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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Adoção de cachorro cãopanheiro, carente e de raça.



Adoção de cachorro cãopanheiro, carente e de raça.


Pode me adotar que não vai se arrepender!

Solto pouco pêlo, faço minhas necessidades e até tomo banho sozinho, todos os dias, sem custos adicionais em lojas de beleza canina. Basta-me água de um chuveiro e sabão ou sabonete. Claro que prefiro sabonete para ficar mais cheiroso. Não como muito, mas como de qualquer coisa, o que sobra das travessas e panelas. Do prato não. Normalmente o que sobra nos pratos é o que ninguém quer. Aliás, não exijo nada e estou sempre de bem com a vida. Sou extremamente saudável e nunca fui a médico. Só para tomar vacinas quando era um cachorrinho na casa em que nasci. Fui bem ensinado e sei fazer muitas coisas. Não sou castrado mas tenho a cabeça no lugar e não saio por aí atrás de qualquer cachorra só por que estou com vontade desenfreada.

Aprendi a miar. Se desejarem me adotar, posso latir, ladrar ou miar. Imito passarinho. Á vezes ronco, mas é raro. Aprendi a conter os meus intestinos e não solto “pum”. Sei exatamente onde se fazem as “necessidades”, que é no banheiro, e vou sempre lá quando estou apertado. Na rua não faço necessidades porque fui bem ensinado e nem precisa levar aquele saquinho de plástico e luvas de plástico para apanhar e guardar as minhas necessidades. Quando preciso vou ao banheiro. Fui bem ensinado. Posso ficar no meu canto caladinho, fazendo companhia, de frente ou de lado para a TV, gosto de escutar música, e se tiver um computador por perto, sempre fico de bituca nas postagens das redes sociais. Gosto de tudo o que se move. Faço a maior companhia. Escreva num bilhete o que quer, dê-me uma bolsa e dinheiro e me mande no supermercado que trago tudo direitinho e o troco também. Não é qualquer cachorro que faz isso. E aprendi a não roer móveis.    

Nada de bebida. Basta um carinho, um cafuné, uns beijinhos e fico numa boa, feliz da vida. Se for dar uma caminhada, me leve. Sou um bom “cãompanheiro”. Tenho uma vantagem quando for num restaurante: Nenhum garçom sente vontade de me botar para fora, nenhum dono proíbe que eu entre, porque sou simpático, tenho olhar meigo, comporto-me muito bem e não incomodo ninguém, mas se precisar espantar ladrão sou dos melhores. Ninguém encostará a mão em você. Nem ladrão se atreve quando estou por perto. Agora imagine a seguinte situação: Você está carente e gostaria de um afago. Também aprendi isso. Afago como ninguém afaga. Faço todos os tipos de carinho e se não gostar, não lambuzo. Mas se gostar, lambuzo pra valer. Minhas lambuzadas, o seu prazer, o seu conforto. Se pedir mais, sempre tem. É o mínimo que posso fazer por quem me dá carinho. Carinho com carinho se retribui. Também aprendi isso.

Também sei dirigir, mas preciso renovar a minha carteira de motorista. Sou um aposentado de baixo salário e alta instrução. E só aceito uma dona. Dono não! De dono estou fora... Mas se prefere um cachorro de verdade, posso compreender perfeitamente.



Anúncio lançado na Internet por um morador de rua que teve acesso a uma LAN.  
Rui Rodrigues

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O crime da Bedale Street




Anne G. Slomp assassinada entre a Bedale e a Winchester streets


Carl Logger aluguou por cerca de quinze dias um quarto num Apart Hotel na Winchester Walk, perto da Ponte de Londres quando foi a trabalho para uma empresa norte-americana. Como o trabalho era de consultoria, limitava-se a estar disponível para acompanhar os resultados, analisar e aconselhar medidas decorrentes. Na verdade sobrava-lhe muito tempo que sempre aproveitava para caminhar pelo centro financeiro de Londres. Era final de Inverno e em plena ponte havia um protesto de artistas de rua, aqueles que desenham rostos, fazem caricaturas: Queriam a reabertura da Leicester Square para as suas atividades que não poderiam, por lógica, ficar longe da National Portrait Gallery. A praça fora re-inaugurada e estava agora coberta de milhares de lajes de granito importadas da China. Acusavam o Conselho de Westminster. Ficaram lá com cartazes por alguns dias, constatando que todos os governos são teimosos. Alguns artistas portavam desenhos de pessoas - normalmente rostos - como propaganda e prova de que eram trabalhadores úteis ao Conselho. Temos o costume em todo mundo de reclamar quando nos mudam os nossos referenciais. Carl deteve o olhar em alguns desenhos e num em particular que mostrava um casal. Ela estava sorridente, mas o sujeito parecia destoar da alegria da moça, traços que o artista captou. Era sutil mas destoava.   
Como observador da cidade Carl não conseguia evitar ver os transeuntes com aquela curiosidade que todos temos: O que há de diferente nos habitantes de outros países que os tornam “diferentes”. A resposta era invariavelmente a mesma. Nada! Absolutamente nada! Nossas coisas comuns, a quaisquer seres humanos, são tantas, que o mais lógico é dizer que todos somos iguais.  Gostamos do que é bom e nos é agradável ou faz bem, suportamos o que nos incomoda e detestamos o completamente oposto. Londrinos eram cariocas, nova-iorquinos ou lisboetas apenas com línguas ligeiramente diferentes, e enquanto uns tomam café outros tomavam chá, e em vez de vinho outros tomavam mais cerveja, mas todos têm excelentes times de futebol. São unidos pelo que têm em comum e não pelas diferenças. A paisagem é que é bem diferente na arquitetura, na cor e nos sons, além do trânsito que corre sempre na contramão, em Londres, com os mesmos problemas dos trânsitos que rodam na mão convencional. De resto são casas, água, ruas, policiais, serviços públicos... A lei e a ordem contra a desordem.

