro lado não poderia deixar ninguém sair do bar. Todos éramos suspeitos. Então me levantei, e falei de modo que todo o bar pudesse ouvir:
“- Atenção senhoras e senhores... Temos uma situação desconfortável. Um cliente acaba de falecer e parece que foi assassinado. Somos todos suspeitos e temos que esperar a chegada da polícia. Por favor fiquem em seus lugares”. Então peguei o celular e fiz a ligação. Em cinco minutos o carro da delegada Teixeira chegou e ela entrou pela porta do bar acompanhada de um tenente. Encontrou todos os clientes sentados em suas mesas. Os artigos consumidos coincidiam com os vestígios em suas mesas, os garçons atestaram. Nenhum cliente trocou de mesa. O pessoal técnico da polícia que chegou em outros carros anotou a posição das mesas, o nome dos clientes em cada uma, e as respostas a todas as indagações eram de inocência. Ninguém esfaqueara o coronel Mário Sabóia. Um médico legista confirmou: Ninguém esfaqueou o coronel. Ele nem tinha sido esfaqueado. A mancha de sangue era como que teatral, não havia perfuração na camisa junto á mancha de sangue, seu corpo não havia sido perfurado, mas estava morto. Seu coração já não batia, não respirava. Mas como morrera se havia entrado são e salvo, e até bebera um drinque? Tudo apontava para envenenamento. Foi o que disse a delegada Teixeira aos presentes. A delegada era uma morenaça de lindos cabelos crespos e corpo escultural que nem o uniforme nem sua patente policial me faziam desviar o olhar.  Como provavelmente os clientes chegariam tarde em casa, ela permitiu que fizessem uma chamada para suas residências para avisarem do atraso. Íamos ter uma longa noite de frio. Mas algo me intrigava. Era como se o assassino, porque tudo levava a crer que havia um, estava brincando com alguém. Porque fazer parecer que o coronel tivesse sido esfaqueado? Comentei minha preocupação com Ella Athal, a jornalista israelense que literalmente acampara em meu bar e me fazia uma companhia muito importante em minha vida. Vou até dar um conselho: Se quiser ser livre nunca se sinta só. É um perigo. De repente aparece uma mulher interessante e bonita em sua vida, e nunca mais você poderá dizer que vive livremente. Elas tomam conta de tudo, impõem seus padrões, suas regras. Mas é muito bom! Ella Ethal não quer casar comigo. Ficar-lhe-ei eternamente agradecido. Quantos menos problemas tivermos em nossa vida melhor. Costumo até dizer que não devemos nos preocupar com quem nos causa problemas. É a vida. O que devemos fazer é glorificar quem no-los evita. Ella Ethal está completamente de acordo, mas quando olhei para a delegada com aqueles olhos de quem está com fome, ela me deu um beliscão depois que a delegada demorou seu olhar no meu um pouco mais do que seria uma mirada. Depois se levantou e começou a andar á volta do corpo do coronel, as mãos atrás das costas, como se procurasse alguma coisa. Já passava das três da madrugada quando a polícia terminou seu trabalho e todos foram para suas casas. O cadáver do coronel fora levado numa ambulância para o necrotério. Amostras de bebidas em copos, impressões digitais, tudo foi vasculhado e as gravações das câmaras de segurança levadas para análise. Não havia um suspeito definido, e embora o assassinato do coronel tivesse sido assunto constante na semana seguinte, nunca mais se falou no assunto. A polícia demora a dar os resultados de suas investigações porque as técnicas e os procedimentos assim obrigam. Ella Athal não é das que ficam paradas. No dia do assassinato ela andou à volta do corpo do coronel num raio de uns dois passos. Aquilo para mim me chamou a atenção, mas não me preocupou. Uma semana depois, tínhamos acabado de levantar da cama para irmos tomar um banho de chuveiro. Minha cama fica num quarto em cima do Bar do Chopp Grátis com saída independente para a rua, embora possa acessá-lo diretamente do bar. Tem uma janela que permite ver a paisagem do Rio antigo, a Baía da Guanabara. Tem também um PC, uma TV, Um armário aberto que eu mesmo fiz suficiente para acomodar minha roupa e de uma visita, e uns bricabraques de decoração que nunca me servem para nada e dos quais já estou de saco cheio. O espelho fica no banheiro, e foi através dele que vi Ella Athal apanhar um pequeno envelope de plástico do bolso de uma roupa dela, dar-lhe duas batidas sobre a mão e colocá-lo em sua bolsa. Ella não usa drogas e sua honestidade é irrepreensível.Resolvi perguntar. Disse-me que estava com um grave problema de consciência. Mostrou-me o conteúdo: Uma pequena cabeça de alfinete desses de costura, e um pequeno circulo de papel amassado do tipo usado como guardanapo no Bar. Havia um pequeno buraco no centro como que aberto por impacto ou explosão. A cabeça do alfinete estava impregnada de uma substância marrom escura, como se fosse sangue seco, e o pedaço de papel também. Ela me disse – Encontrei isso ao redor do corpo do coronel Mario Sabóia. Na verdade, uns dois passos atrás dele. Esperei que a polícia acabasse os trabalhos para recolher isso com todo o cuidado para não contaminar o papel ou a cabeça de alfinete. Se me perguntar porque o fiz e não avisei a polícia, não sei lhe responder. Talvez seja como um desafio, do tipo “eu vi e eles não” pensando em guardar e depois mostrar. Talvez seja por um outro motivo: Nunca confio na polícia. Eles podem estar sempre tentando preservar alguém. Por isso resolvi investigar por minha própria conta, e creio que falta uma terceira peça além da cabeça de alfinete e do papel. Depois me olhou como se esperasse uma resposta minha para agir. E qual seria a terceira peça? Foi a pergunta que lhe fiz. – Pode ser qualquer coisa em forma de tubo. Uma caneta esferográfica ou uma parte dela, talvez! Foi a resposta. E então entendi. Alguém teria soprado uma cabeça de alfinete envenenada dentro de um pequeno cone de papel usando uma caneta esferográfica como zarabatana para envenenar o coronel. - Mas quem faria uma coisa dessas? Perguntei-lhe. Ella me respondeu preocupada: - A polícia estuda a cena do crime baseada em evidências e em provas e sua relação com os suspeitos. Como jornalista analiso a história dos suspeitos e quais seriam os motivos que teriam para cometer a violência de um assassinato mesmo sabendo que geralmente os criminosos são apanhados. Criminosos sabem dos riscos e mesmo assim cometem estas atitudes extremas. Fiz minhas pesquisas (disse Ella Ethal) O coronel era aposentado da polícia. Poderia ter sido uma queima de arquivo. Foi por isso que guardei essas provas. Agora o problema é como usá-las. Também verifiquei e fiz alguns testes. Um sujeito com bons pulmões e pontaria, bem treinado, pode usar uma caneta dessas a uma distância segura de uns quatro metros com quase 100% de segurança de que acertará o alvo. Para quem não se tivesse levantado do lugar, teríamos um espaço de três mesas ao seu redor para limitar o universo de suspeitos, mas se alguém lá detrás se levantasse, poderia ter acertado o coronel numa breve passagem em sua direção e passado desapercebido. Isto não melhora em nada nossa investigação. Literalmente todos continuamos suspeitos. Para a polícia, porém, já ninguém era suspeito. A informação havia sido dada pela simpática delegada Teixeira. Haviam constatado que o coronel fora mordido por abelhas que lhe provocaram choque anafilático. Segundo o relatório, se houvesse médico no bar a morte poderia ter sido evitada, porque desde o momento em que a abelha tinha mordido o coronel até a sua morte haviam decorrido cerca de 15 minutos.
E havia abelhas no bar, uma ou outra, atraídas pelos doces que Manuela, a nossa cozinheira portuguesa de peitos fartos, ancas saudáveis e sorriso maroto fazia à moda dos frades franciscanos e das freiras lá do Norte. Alguns garçons já tinham sido demitidos por “culpa” dela. Há que prestar toda a atenção no serviço.    