Ao anoitecer de 23 de dezembro de 2011 Carl estava voltando para o Apart Hotel quando foi surpreendido por uma cena insólita. Havia policiais na esquina da Winchester com a Bedale Street. A polícia tinha montado uma barreira e interrogava quem passava por ali. Alguns guardas iam de porta em porta recolhendo informação sobre a vizinhança. Havia um corpo coberto no chão. A cena do crime estava isolada. Aguardavam os serviços da Morgue. Um policial  abordou Carl com olhar completamente sem expressão ao entrar no Apart Hotel e o interrogou rapidamente. Ficaram sabendo que morava ali mesmo, a empresa para quem trabalhava e lhes disse que ficaria por lá até 10 de janeiro. O guarda Spencer perguntou-lhe se tinha visto algo sobre o assassinato de uma moça. Disse-lhe que não, mas que estava disposto a cooperar. Liberado, entrou, subiu para o quarto e tomou um whisky de sua própria garrafa enquanto assistia a um programa de TV. Não deixou de pensar que, da forma como gostava de Londres, mais do que a decantada Paris, seria oportuno que se envolvesse o suficiente nas investigações sobre o crime só para passar mais uns dias por lá. Sorriu. Isso que lhe passara pela cabeça era um absurdo. Seria uma catástrofe para sua carreira, mesmo como simples suspeito ou testemunha, porque nós, humanos, somos muito simplistas na hora de julgar os outros e muito complicados na hora de entendê-los.

Afastou o pensamento e desceu cinco minutos depois até um PUB famoso, ali mesmo na Bedale Street, o Globe Tavern, ao encontro de alguns colegas de trabalho. É impossível consumir bebidas em público fora do horário permitido por lei: Antes das 19:00. Contou-lhes o caso. A moça que lavava os copos com uma mágica de rapidez impressionante, contou que se tratava de uma garçonete do Globe Tavern contratada na noite anterior. Tinha sido o seu primeiro e ultimo dia de trabalho na casa. Chamava-se Anne G. Slomp.  A simpática garçonete contou ainda que Anne Slomp chegara para pedir emprego umas semanas atrás, sozinha, e no seu primeiro dia de trabalho viera também só.  Passou rapidamente pela cabeça de Carl um pensamento que guardou na memória: Como cada vez mais se vive só, o Estado deveria ser a nossa segunda família, ou seja, deveríamos trabalhar e pagar ao Estado uma apreciável quantia para que este nos cuidasse nas idades mais avançadas, mas os fundos deveriam ser atrelados aos Bonds do tesouro nacional, e permanecer intocáveis, para que não pudessem ser repassados por qualquer motivo e virem dizer no futuro que os fundos haviam apresentado prejuízos.
Ainda pensava nisto quando no dia seguinte no escritório comentaraam o caso do crime da Bedale Street como estava sendo chamado o caso. Nos jornais havia uma foto da moça e não pôde deixar de se lembrar dos artistas da ponte de Londres. Ele ja vira aquele rosto. Como aguardava um relatório que só chegaria no dia seguinte, foi até a ponte. Os artistas ainda estavam lá. Como não encontrou a foto que procurava perguntou se podia entrar em contato com um artista que estava ali com eles no dia anterior, e descreveu-lhes o desenho do casal. Deram-lhe um nome e um endereço. Pegou um táxi e foi até lá. O artista morava num beco ladeado por casas vitorianas construídas para trabalhadores há mais de duzentos anos. Quando ia bater à porta, esta se abriu e um homem saiu apressado sem o olhar diretamente. Vestia-se esportivamente, com um agasalho de moletom, mas algo nele não estava de acordo. Algo chamara a atenção de Carl e não sabia exatamente o que era. Pensaria nisso mais tarde. Subiu umas escadas  íngremes e deparou-se com duas portas, uma de cada lado das escadas. Uma delas estava aberta. Era exatamente a que correspondia ao apartamento do artista. Carl teve um mau pressentimento... Empurrou um pouco a porta e deu uma espiada lá dentro. Havia um corpo no chão e não lhe foi difícil adivinhar quem era. Aparentemente o apartamento em desordem como costuma ser de qualquer artista que faz do apartamento um estúdio, não tinha sido revirado. Saiu rapidamente. Quando estava saindo do portão vitoriano do prédio, encontrou um conhecido,
Spencer, o guarda que o interrogara na noite anterior estava na frente dele. Perguntou-lhe o que fazia ali, quem e o que procurava. Carl contou-lhe rapidamente sobre os artistas da ponte, o desenho do casal, e do homem que vira sair do prédio quando ele estava entrando ainda agora, há pouco. Finalmente contou-lhe do cadáver no quarto do andar superior. Spencer chamou os serviços da polícia pelo radio e pediu-lhe que subisse com ele, disse para não tocar em nada e para não entrar no apartamento. Depois desceram e entraram no carro de Spencer e foram para a delegacia. O desenho não tinha sido encontrado.           


  - Vamos la, senhor Carl... Tente lembrar-se do sujeito do desenho e descreva-o para o nosso assistente aqui. Por computador tentaremos fazer um desenho do acompanhante de miss Anne Slomp e compará-lo com os de nossos arquivos.  Esse sujeito pode ser a chave do crime.
 Carl passou a tarde na delegacia. Ao final tinha um rosto na tela muito parecido com o do desenho do artista que vira na ponte. Pelo menos assim julgava. Spencer aproximou-se, olhou o desenho e disse: 
- Acho altamente improvável que seu desenho esteja correto... Esse aí é  Alfred O. Gibson, famoso apresentador de programas de televisão, colunista de vários jornais. O que ele faria com uma moça desempregada, pousando para desenhos na ponte?