Capítulo Dois – A lista dos Suspeitos [1].          

Para a polícia não havia lista de suspeitos. Os culpados eram abelhas que morreram logo que ferraram a vítima. Algum garçom deixara cair alguma gota de bebida açucarada, a abelha pousara na cabeça do coronel, que para espantá-la passou a mão provocando a ferroada. Afinal haviam descoberto uma minúscula lesão na pele da cabeça do coronel, por onde entrara o veneno da abelha. Não achamos estranho quando um par de dias antes de nos informarem da conclusão da “causa mortis” fizeram uma varredura em todas as instalações do bar como se buscassem novas provas. Até nas partes mais íntimas procuraram sem encontrarem nada. O que eles buscavam não estava ali. Ella Athal guardara cuidadosamente. Perguntamos se, caso achássemos alguma coisa o que deveríamos fazer. Disseram que não adiantaria. As provas válidas legalmente tinham sido as que foram encontradas nas perícias. Qualquer outra poderia ser “plantada” para confundir as investigações. Mas que mesmo assim, qualquer objeto por menor que fosse e parecesse sem importância deveria ser coletado e entregue á delegada. Bastava um telefonema que ela mandaria apanhar.
Os meus queridos leitores não devem ter noção do que é um “bar”, dos grandes, e sempre cheio de clientes, tal como o Bar do Chopp Grátis no que se refere à diversidade de empregados e clientes. Entre os empregados e clientes estão sempre estrangeiros fugitivos da polícia, ex-policiais, policiais fazendo bico como seguranças, jornalistas aposentados, políticos, ex-bailarinas, damas falidas da sociedade, cabeleireiras, manicuras e ex-vedetes, enfim... Encontra-se de tudo. Manuela, a bela portuguesinha, bem dotada de peitos, de grandes rodelas sempre com biquinho em pé e olhar maroto, tinha curso de MBA por correspondência, e esperava que lhe fosse dada equivalência para procurar emprego. Estava bem ali. Tinha cama, comida, roupa lavada, um bom salário por mês, e divertia-se “à grande”. Depois de muito conversarmos com o pessoal da casa nossa lista ficou reduzida a apenas quatro nomes. Só eu e Ella Athal sabíamos da cabeça de alfinete e do pequeno papel amassado. Como suspeitos tínhamos um dos garçons que era haitiano, o Jacques Lambert; uma freguesa que era prostituta em outro bairro com o nome de Linda Benson, mas tirava onda de madame no Bar com outro nome, Maria Quant, onde de vez em quando saía acompanhada; um cabo eleitoral, chamado Pedro Fonseca Telles, que tanto arranjava votos para uns como para outros, dependendo do partido que lhe pagava melhor e uma estudante, chamada Lenina Francheva, daquelas que fazem manifestações sempre a favor do governo, ficam anos na universidade, e saem com diploma sem quase nunca terem assistido a duas aulas seguidas da mesma matéria e mal sabem redigir ou simplesmente falar um parágrafo sem terem que se fazer uma pergunta para “alinhar as idéia” e sem erros de qualquer tipo gramatical. Esta se fosse em tempo de guerrilha, seria guerrilheira certamente e gritaria “Revolución o muerte”. Os donos do bar, ou seja, eu, seria o primeiro a ir para o “paredón”. Tenho que confessar que, embora ela fosse detestável, não era a mais provável de ter cometido o crime. Parecia demasiado lenta para isso, como se sofresse de uma obstipação mental crônica. As quatro mesas em que se haviam sentando os quatros suspeitos fechavam um semicírculo em torno da mesa onde se sentara o coronel, por detrás dele. As câmaras do bar não haviam detectado nenhum movimento suspeito. Não se viu ninguém soprar uma zarabatana.       


Capítulo Três – As interligações pessoais entre os suspeitos



Esse foi um bom trabalho de Ella Athal. Mais um. Descobrira algumas ligações. No entanto uma sombra pairava sobre nossa investigação, uma ingerência nos assuntos da polícia: Esta já tinha um laudo constatando que a morte havia sido por choque anafilático devido a mordidas de abelhas. Tudo o que descobríssemos nos colocaria em choque frontal com a polícia. Em que vespeiro estaríamos entrando? Teríamos que passar a informação adiante para alguém que tivesse “força e moral” para se contrapor à polícia.  Ella Athal descobriu, por exemplo, que Lenina, a estudante profissional, já estivera presa por duas vezes por estelionato e assalto à mão armada numa prisão feminina onde a delegada Teixeira por essa época era Tenente; Jacques, o haitiano, tinha entrado pelo Acre, encaminhado para São Paulo, e de lá para o Rio de Janeiro, onde conheceu Lenina, que o recomendou ao chefe de pessoal do bar. Jacques trabalha ainda em período de experiência. Foi assim que o admitimos. Pedro Telles o cabo eleitoral, faz parte de um programa de uma Igreja Evangélica para libertação de drogas. Ele não se droga, mas encaminha pessoal dependente para os templos. Toma seus chopps de vez em quando porque é trabalhador e não templário. É o que ele diz. No tempo em que ele trabalhou para o coronel como segurança, era o braço direito da tenente Teixeira na prisão feminina onde Lenina tinha ficado detida por duas vezes. Linda Benson, aliás, Maria Quant, aliás Teresa Marques Ribeiro, atuava no eixo La Habana – Caracas, como prostituta “oficial” de passo livre, por deferência das autoridades dos dois países, onde fazia a ligação com Lenina, ligada a partidos de linha comunista no Brasil.
Sempre que meditávamos sobre tudo aquilo, eu e Ella Athal ficávamos confusos, mas ela colocou tudo de uma forma muito simples. Disse-me: Todos eles se conheciam. Devem estar se acobertando uns aos outros. Mas quem assassinou o Coronel? Então me deu um “estalo”, peguei Ella Athal pelo braço e a levei até o balcão do bar. Disse-lhe: Vou ligar para a delegada. Sabemos o que encontramos, mas não sabemos o que a polícia encontrou. Vamos tentar saber... E fiz a ligação. Do outro lado a delegada atendeu:- Olá senhor Eliah Shabon... Tem novidades? Respondi-lhe que infelizmente não. Informei que havia feito uma fumigação para espantar abelhas e que tomara providências para manter sempre vedados os containeres de doces para evitar a aproximação de novas abelhas. E perguntei-lhe: Sabe, delegada... Ainda não acredito que uma abelha apenas possa ter provocado um choque anafilático no coronel em tão pouco tempo...
- Mas não foi uma abelha apenas, senhor Eliah... Foram quatro!
Ella Athal quase estraga tudo ao bater com uma mão na outra com toda a força, dando um estalo.
- Então fiz bem em fazer o tratamento contra insetos, senhora delgada... E fique certa que se encontrarmos algo comunicaremos, mas até agora, não encontramos nada. Ela se despediu e eu desliguei o celular.
Ficara claro agora que a polícia tinha encontrado outras três cabeças de alfinete envenenadas com curare, três papelotes que serviram para guiar as cabeças através de uma caneta esferográfica oca ou um pequeno tubo metálico, o papel também impregnado de curare. Com quatro estocadas certeiras, o coronel não teve escapatória. Sabíamos também quem tinha praticado o crime. Mas entre saber e provar perante a lei vai um passo tão grande que a maioria dos crimes ficam sem solução. Ficaria aquele também sem uma? Qual teria sido o móbil do crime?

Capítulo final – Quando as vítimas também são bandidas.



Meu negócio são os assuntos ligados ao Bar do Chopp Grátis. O que posso fazer fora deste meu ramo de negócios, como engenheiro, só Deus sabe. Se me pedissem para fazer uma bomba atômica, eu a faria e não demoraria mais de um ano, desde montar a equipe até fabricar os componentes. Mas o Bar é meu modo de vida, meu ganha pão. Por vezes penso que ganho muito, mas quando vem uma crise percebo que ganhei pouco, porque as reservas se esgotam rapidamente e é preciso manter tanto quanto possível o estoque e o preço para não perder clientes. Cliente perdido não volta. Cliente morto também não. Mas podemos voltar no tempo mergulhando a fundo nas lembranças. Quem me ajudou foi Ella Athal. Nada como uma jornalista eficiente. Ela me levou até os anos 80 através de folhas de jornais argentinos e foi desvendando a história até 2013, quando o ex-presidente argentino Carlos Menem foi condenado a sete anos de prisão por tráfico de armas à antiga Yugoslávia onde havia soldados de paz argentinos e ao Equador. As armas, cerca de 6,5 milhares de toneladas, eram pretensamente destinadas ao Panamá e á Venezuela, mas foram “desviadas” para a Croácia. O coronel Mario Sabóia fizera parte da comitiva do adido militar brasileiro junto ao governo da Venezuela, juntamente com Oscar Camilión, ex-ministro da defesa da Argentina, para tratarem de assuntos militares do interesse dos três países. Com a ascensão ao poder da Venezuela por Hugo Chávez que tomou o poder, dos Kirchner na Argentina e com a esquerda brasileira, o cerco aos antigos “direitistas” fechou-se tanto quanto a sociedade dos três países permitiu. O coronel sabia demais. Sabia por exemplo como as armas foram desviadas, quanto custaram, qual foi o preço de venda, e para onde o dinheiro da transação não foi. Era uma peça a abater. E nenhum dos quatro suspeitos está livre de perigo. Resolvemos então, Ella Athal e eu que deixaríamos o caso assim como estava. Provavelmente a polícia estava convencida que alguém varrera o salão do Bar do Chopp Grátis e sem perceber um papelzinho e uma cabeça de alfinete, tivessem recolhido com pá e jogado no lixo.

Há coisas em que é bom não mexer muito. E nunca se soube a razão da mancha de sangue na lateral do corpo do coronel.

® Rui Rodrigues.

PS – Não sei quem é Eliah Shabon, nem nunca o vi no meu bar. Transcrevo a história como me foi encaminhada. Há coisas estranhas que mesmo explicando não se entendem.    






[1] Como este caso está sendo relatado depois que tudo foi resolvido, não vamos descrever o que nos levou a uma lista tão curta de suspeitos.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Crônicas do Peró. Sexo, o frio, o mar e o vento.



Estamos em Junho, quase no final, temos que fazer frente às frentes frias.