Quando saiu, Carl carregava consigo um convite da Scotland Yard para permanecer a seu serviço até que fosse encontrado o homem parecido com o apresentador de televisão e que só Carl tinha visto de forma mais próxima do real no desenho do artista. O envolvimento de Carl com a polícia londrina permaneceu em sigilo

Em qualquer caso de crime, e logo a seguir à fatalidade, os acontecimentos costumam precipitar-se  numa velocidade crescente até que o criminoso seja descoberto e isto se deve à pressa de cobrir rastros, apagar testemunhas, limpar o caminho por parte dos criminosos que lutam contra o tempo. No fundo eles têm consciência de que lutam contra o tempo. Então se precipitam. Aconteceu o mesmo no caso do assassinato de Anne G. Slomp. Nessa mesma noite Carl voltou com os amigos ao Globe Tavern. A moça que lavava os copos tinha instrução, era loura e muito bonita. Ficou lá até as 23:00 tomando a melhor cerveja inglesa, cor de urina escura, típica de quem não bebe água, só cerveja para não enferrujar, umas boas e excelenteFuller’s London Pride . Depois saiu a pé até seu apartamento na Winchester Street, logo a seguir ao cruzamento com a Bedale, onde o cadáver de Anne tinha sido encontrado.  O táxi apareceu de repente, vindo bem devagar. Quando Carl viu surgir um revólver pela janela do motorista, sua adrenalina subiu e preparou-se para o pior. A bala passou a milímetros de seu pescoço e instantaneamente   levou a mão ao pescoço e se jogou rolando no chão, ficando inerte. O taxi continuou seu caminho acelerando. Provavelmente acreditaram que tinham acertado sua vítima. Quando desapareceu da vista, Carl levantou-se e voltou ao Globe Tavern. Ligou para Spencer e contou o ocorrido. O taxi tinha uma placa falsa com letras e números. Os taxis de Londres apenas têm letras. 

Nessa noite Carl dormiu acompanhado com a bela inglesinha. Arrumada para sair, ela era uma raínha. Uma raínha que parecia movida a pilhas. 

(Continua)   

sábado, 26 de janeiro de 2013

O exército e a vida perdida de Cambises




Unidos no grande mistério
(Baseado numa história real)



(Somos animais da Natureza sujeitos a intempéries de todos os tipos. Somos uma espécie teimosa, insistente, sempre buscando formas de conseguirmos o que desejamos, e quando a Natureza se acalma, passamos o tempo criando intempéries entre nós mesmos como se fosse diversão ou treino para novas intempéries futuras. O problema maior que temos quanto às intempéries, é quando a natureza nos brinda com uma daquelas de bradar aos céus – sempre em vão – em meio a uma intempérie que nós mesmos já havíamos criado e da qual ainda não saíramos. Uma situação destas num deserto geralmente é fatal. Pior ainda quando a temperatura média global estava em ascensão e provocava conturbações na atmosfera do deserto com ventos quentes, secos e fortes. As dunas se transformavam, mudavam de lugar em questão de breves minutos).


A infalibilidade e descendência divina dos reis.


Podemos ser brilhantes num determinado momento ou durante uma vida inteira, mas como não conhecemos tudo neste mundo, o menor erro, desconhecimento ou equívoco pode ser-nos fatal. O conhecimento é algo que se vai desvendando na medida em que a inteligência evolui e novas descobertas dão origem a outras. O conhecimento é coisa da humanidade, de um grupo ou sociedade e não de um só indivíduo. Assim, naqueles anos da década de 20 do século sexto antes do nascimento de Jesus Cristo, mais exatamente no ano de 525 AC, reinava Cambises II, filho de Ciro II o Grande. Ambos julgavam que os deuses os protegiam e que eram seus representantes na Terra. É incrível como passados tantos anos e com tanto progresso, tanta evolução, ainda há quem se julgue ser representante dos deuses neste planeta. E os deuses mudaram. Uns se foram, outros surgiram, outros estão desaparecendo. Muitos reis ganharam batalhas e perderam outras, fosse qual fosse o deus que imaginavam representar. Porém havia uma grande diferença entre Ciro e o filho Cambises. Ciro era magnânimo, até com seus inimigos, e ficaria na história como “o Grande”. Cambises foi sempre um mau caráter, um indivíduo torpe e as lembranças que deixou foram horríveis. Mas nada importava para as sociedades do largo reino: Fossem os reis bons ou maus todos seguiam as ordens do rei por solidariedade inocência ou medo.

(O exército de cinqüenta mil homens de Cambises saiu de Menfis no Egito recentemente conquistado na direção da atual cidade de Tunis, na época pertencente a Cartago, defendida pelo poderoso exercito cartaginês. Caminhavam à noite guiados pelas estrelas a passo reforçado, e descansavam de dia porque, pelo tamanho do exército, o abastecimento de água deveria ser feito apenas nos oásis, e estes eram muito esparsos no deserto da Líbia, onde de vez em quando as areias descobriam ossadas de homens e animais que os ventos e as areias haviam coberto um dia, normalmente de forma trágica. Entre os homens o moral não era alto. Estavam suados, cheiravam mal, cansados, sedentos e esfomeados e se fossem surpreendidos estariam em desvantagem. Não havia nuvens no céu completamente azul e nem se viam aves de rapina, tal a secura daquela parte do deserto. Se houvesse, estariam agora sobrevoando os cadáveres dos que haviam ficado para trás vencidos pelo cansaço, ou por um simples resfriado que naquelas condições era sempre fatal. O que lhes dava ânimo era a possibilidade das pilhagens num Egito que se ornamentava com ouro, lápis-lazúli, pedras preciosas, belos panos de linho imaculadamente brancas. A maioria pensava nas lindas mulheres egípcias, de olhos pintados, sempre lavadas e perfumadas. Tomariam as jovens egípcias depois de cheirarem o cânhamo defumado – o Quinabu – e se tivessem sorte, com o uso de bastante mandrágora ou papoula preparada que eram bem mais relaxantes.Com mais sorte ainda ficariam no Egito para sempre como exército de ocupação).