Pode-se construir um Reino, um Império, uma república com uma boa dose de frio, os horizontes pra lá das ondas do mar, e o vento. Basta uma boa idéia. Saí de casa para enfrentar estes elementos, disposto a pensar no assunto. Sou otimista. Não que quisesse sair daqui, onde tenho minha casa, minhas coisas de frade franciscano, meu leito de sonhos, minha fábrica de labaredas, e duas geringonças que me põem em contato com o mundo lá de fora, muito mais bravio e inóspito do que este em que vivo, preocupado com minhas galinhas que logo serão acompanhadas de alegres coelhos. Do outro lado deste território do qual divido a soberania com um grupo de vizinhos há um Motel cujo dono é um chileno mas que não tenho visto mais desde minha ultima vistoria que fiz a um dos quartos que estava precisando de movimento. Ele me cobrou. Tá certo. Amigos, amigos, mas negócios à parte. Por isso estranhei quando, a caminho da praia, com cachecol, camisa de malha de mangas compridas e um casacão por cima, vi, claramente visto, ontem e hoje novamente, um carro branco balouçante a dois passos do começo da areia da praia. Ontem vi um sujeito de camisa vermelha abaixando-se sobre o banco da frente, hoje vi “algo” indefinido como se fossem roupas, mas segui em frente para não incomodar quem estivesse no seu interior. Nunca se sabe que bofes tem quem está lá dentro. Podem ser bons ou maus bofes, armados ou desarmados.
Fui então pela praia, com ventos e respingos de ondas, um frio dos diabos, mas sempre de olho na paisagem. Uma gaivota passou a meu lado, me acompanhou por uns cinco centímetros e saiu zunindo. Pousou lá na frente. Pelos vistos não estava com a mínima disposição de ir ao cinema naquele entardecer. Preferiu brincar comigo, fugindo sempre que me aproximava, pousando mais à frente. Resolvi pôr um fim á brincadeira e chegando às pedras voltei para trás. E lá estava ela me acompanhando no caminho inverso. Agora, caminhando mais devagar, fui vasculhando o que havia por ali, porque com o vento chegou algum material de praias próximas, navios com tripulação descuidada, ambientalmente ignorante, que joga pela borda o seu lixo. O IBAMA dorme o sono dos justos. Provavelmente dirá que é função da marinha, da APA do Pau Brasil, ou da Prefeitura. Neste jogo de empurra todos ganham menos o ambiente e as populações, porque o juiz fica confuso. Não há jurisdição para assuntos contra os órgãos públicos, porque são eles que nomeiam os juizes. Se reclamarmos talvez sejamos indiciados por desacato à autoridade. Recolhi algum lixo, todo plástico, destinado a uma grande escultura na grande parede da entrada de minha casa, mas de forma a não deixar reentrâncias que permitam acoitamento de insetos, reservatórios de poeira. Tudo deve ficar escorregadio, sem reentrâncias. Se jogar um balde de água para lavar, não pode haver lugar para acúmulo de umidade. Já carregado, voltei a passar pelo automóvel, mas devem ter me visto de longe, porque quando passei ao lado era como se ninguém estivesse dentro dele. Ao passar em frente a um Hotel na rua 15 que tem por aqui, vi um dos zeladores. Perguntei se conhecia o carro. Poderia ser de alguém conhecido dele e não queria deixar má impressão. Soube então que o carro pertencia a um casal que preferia o carro ao Motel lá da frente, cujo dono é chileno, e meu amigo, mas que cobra entrada. Afinal o Motel está ali para isso. A praia é que não está para isso. E na outra rua ao lado, havia também um carro preto balouçando ao sabor que não era do vento. Como temos câmaras para tudo que é lado ao longo das vias, tenho certeza que estará registrado, mas o que me preocupa é que há crianças que costumam visitar o lugar e algumas vivendo por aqui. Estas cenas, embora naturais, não são de domínio público senão de particular, no remanso do lar ou dos motéis, hotéis ou casas de amigos. Teremos que colocar uma placa com os dizeres: “Proibido fazer sexo em público ou dentro de veículos”. Há gente que só traz lixo ou produz lixo por aqui. Chamam de turistas. Eu chamo de terroristas ambientais.


® Rui Rodrigues

Preparem-se para a economia de final de século e para a do século XXII.



Economias medievais aumentam os impostos, taxas de juros e cortam nos gastos públicos no que é mais caro e fundamental: Nos serviços. Isto estrangula a economia e gera inflação por falta de confiança nesses governos. A sensação é a de que é preciso se prevenir para tempos futuros, cobrar mais por segurança, segurar o capital de giro, que por inerte não gera mais empregos, diminui a arrecadação de impostos. Aqui termina qualquer esperança comunista. É impossível mudar o ser humano e pela força não vai mesmo. Por força se pode entender uma tal de “Pátria Educadora”, que, a exemplo dos livros vermelhos de Mao Tse Tung tentou em vão moldar uma sociedade comunista na China. O homem não pe comunista por natureza. Odeia isso, perder a sua individualidade, ter que se nivelar por baixo. Prefere arriscar, a apostar em sua capacidade na vida, mesmo que isso lhe custe a vida. É a lei da natureza, que evolui e permite que cada um evolua como pode e consegue.  



Já há fortes sinais de comportamento da economia mundial para o final do século. Vejamos apenas alguns:


1.  Quem já foi á Suíça e a Paris sabe. Não há cobradores de bilhetes nos transportes públicos. Há muitos anos. Essa mão de obra foi drasticamente reduzida a uma meia dúzia de fiscais eventuais. A população paga sua passagem e retira o seu ticket antes de entrar a bordo, em qualquer ponto do percurso. O dinheiro economizado com a mão de obra beneficiou o sistema com larga vantagem. Mas como postos de trabalho foram cortados, a população não aumentou. Nada de ter filhos para ficarem desempregados. Isso é educação. Assim como para ir para o céu são poucos os que passam pelo buraco da agulha, também para viver neste planeta não há lugar para um numero infinito que independa de nossa falta de educação em ter filhos porque não nos prevenimos com camisinha ou anticoncepcionais. As recomendações de chefes de igrejas não são humanistas. São idiotas, nada científicas, carecem de “pensar”. Visam uma clientela que em vez de crescer fia cada vez menor. Os que pensam já não vão a esses templos.


2.  Criadores de gado encontravam mão de obra barata, e também plantadores, cultivadores. Então vieram a máquinas e os postos de trabalho desapareceram quase por completo. É tudo mecanizado. A mão de obra agora é mais qualificada reservada a um universo muito limitado de serviço pesado de manutenção de equipamentos, coleta de materiais no campo, manutenção de instalações. Mesmo assim, é muito mais barato, maior a produção, menor o desperdício.Já se usam helicópteros para tocar gado na Austrália.


3.  As fábricas chegavam a ter milhares de empregados, fazendo de tudo. Desde a limpeza até serviços de acurada e científica tecnologia, como soldagem, montagem, instalações elétricas e eletrônicas. Então chegaram os robôs que fazem de tudo a muito menos que micro-milímetros de precisão, com uma perfeição assombrosa. Quase nem precisam de manutenção, não comem, não reclamam, não pedem aumento de salários. Pedem para serem substituídos por robôs mais eficientes. A mão de obra foi reduzida a técnicos que cuidam dos robôs. Um dia serão robôs cuidando de robôs. A jornada de trabalho será drasticamente reduzida. Sobrará mais tempo para a diversão, o compartilhar a vida com a família, mas as populações deverão ser drasticamente reduzidas. Não cabemos todos dentro das fronteiras, nem fora delas, onde devem existir as matas, as florestas, os rios, a natureza.


4.  Já ouvimos muito falar de “carne de canhão”. Generais mandavam na guerra, tal como Napoleão que ganhou até ser vencido por duas vezes de forma catastrófica. Hitler foi outro. Seus soldados eram “porcos” substituíveis, por mais que sua dialética fosse contrária. “Amavam” seus soldados, mas mandavam-nos como lhes aprouvesse, para frente da batalha, enfrentando canhões e minas terrestres, bombas e bombardas, de peito aberto, muitas vezes de improviso sem planejamento. Quando as economias nacionais estavam em severa crise, inventava-se uma guerra, e os “esforços” de guerra eram suficientes para pagar aos soldados, às custas da fome generalizada do resto da população, cupons de racionamento. Hoje as populações reclamam seus mortos. Guerra já não é solução, mas o problema é que ainda há tanta ignorância grassando pelo mundo que alguns dirigentes de nações preferem correr riscos futuros que entregar o poder que tanto lhes dá de vaidades, prestigio e fortuna. São ditadores que usam a democracia como conivente. Hoje se usam “drones” e muitos mais se usarão no futuro. Foguetes antifoguetes, drones antiaviões, drones de ataque, de defesa, submarinos não tripulados, porta-aviões cheios de drones controlados por satélites, satélites anti-satélites... Jogos de computador mortais. Chegará o dia de soldados-andróides contra andróides-soldado, ou andróides contra andróides. A família assistirá confortavelmente em casa como se fosse um jogo de computador, e se seu país perder, pode perder muitas coisas, mas não a vida nem o conforto. O mundo seguirá. Haverá coisas mais importantes do que matar carne humana.


5.  Governar é um ato que se diz democrático. Para isso conhecemos os políticos tais como são, porém começamos já a conhecer outros tipos de políticos. Esses vivem nos países nórdicos onde o que interessa é a população e seu bem estar. Vivem em pequenos e exíguos “sala e quarto” pagos pelo estado, têm salário igual aos demais cidadãos, não têm regalias, são exatamente iguais perante a lei e se destinam a trabalhar para o povo, que nem é para o “estado”, porque o Estado, é o Povo. Cumprem ordens do povo segundo assembléias regionais e estaduais que por sua vez se reúnem com o povo. Ninguém tem lugar “quente” nem pe indicado, nem tampouco têm direito a aposentadorias diferentes das dos demais cidadãos. É uma democracia participativa. As representativas se transformam em nossos dias em “sindicatos” de exploradores do alheio que usam a democracia como suporte para as suas vontades. Presidentes de república de democracias representativas, são normalmente coniventes com o poder, são “figuras” a respeitar pela constituição, mesmo que sejam verdadeiros bandidos e ignorantes, chefes de Máfias unidas de partidos políticos.