O perfil de um rei

Tal como Cleópatra, Cambises II -Kambujiya ou کمبوجیه - achava-se o representante dos deuses, filho de deuses, e não teria filhos com “humanos”. Podemos até apostar sem errar muito que Cambises não considerava o povo como algo “humano”. Para ele eram servos, destinados a servirem as suas vontades. Todo um reino para servir sua realeza “divina”. Por isso casou-se com suas duas irmãs: Atossa e Roxana, para que pudesse ter “filhos divinos”, mas morreu sem ter tido filhos com as irmãs. Num acesso de fúria, espancou violentamente Roxana, sua irmã grávida, dando-lhe pontapés no ventre prenhe até a morte.  Anteriormente havia matado seu irmão Esmérdis (ou Bardia) por ser o preferido do povo e concorrente ao trono por morte de Ciro. No Egito matou com as próprias mãos um sacerdote que representava uma das mais importantes divindades egípcias, o Boi Ápis. Acusado de corrupção, um juiz teve sua pele arrancada e esticada sobre a sua própria cátedra de juiz. A tropa não gostava de Cambises II, muito diferente do pai, e um de seus generais, Dario, era seu braço direito na campanha africana. Dario era um general esperto e dizia-se descendente, também, dos Aquemênidas, uma estirpe real à qual Ciro e Cambises também pertenciam. O império persa era o maior que já se vira sobre a face da Terra. Somente no império habitavam aproximadamente cinqüenta milhões de habitantes de todas as regiões do planeta, cinqüenta por cento de toda a humanidade. Dizem que ele mesmo matou Psamético III Faraó do Egito logo após o ter derrotado na batalha de Pelúsia. Mandou matar Creso, um rei deposto que agora fazia parte de seu conselho e os pretensos assassinos para demonstrar que não fora ele o mandante. A cada dia Cambises se mostrava de temperamento mais instável, incitado pelo frenesi do poder, de conquistar toda a terra que pudesse enxergar. Seria um deus visível, palpável, senhor único de toda e qualquer vontade. Dario passou a temê-lo. Da forma como se comportava, um dia Cambises mandaria matá-lo também. Talvez quando chegassem a Pasárgada, depois da revolução domada.


(Algures no deserto da Líbia, entre o Egito e Cartago, a temperatura baixou um pouco e ainda era quase meio dia. Muito cedo para baixar. A essa hora uma boa parte do exército de Cambises II Descansava do calor depois de uma longa caminhada noturna até cerca das 10 horas da manhã. Longe de qualquer possibilidade de serem atacados, os cinqüenta mil homens dormiam debaixo dos escudos e das mantas que carregavam. Não havia turnos de vigia. Iam conquistar Cartago. Aquele exército era enorme. Outra grande parte estava com Cambises a caminho da Etiópia, em sentido oposto. Cambises queria conquistar toda a África, mas caminhava para a Etiópia porque havia notícias de um mago usurpador do trono aquemênida. Uns diziam que era o irmão de Cambises, Bardia, que seria o próprio mago ou ele mesmo ressuscitado quem pretendia destronar o rei. Dario se encarregava de dar ouvidos aos boatos. Não tinha incitado o rei a dividir o exército, mandando as divisões com mercenários para o deserto da Líbia?).

A caminho da Etiópia.


Cambises tinha Dario como seu braço direito, inseparável. Era seu conselheiro político e militar. Um dia dar-lhe-ia um fim, porque não se pode deixar um colaborador ser mais eficiente do que o próprio rei sob pena de perder o reinado. Dario também sabia disso, e de fato, não desprezava a idéia de um dia vir a ocupar o trono, visto que Cambises era detestado por todos. Podia matar Cambises e pôr a culpa em alguém estranho. Gente disposta a isso não faltava. Aliás, se viesse a ser um rei não precisaria de um império tão grande, mantendo exércitos de ocupação que sempre custam muito caro e não raro são focos de revoltas. Como Cambises queria conquistar Cartago, não se opôs, e consultado, aconselhou a que fosse destacado o exército que misturava persas com gentios. Eram os mais fracos em fidelidade. Em vão tentara demover Cambises de atacar a Etiópia, mas não conseguiram passar além da Núbia. Os núbios derrotaram o seu exército que mal conseguiu voltar ao Egito. A frota foi desmantelada. O humor de Cambises piorava e era costume entrar em depressão. A obra a que Cambises se propunha era muito maior do que a sua capacidade de executá-la. Dario acompanhava com prudência. Havia notícias de uma revolta na Pérsia. Muito em breve deveriam ter de voltar para contê-la e Cambises não poderia chegar até lá.

(Primeiro foram os animais, alguns poucos cavalos e camelos que começaram a se agitar, ficaram indóceis e faziam esforços para se livrarem das amarras. Depois foi a temperatura que caiu abruptamente quando quase todos os cinqüenta mil soldados dormiam. Finalmente, os que não dormiam olharam para o horizonte e viram o que jamais tinham visto: Uma enorme nuvem vermelha, muito mais alta que as pirâmides, que se aproximava rente ao chão, mais rápido que o mais veloz dos cavalos dos sátrapas. O alarme foi dado. Cinqüenta mil homens olhavam paralisados para a nuvem. Primeiro acharam que era um enorme exército que os atacava e chegaram a fazer formação de combate, a infantaria de frente, os arqueiros atrás, a cavalaria nas laterais. Nos cinco minutos seguintes retiravam os lenços, as capas e os saiotes para se cobrirem, taparem o rosto. Era areia. Enormes nuvens de areia, coladas umas ás outras que pareciam ficar cada vez maiores, como se toda a terra os quisesse engolir. Os últimos a morrerem sufocados, sem poder respirar pelo peso da areia que se abateu sobre eles, fragilizados pela tosse constante e o sufoco, porque o que mais respiravam era areia, ainda tiveram tempo de pensar em três coisas: Na vida desde a infância, na pilhagem que iriam perder, e na impossibilidade de desobedecer as ordens de seus generais que os mandaram para a morte. Quando a tempestade de areia passou não havia rastro de nada. Era como se a paisagem sempre tivesse sido assim).


Vou embora para Pasárgada. Lá sou o rei.

Cambises descarregava a raiva por conta de seus fracassos, de sua ansiedade em resolver os problemas, por sua incapacidade de sendo rei e descendente dos deuses, não resolver problemas que lhe pareciam tão simples. A campanha no Egito, para todo o mundo tinha sido um sucesso. Afinal, ele agora era também o Faraó do Egito, mas só ele e Dario sabiam do real fracasso. Não conquistaram Cartago, foram derrotados pelos núbios que consideravam mais fracos do que os etíopes, e perderam um exército inteiro sem saber como nem onde nem porquê. A única coisa que sabiam é que o exército saíra de Menfis a caminho de Cartago, mas nem chegara lá nem voltara. Um exército, ainda mais daquele tamanho não desaparece assim. Alguém poderia ter escapado. Mas não. Não sobrara ninguém para contar a história. Cambises entrou em profunda depressão. Com a notícia da rebelião na Pérsia, resolveu voltar à pátria. Decidiu que iria por Gaza e Damasco. Talvez em Damasco ou na cidade de Hamada, no ano de 521 AC, Cambises deixou de ser rei, largou todos os seus problemas e morreu ferido. Dario disse à sua tropa, que murmurava contra Cambises no acampamento, que este se ferira a si mesmo. Sua frase que ficou na memória da história foi: “Ele morreu sua própria morte”, insinuando um suicídio, completamente impróprio para um rei, e que deveria ser interpretado como “feriu-se e morreu” como ato involuntário. Para Heródoto, famoso historiador grego, Cambises se ferira montado em seu cavalo.

(O dia fora insuportável. Dario tinha a paciência de um rei que espera sempre o momento certo para agir, suportando as adversidades com muita calma. Cambises entrara numa daquelas fases de ficar irritado, culpando tudo e todos, a boca espumava de raiva. Apesar disso jamais alguém os ouvira discutir fosse o que fosse. Cambises e Dario pareciam ser um só e sua amizade e respeito um pelo outro jamais foram discutidas ou postas em dúvida. O dia seguinte seria ainda pior, porque a instabilidade do rei o levaria a tomar atitudes hostis, de raiva incontrolável. Um copo caído, uma saudação mal feita poderia despertar-lhe os piores humores. Pela noite Dario foi a seus aposentos. Na entrada perguntou baixinho como estava o rei. Os sentinelas disseram que ele tinha acalmado. Os sentinelas sempre haviam sido de Dario, o general, e não do rei. Quando entrou, Dario viu Cambises profundamente deprimido e só. Não havia mais ninguém por perto exceto os sentinelas. O rei baixou a cabeça, desanimado ao falar sobre as campanhas do Egito, da Núbia, da Etiópia e agora da revolução na Pérsia, ao que tudo indica levada a cabo por seu irmão Bardia que ressuscitara. As mesmas forças que tinham destruído um exército de cinqüenta mil homens poderiam ressuscitar seu irmão. Já nem sabia se tinha matado devidamente o seu irmão. Estava muito confuso. Quando a sua própria adaga lhe entrou no coração toda sua energia se concentrou em arregalar os olhos de admiração, olhando para Dario sério, que o segurava nos braços, como que lhe pedindo perdão, mas não teve forças para falar. Em segundos o corpo de Cambises desfalecia por completo. Então Dario gritou para os sentinelas: Acudam! Chamem um Médico rápido. O rei feriu-se. Dario casou-se com Atossa, irmã de Cambises, esposa de Cambises e filha de Ciro o Grande).


Rui Rodrigues

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Corrida de camelos no Pólo Norte



- E não olhe para o meu boletim... Seus dedos podem ser usados de forma mais eficiente!

Era esta a situação geral: Nunca havia nada do que deveria haver. Consumiam demasiado e o papel nunca era suficiente. Estavam perto do Pólo Norte para uma missão de resgate a ser levada a cabo na Noruega dominada pelos alemães. Iam pelo Pólo por ser a rota mais improvável para a inteligência alemã. Aníbal já fizera algo parecido com Roma, desembarcando suas tropas na Península Ibérica e caminhando pelos Alpes com pesados elefantes até Roma. Agora o seu comando levava camelos trazidos do Saara. Se vistos por algum comando avançado alemão, diriam que era miragem e ninguém absolutamente normal acreditaria que alguém tivesse visto camelos caminhando na neve. Camelos como sabemos têm as patas enormes e bom pêlo que serve de abrigo para o frio e podem passar dias e dias sem comer e sem beber água. Para se adaptarem melhor ao frio, os camelos participaram de um seminário numa câmara frigorífica para peixe no Cairo, antes da partida. O comandante não era burro de todo. Mas ninguém sabia para que serviria o urubu que o comandante treinava todo o dia.

A viagem até à fronteira decorreu tão tranqüila que os soldados, uma meia dúzia de vinte e um tiveram tempo para aprender alemão - montados nas corcovas dos camelos - mas era tudo tão monótono que tiveram de fazer o resto do percurso a pé, porque os soldados embalados pelo sacolejante caminhar dos animais patudos, adormeciam e tombavam no gelo ártico.  Três tinham quebrado o braço, dois a cabeça, e um deles não conseguia se lembrar do que estava fazendo ali, nem do nome dos pais. A operação parecia apontar para o desastre. O comandante caminhava meditabundo...

- E então, comandante? Quem vamos resgatar, onde e como será? Perguntou um soldado barbudo, com olhar debochado assim como querendo puxar conversa.
- Vem cá!... Você é da nossa companhia ou um espião?
-Ora comandante? Que é isso? Não está me reconhecendo? Sou o Broncas! Aquele que reclama de tudo...
-Ah! Sim... Mas com essa barba nem reconheci você. Não! Por questões de segurança, só seremos informados dos detalhes quando estivermos no Ponto Certo. Quando chegarmos lá, aviso! Deeeeessssbandaaaar!