6.  Em suma, este planeta onde vivemos será “zoneado” a exemplo da “Carta de Atenas” que zoneou cidades, e as fronteiras políticas sofrerão acomodações. Na carta de Atenas definem-se regras para cidades, separando zonas industriais de zonas comerciais, residenciais, estabelecem-se parâmetros para largura de vias, testada de edifícios. Face à carta de Atenas, Nova York é um desastre arquitetônico. Nova York mudará de estilo, muitas ruas desaparecerão para deixar entrar o sol. Europa e Norte América, bem como alguns países da América do Sul não crescem tanto como antigamente. Hoje o crescimento mundial está limitado à África e à Ásia por total falta de controle de natalidade. Esse crescimento exige mais comércio, mais industrias, mais culturas, porque é preciso dar trabalho a cada vez mais gente, para que possam comprar seus alimentos, vestir-se, morar, estudar, pagar despesas com a saúde. A cada ano que passa os Estados cuidam menos dos indivíduos. Não deveria ser assim, porque pode ser diferente, sem ideologias de “Pátria Educadora”. A Pátria não educa. Isso se faz nos lares desde o berço.


7.  Em qualquer família ou sociedade há sempre os que não podem contribuir por problemas de saúde ou capacidade inata. Há também os preguiçosos e os aproveitadores do trabalho dos outros. São todos filhos da pátria e a cada um seu trato pela família e pelo estado. As políticas de estado proporcionarão uma economia estável onde haja trabalho para todos, e uma reserva técnica para tempos mais difíceis. Os impostos serão proporcionais a metas a atingir. Não podem ser os mesmos ano após ano, sem folga para o cidadão, como se estivesse pagando pena. Haverá anos de alívio e anos de maior pressão nos impostos. Podemos ter pressa, mas não podemos tropeçar. Para onde vamos com todo esse progresso?

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8.  Nosso progresso tem um sentido único. Preservar o nosso habitat, o que equivale a preservar o ambiente em que vivemos, estarmos preparados tecnologicamente para mudanças climáticas, porque este planeta não é perfeitamente estável, e capacitados para abandoná-lo quando for necessário sair para outros planetas por absoluta necessidade. É um caminho longo que exige preparação antecipada em milhares de anos. A “terraformação” de um planeta pode levar até milhões de anos. Precisamos descobri-los, estudá-los, viajar até lá, trabalhá-lo para as gerações do futuro. Nossa humanidade não fará escolhas genéticas por indicação de políticos. Se aposta neles para que seus netos e descendentes continuem procriando seus genes, esqueça. Serão os mais capazes, com estudos avançados, num mundo em que a mão de obra pesada e braçal não existirá mais.

Até lá, há um enorme caminho a percorrer. Ano após ano a mortalidade será maior que a natalidade de uma forma geral, através de muitos processos, desde o abandono de populações inteiras, por fome e doenças, até a morte em guerras, processos cruéis, até que a população se estabilize em uma quantidade de indivíduos que possam trabalhar e produzir o próprio alimento, sem pressões populacionais em debandada de fomes e guerras, ou internamente às fronteiras porque a economia “cresceu” e se deduza que já se pode ter mais de um ou dois filhos por casal.
É possível que estejamos perdendo a nossa sensibilidade a catástrofes humanas, mas há que nos perguntarmos até que ponto não é necessária. Nosso coração e a bondade que nele existe está percebendo que não podemos socorrer a todos. Estamos numa fase de evolução, talvez uma Idade Média, da qual se espera que possamos emergir numa nova Renascença. 

Somos assim...Aos altos e baixos mas sempre subindo.Nossa humanidade é um fenômeno extremamente doloroso da natureza!


® Rui Rodrigues.    

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Eu tenho uma netinha.




Depois que ganhei uma filha por obra conjunta minha e de minha companheira - quando a Suzana ainda era viva e infelizmente não tive o prazer de conhecer o marido dela, o senhor “neném” - acabou aquela coisa de “tem que ser menino”. Ganhei um menino também, da mesma empresa empreendedora, com sucesso. A partir de alguns anos depois que passaram rápido, minha filha me empresta a sua filha, minha neta, o que é outro daqueles prazeres monumentais que só a vida permite. Isto é muito bom!...Uma delícia.

Minha neta é educada, sem Pátria Educadora que a eduque. Não é necessária. Pátria Educadora não educa. Quem educa são as famílias. Educação se transmite de pais para filhos. Pátria instrutora até poderia, mas apenas instruirá se não se dedicar a criadores de milícias que criam militantes, que cultuam figuras e imagens, recebem lavagens cerebrais de história modificada e deturpada. Minha neta, não. Se mudar será por sua conta e risco quando for “de maior”. Escolherá então tudo na vida, porque nada se lhe impõe, a não ser educação e humanismo.  


E como ela é sensacional, está sempre feliz sem ser à toa. Tem motivos para ser feliz, o que expressa em seus dotes para a pintura e o desenho. Só tem seis anos que desde maio começou a contá-los, porque em abril só tinha cinco. Estamos em Junho. Para todos os efeitos, tem mais cinco que seis de idade, mas deve ter uns oito na forma de pensar, se é que não tem mais. Está ficando “veia”.



Eis alguns dos desenhos que me deixou e que fez domingo passado enquanto nos curtíamos. Pode ver-se a família dentro e fora de casa, o avô gordo que nem é louro, mas usou a caneta que estava mais perto e que ficaria mais agradável à pintura, ela é lourinha, a mãe também era, mas agora está com cabelos marrons que nem são tão grandes. Arte é arte e há que desconstruir a arte para que fique mais artística. É uma “picassada” da Maya, minha netinha, grande sacada. Faz-me sentir na obrigação de respeitá-la por sua personalidade, desenvoltura no falar, já lê tudo o que lhe aparece pela frente, escreve ainda devagar, e é uma grande pessoinha. Mais que tudo, admiro-a!


Dos desenhos, julguem vocês. Até pelas proporções. Casas são muito grandes mesmo...E aprendeu a confessar os seus errinhos... Quando diz que não fez, não fez mesmo!


® Rui Rodrigues, o avô babão! 

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Artesanato-lixo – Fazendo um porta garrafa.


No sábado, dia 20 de junho, e depois de uma semana inteira dando uma geral caprichada na casa, recebi a visita de minha neta, minha filha e a mãe. Uma família novamente reunida. Tinham chegado na sexta-feira. Estas visitas são o que há de melhor na vida de qualquer ser humano. Fomos à praia, quase sete quilômetros de praia só pra nós, porque sempre está vazia, e andamos pelas dunas, de frente para sete ilhas. Normalmente a praia tem poluição zero, uma das dez únicas do Brasil, mas ou os ventos e a agitação marítima conseqüente, ou algum navio mal educado que passa em frente, deixam esteiras de lixo. Desta vez havia algum, e no meio dele, minha filha descobriu um sapato de senhora, “Made in Brazil”, apenas o arcabouço, o esqueleto. Sempre que parece interessante, costumo aproveitar uma ou outra peça, como um pedaço de raiz dura da qual fiz uma bengala preta com cabeça de cavalo dentuço e “olhudo” com crina de barbante, bem resistente, e um baiacu seco que pintei e ao qual dei vida com pele colorida imitando o original, olhão amarelo e uma dentadura branca reluzente de fazer inveja a qualquer protético. O que fazer com o sapato de salto alto?

Lembrei-me da sensualidade de um sapato de mulher, e dos tempos antigos em que se tomava champanhe bebendo direto de um sapato feminino, novo, a estrear, tanto quando a própria mulher. Nada como uma aventura amorosa de compartilhamento total de corpos, intenções... Um suporte para garrafa de vinho ou de champanhe seria perfeito, não fosse o caso de, pela altura do salto, o sapato ficar bambo. Mas isso se resolve. Fiz um corte numa rolha de cortiça pura, e retirei o pequeno cilindro que encaixei com cola na ponta do salto. Não sendo bastante, colarei 4 pequenos cilindros de bambu japonês que tenho aqui em casa, dois de cada lado da “sola” do sapato. O esqueleto do sapato é do tipo “peça inteira”, de algum produto sólido e duro que se assemelha a plástico, e tem sulcos na parte inferior onde posso encaixar os pedaços de bambu.

E deve ser vermelho para dar sensualidade ao vinho da garrafa, mas nada muito “esnobe”, para que mantenha sua característica de peça única, artesanal, feito em casa. Terá uma porção de bolinhas coloridas ao melhor estilo Minnie, sem perder a classe.



Figura 1- Eis o sapato tal como encontrado.
(Exceto pela rodela de rolha de cortiça sob o salto para dar estabilidade, e uma limpeza geral) 


 Figura 2- Começando a pintura





Figura 3- A pintura ainda não acabou, mas está em fase de acabamento. Notar um pequeno circulo de plástico transparente para dar ainda mais estabilidade ao salto do sapato - vai suportar uma garrafa de vinho - e um cilindro feito de vara de bambu japonês para o mesmo efeito de estabilidade. O conjunto ficará mais estável do que quando a garrafa de vinho fica em pé na mesa. 







Figura 4- Pronto... Trabalho acabadado, simples e eficiente.Pode ventar à vontade que o vento não a derruba.



® Rui Rodrigues