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No norte da Noruega, na fronteira entre o gelo e o gelo, havia um posto avançado alemão, com telhados brancos, soldados vestidos de branco, tudo branco. Tão branco que uma coluna avançada inimiga meio que distraída poderia passar por cima sem se dar conta. Fritz Merkel, que nesse dia estava de vigia numa torre junto ao arame farpado também pintado de branco, gritou sem largar os binóculos e sem olhar para trás na direção do posto avançado:

- Atenção comando: Tropa montada em camelos com um urubu se aproximando!

Os binóculos foram-lhe arrancados tempestivamente pelo tenente alemão que surgiu inesperadamente por detrás de Fritz Merkel. Olhou... Franziu o sobrolho e viu realmente uma tropa de camelos, mas raciocinou imediatamente que não podia haver camelos nos pólos. Era apenas uma miragem!... Sorriu desdenhosamente e desceu as escadas da torre de vigia. Fritz Merkel ouviu as risadas lá atrás. Certamente estariam rindo dele. Não era só dessa vez que riam dele. Parecia-lhe sempre que que toda a Europa e continentes adjacentes riam dele. 


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De repente o comandante da tropa gritou: Parem! E olhou atentamente para o urubu. A ave estava inquieta, queria alçar vôo. Então o comandante quebrou o silêncio do rádio e transmitiu repetidamente a única frase que sabia em alemão e que tinha decorado extensivamente:

- Heil Hitler, heil Hitler!... Heil Hitler, heil Hitler!

Em menos de vinte segundos escutou também em alemão:

- Heil, heil, heil!

Era o sinal. Do lado de lá tinham entendido direitinho. Então soltou o urubu que voou numa direção bem em frente a eles e contou os minutos. A tropa tirou lençóis imaculadamente brancos das mochilas, e cobriram-se a si mesmos e aos camelos que agora descansavam deitados sobre o gelo. Haviam desaparecido na paisagem. O soldado agora sabia que tinham chegado ao Ponto Certo e em breve saberia o que iriam resgatar. Só ainda não entendia a função do urubu que o comandante agora mesmo havia soltado. Durante toda a viagem lhe tinham dado ração de salsichas velhas, mas há dois dias que não lhe tinham dado nenhuma. O urubu estava magro.

O comandante disse: - Preparem-se! Em dez minutos atacamos!  O primeiro a chegar onde eu disser, ganha umas férias no Rio de Janeiro, tudo pago! Prêmios para os primeiros cinco a chegarem lá.



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No posto alemão, toda a tropa fazia fila para subir na torre, pegar os binóculos de Fritz Merkel e olhar para o deserto de neve. Todos riam e gargalhavam, esquecidos do almoço que ficara sobre as mesas do refeitório. Era um momento de relaxamento. Não era todo dia que tinham oportunidade para rir. O que viam era aquela paisagem estéril branca, tão branca, que até a noção de distância se perdia. Quando o ultimo acabou de olhar e desceu as escadas rindo, Fritz Merkel voltou a pegar nos seus binóculos, deu-lhes uma limpada com o cotovelo para não pegar conjuntivite e voltou a olhar em frente. Desta vez voltou a ver os camelos. Ia gritar quando ouviu uma algazarra lá em baixo, perto da messe. Voltou-se e viu os soldados espantando um urubu de cima da mesa onde tinham deixado a comida para ver a cáfila em pleno deserto de neve e gelo. Gritou lá de cima rindo a bandeiras despregadas:

- Cambada de idiotas... Hahahaha... E isso o que é? Uma coruja do Ártico camuflada?

- Atenção! Burros idiotas! Os camelos vão atacar...

Houve uma pequena discussão entre os soldados, o vigia Fritz Merkel, e o comandante querendo impor ordem que não durou mais do que um minuto. Mas já era tarde. As metralhadoras pipocavam vindas de fora do acampamento e um Messerchmidt alemão tomado pelas forças aliadas da Luftwaffe, agora a serviço dos aliados, aparecera de repente e bombardeava o acampamento alemão.

O Urubu escapou ileso, mas não conseguiu voar. Estava com a barriga cheia de salsichas enlatadas. Nem ligou muito quando ouviu o zunido das balas. Já estava habituado. Quem ganhou o prêmio para passar as férias no Rio de Janeiro, foi o soldado de primeiríssima classe, Cameron que aproveitou e devolveu o urubu à torcida do Flamengo logo que chegou de férias ao Rio de Janeiro. Os outros quatro que chegaram primeiro ao acampamento alemão, ganharam um curso para pilotagem de camelos na cidade de Ouagadougou que naquele tempo pertencia à Alemanha como capital do Alto Volta. Eles tinham aprendido alemão e fariam um serviço extra de espionagem.

O resgate era de títulos do tesouro alemão que valeriam muito no futuro, quando a Alemanha se associasse aos banqueiros.

Rui Rodrigues

Moral da história: Todo mundo é esperto, mas uns mais que os outros, ainda que pareçam bobos. O capital é amoral e só se exige moralidade da "tropa". 


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Ensaio sobre a cegueira - O cego que recuperou a visão



Ensaio sobre a cegueira - O cego que recuperou a visão
(Baseado numa história real)



Aos sete anos Paulo foi surpreendido por uma exclamação:

- Maria de Lurdes! Havia alguma coisa no correio? Estou esperando umas correspondências. (Era o pai dele indagando da mãe que tinha ido à caixa do correio Moravam num quarto andar e a caixa ficava no hall de entrada, do lado esquerdo antes das escadarias de pedra mármore).

- Não!... Nada no correio hoje!

Tanto o pai quanto Paulo tinham visto que Maria de Lurdes guardava algo no regaço, entre os fartos e lindos peitos.

- Queres me fazer uma surpresa, não é? Ora mostra lá o que escondeste no peito... Não adianta porque eu vi!
Paulo assistiu ao que parecia ser uma brincadeira, uma discussão sem maiores discussões, até o final, quando a carta que Maria de Lurdes relutantemente queria ser preservada, foi lida pelo pai em voz alta. Era a carta de um amante da mãe contando de sua saudade dos momentos em que tinham passado juntos, descrevendo o sexo que haviam mantido. Fora numa casa de veraneio que ambos mantinham numa praia situada a 40 km de sua casa na cidade. Paulo viu seu lar se desmoronar num repente. Nesse mesmo dia, pela noite, depois de uns telefonemas, seu pai, homem proeminente da administração pública, abandonou o lar. Paulo sentiu uns lapsos de visão que foram se agravando ao largo dos meses seguintes. Aos nove anos tinha perdido a visão por completo. Naquela década de final dos anos cinqüenta, o lugar mais famoso para operações que tentavam reabilitar a visão se processavam na Bélgica. Paulo foi lá por duas vezes, e voltou desenganado.

Paulo tinha muitos amigos da mesma idade. Alguns deles se dispunham a acompanhá-lo em seus passeios por pura amizade e compreensão do que era perder a visão. Aprendeu Braille numa escola adequada e recebia livros de porte avantajado escritos em Braille que consumia rapidamente. Seus amigos aprenderam como se guiava em casa, como percebia que havia gente na sala, ao seu redor na rua, e como entendia e percebia os cheiros, os sons. Suas narinas se haviam aperfeiçoado no faro, seus ouvidos eram quase capazes de ouvir ultra-sons. Seu tato se ampliara à percepção de curvas da pele, dos objetos. A bengala servia apenas para afastar de seu caminho quem estivesse na frente e se desviar de obstáculos como postes, ou descer ou subir meio fios e degraus. Fazia quase tudo sozinho, comia, bebia, servia-se de vasilhames para beber sem entornar no copo. Os dedos controlavam o recipiente, a dosagem, o nível do liquido dentro do copo.  
Evidentemente, nunca casou, embora não lhe faltassem mulheres. Inteligente, chegou a ter duas irmãs, depois de ter explicado aos pais delas qual era a situação: As duas gostavam dele, ele gostava das duas, e transavam juntos. Os três transavam juntos.
De vez em quando se lembrava da mãe que passou a morar num aparamento ao lado do seu, e jamais a perturbou por causa de seus companheiros. Maria de Lurdes tinha compulsão por sexo e casara muito nova, com dezesseis anos apenas. Para Maria de Lurdes, transar era uma questão diária de sobrevivência, mesmo agora com seus 63 anos. Não importava se o companheiro era um mecânico de automóveis, um funcionário público, um amigo juvenil do filho mesmo, daqueles mais velhos, mais espigados, mais experientes, mais soltos do controle dos pais. Maria de Lurdes era muito linda, dotada de um lindo corpo e suas roupas eram sensuais. Parecia-se com Greta Garbo.

Nunca soube como, mas um dia a visão voltou e já estava com 47 anos. Não era religioso não freqüentava igrejas, e tanto quanto sabia ninguém já rezava pelo retorno de sua visão. Os santos já não faziam milagres como antigamente, quando a crença era mais forte, e nos dias atuais, já não se fabricam santos, talvez porque o sofrimento dos santos se estendeu a tanta gente que já nem se reconhece o mérito do sofrimento para se ser santo e sair por aí fazendo milagres. Quando a visão voltou, não contou para ninguém. Nem para a mãe. O mundo que era quase perfeito, tirando o incidente entre a mãe e o pai, anos atrás, desmoronou. Chegou a achar que era melhor ter ficado sem visão.  O que viu foi um retorno do passado, fruto de circunstâncias. Aconteceu justamente aos 48 anos quando resolveu casar com uma das irmãs com quem dividia o leito dos prazeres e que julgava conhecer tão bem.

Paulo atualizava-se como podia, por comentários com os amigos, pelas notícias da TV, ouvia o que se passava pelo que diziam pelas ruas. Nunca vira a cena da garota fugindo nua, queimada por napalm, por uma estrada do Vietnam nem cenas da queda do muro de Berlim, nem como as pseudodemocracias socialistas comunistas tinham virado a casaca e todos haviam passado para o capitalismo, este cada vez mais feroz, fazendo tantos ou mais estragos dos que o comunismo havia feito. Não viu nada disso. Apenas imaginou, mas logo que recuperou a visão entrou na Internet e as imagens eram tal como havia imaginado. Mas não estava preparado para ver num site pornográfico as belas imagens de sua amada esposa, nua, transando com vários companheiros de estúdio: Era uma atriz pornô, de renomada fama no meio dos internautas. Uma fama adquirida ao longo de quase cinco anos. Pior ainda, seu empenho no set de filmagem era muito mais ativo do que agora demonstrava no leito nupcial. Lembrava-lhe quando começaram a namorar e dividia o leito com a irmã.
Quando comentou o assunto com dois ou três amigos de infância que haviam sobrado em sua vida, percebeu que não era um defeito de sua esposa. O mundo havia mudado muito e ele não percebera que tanto homens quanto mulheres sempre haviam sido assim

Percebeu e constatou, isso sim, que não era apenas ele que ficara cego por anos.

Rui Rodrigues


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Curiosidades sobre o planeta Terra



Curiosidades do Planeta Terra

Estamos sempre em comunhão ou em conflito com o que observamos à nossa volta, e de vez em quando nos surpreendemos em nossas observações. Cada um divide o que vê conforme a sua percepção. As melhores leem se nos livros das escolas. Esta divisão é apenas simplista. Poderíamos dividir o que observamos em:

  • Cosmos,
  • Céu,
  • Mar,
  • Paisagem
  • Obras,
  • Humanidade
  • Conhecimento.

É isto que vemos todos os dias com mais ou menos detalhes. O Cosmos só vemos à noite e mesmo assim se não estivermos numa grande Obra ou cidade muito iluminada; 

O céu é escuro durante a noite, mostrando o Cosmos, ou bem claro e transparente de dia, quando mostra o sol, mas de lá vem a chuva, raios e trovões; 




O mar nem todos o vemos, mas sabemos ser constituído de água, tem ondas, peixes e mariscos, grandes obras que navegam levando passageiros e carga e de vez em quando nos manda tsunamis que inundam cidades; 




A paisagem é tudo o que vemos vivo sobre um substrato inerte, aparentemente morto, como rochas, solos, pântanos, desertos de areia;






As obras são tudo o que a humanidade constrói, desde uma simples agulha a uma cidade enorme, inteira, com milhões de pessoas que nela vivem; 




A humanidade, uma multidão, é o conjunto dos seres vivos que povoam este planeta que faz parte do cosmos e que têm a particularidade de achar que, por pensarem, são feitos à semelhança de Deus, desprezando todos os outros seres vivos - que comem de diversas formas todos os dias - além de terem a característica de ora irem para um lado ora para o outro ao sabor de influências que nem questionam; 




O conhecimento, do qual fazem parte as ciências, é a nossa percepção e entendimento de tudo o que nos rodeia. Só o conhecimento não é material, e Cosmos, céu e mar parecem imutáveis. Todo o resto simplesmente é. 




Parece ser muito simples e resumido, mas complicado quando analisamos os detalhes, e alguns ficam tão longe que nem com luneta ou telescópios conseguimos enxergar bem e entender. Um dos mais interessantes e importantes tipos de obras que se conhecem são as escolas e as universidades. Nelas existem professores que nos ensinam o que já sabem a nós, ignorantes de tudo, que nos sentamos em bancos para aprender com eles.  Deveriam ser muito bem tratados, mas parece que a ignorância tem prazer em destruir o conhecimento. Sempre foi assim. Precisa mudar. A Ignorância não percebe que o conhecimento deve ser passado a todos para que se posa evoluir na esperança de aparecerem seres que percebam o que ainda se desconhece e nos ajudem com seu conhecimento a darmos mais um passo em nossa evolução.

Ainda nos dias de hoje tudo nos parece imutável, a não ser por um modelo novo de automóvel, de um ou outro aparelho eletrônico que nos desperta a necessidade de usá-lo, e temos a sensação de que todo o progresso e evolução que apreciamos é material. Quando olhamos a parcela da paisagem que parece não mudar e a que chamamos de natureza, é que percebemos como somos evoluídos, uma espécie diferenciada na natureza, incomparável em qualquer dos reinos em que ela se divide. Depois de “deus” somos nós os que reinam em todo o Universo. Quem não é religioso ou tem um deus diferente, pode pensar que esse ser, o Demiurgo, construíu algo tão grande que não pode cuidar de cada partícula, cada ser em simultâneo, e entregou essa tarefa às leis da natureza, à inteligência ou conhecimento puro, sem corpo alma ou espírito, e que evolui. Como se a inteligência fosse uma parte de Deus incorporada em cada ser vivo, transmitida através de uma molécula superinteligente chamada DNA, que apreende o conhecimento, evolui e reproduz descendência viva.
O que sempre intrigou a humanidade à qual pertencemos é a imutabilidade da paisagem salvo grandes catástrofes que a mudam por alguns curtos períodos, mas que passada a ação, tudo volta ao normal, tudo volta a ser como era, no que pese a perda de algumas obras e entes queridos ou conhecidos, e até uma pequena parte da paisagem se transforme: São as inundações, os terremotos, os tsunamis, os furacões. Não percebemos todas as demais transformações que ocorrem a diário no seio de famílias que se formam, que aumentam de número, que se desfazem, de gente que morre em pequenas e grandes guerras entre seres humanos menos inteligentes, porque estão longe da paisagem e das obras que observamos. O conhecimento nos deu a oportunidade de sabermos notícias sobre estes acontecimentos, mas podem ser distorcidas, contadas em parte, umas se contam outras se tentam esconder, como parte de um ramo do conhecimento a que chamamos de “política”.

O conhecimento tem um lugar certo onde se pode encontrar: o cérebro e o DNA. Antigamente, sem conhecimento, pensava-se que o conhecimento era o amor, os sentimentos, e estavam localizados no coração. Por isso ainda se diz que A ou B tem bom coração e C ou D têm mau coração. Pensava-se também que através da fala quando expressa o mal, este fosse proveniente dos pulmões e de nossas entranhas onde se localizam as fezes, e por isso se dizia que “fulano ou fulana tem maus bofes”. A ignorância é uma porta aberta para as idéias e políticas dos outros, os que, embora não tenham o conhecimento de tudo – e ninguém o tem – sabem o suficiente para se tornarem os senhores absolutos da sua fé. Fé política, fé religiosa. Uma volta ao redor da Terra e veremos desfilar crentes políticos de todos os tipos, crentes religiosos de todas as religiões e a impressão que fica é a de que todos temos razões para termos fé, mas ninguém para acreditar no que não se pode comprovar e tem tantas interpretações diferentes. Somos todos ignorantes e não podemos ter a pretensão de que estamos sempre do “lado certo”, da religião certa, do político certo, do deus certo.

Nunca se pensou na possibilidade de esta vida ser apenas uma passagem obrigatória, sem ganhadores nem perdedores e que nos encontraremos a todos – os bons e os maus – num só lugar para discutir a existência, assim como quem discute uma relação, porém de forma “civilizada”, amargando os erros e regozijando-se com os acertos como prêmio e castigo de uma existência? Teríamos a oportunidade de ver Jesus, Buda, Maomé, Zoroastro, Moisés, todos juntos numa mesa, discutindo civilizadamente os seus erros e acertos?
Esperamos notícias fidedignas do além, em carta impressa, assinada e com identificação de legitimidade, selo de procedência.

Aqui na Terra, Paz aos homens e mulheres de boa vontade, sem guerras entre si. Quem sabe alguma coisa nova, deve passar adiante. Quem não sabe, não deve discutir o que não sabe. Pode parecer ridículo, a menos que deixe claro que é sua forma de pensar e que não está afirmando nada.

Rui Rodrigues