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sexta-feira, 31 de maio de 2013

O Holojogo do Animauta.



O Holojogo do Animauta.

Não sabem o que é um Animauta... Claro... Não faz parte de nosso quotidiano. E também não sabem o que é um holojogo... Evidentemente, pela mesma razão, mas é apenas uma impressão. Ambos fazem parte de nosso quotidiano. O difícil de tudo isso é perceber onde estamos. O Animauta não se vê, já o holojogo, esse é jogado a cada segundo, centésimo de segundo, microssegundo... Mas vejamos o que são e como começou tudo isto.


Eram uns cérebros gordos, descomunais recobertos por uma película, uma membrana pegajosa cor de rosa. A caixa craniana há muito se fora, senão não poderiam ser paridos pelas mães. Cérebros tão grandes tinham que ficar apoiados numa plataforma fixa perto do corpo. Este já não era necessário em sua totalidade. Por exemplo, não tinham pernas, mas seus dedos eram mais finos e exímios, com braços fortes e curtos. O resto era abdômen. Há alguns milhares de anos já não eram muitos. Depois ficaram poucos e finalmente sobrou apenas um. Um apenas, num planeta que já fora imenso, ficou extremamente pequeno e finalmente voltara às origens: Era um vasto planeta para tão pouca gente. Ficara despovoado depois que a vontade de viver foi ficando comprometida pelo conforto de ter tudo o que era necessário sem ter que se mover muito, e pela frustração de não haver nada mais para descobrir. Todos os segredos do Universo já eram conhecidos. No banco de óvulos e de esperma havia espécimes de todo o tipo, mas nas ultimas centenas de anos ninguém se animara a forçar a reprodução para repovoar o planeta, agora um ambiente natural, povoado por uma fauna primitiva, diversa, em meio a luxuriante vegetação. Durante o crescimento populacional seus antecessores tinham extinguido toda a fauna e flora e tiveram que repovoar o planeta com espécimes originados de manipulação genética. Nenhum fruto era proibido. Havia rios, lagos, mares, atmosfera com aves nos céus. Era um paraíso. As velhas cidades estavam cobertas de vegetação, e do que fora outrora a última cidade, restava um imenso edifício, automatizado, suprido por energia eólica e solar. O único ser vivo, um cérebro imenso, locomovia-se em um veículo que percorria todos os andares do edifício. Trabalhava num projeto muito particular. O derradeiro projeto. O projeto dos projetos. Sabia que não teria ninguém para o aplaudir, mas isso não tinha a menor importância. O que o movia era o estudo da eternidade saudável, não aquela “eternidade” longeva que aborrecia os seres vivos e os fazia desejarem a morte, o esquecimento. Ele mesmo tinha já uma idade de quatro mil anos. Levou seu carrinho até um enorme salão cheio de aparatos eletrônicos e vários dispositivos de potentes raios laser. Dirigiu-se a um enorme telescópio eletrônico dotado de um dispositivo que o mantinha sempre fixado em um ponto do espaço. Era um planeta médio na escala dos planetas sólidos, perto de uma estrela.
Antes de iniciar o projeto, dar-lhe vida, colocá-lo para funcionar, olhou para o seu planeta. Precisava avaliar o que iria fazer embora tivesse tido muito tempo para isso, consciente de que sempre é necessária uma revisão global e minuciosa. Nada poderia dar errado. O planeta em questão, onde instalaria o seu projeto tinha sido uma massa ígnea até alguns poucos milhares de anos atrás. Agora os oceanos eram de hidrocarbonetos. A temperatura era elevada ainda, entre sessenta graus durante o dia e trinta graus à noite. A atmosfera era irrespirável, mas não para todos os seres vivos possíveis. Tinha duas opções: Ou realizava seu projeto numa fase adiantada, e para isso teria que esperar alguns milhões de anos, talvez bilhões, ou o realizava numa fase inicial, como quem faz uma estátua de barro e lhe dá vida depois. Resolveu que o barro não era adequado. A vida deveria brotar por si mesma, evoluir. Cada ser vivo sofreria a morte de uma forma natural, e seus corpos evoluiriam ao longo de gerações. Mas por onde começar? Resolveu que começaria do átomo, que evoluiria para um conjunto de átomos para constituírem moléculas, e destas moléculas uma delas adquiria a vida. Ela se reproduziria inicialmente por divisão de si mesma. Outras formas surgiriam, e delas algumas teriam a capacidade de cruzar com outros de sua espécie para gerar novos seres “vivos”.  

Chegou a pensar que, se tudo desse certo, iria ao centro de reprodução, manipularia óvulos e espermatozoides e voltaria a povoar o seu próprio planeta, porque haveria uma grande motivação para viver, como num jogo. Daria a esse jogo o nome de Holojogo, porque seria baseado em um sistema complexo de holografia. Mas pensando bem, para quê voltar a repovoar o seu planeta, se logo acabariam com a flora e a fauna, poluiriam rios, lagos e mares, e a própria atmosfera? Talvez o melhor fosse ter em seu próprio planeta os seres que iriam povoar o tal outro em que o telescópio se fixava. Ele assistiria a toda a evolução, como num jogo da vida. Para gerir o sistema, ele o automatizaria sem necessidade de auxiliares de sua própria espécie. Uma faísca pulsou em seu cérebro como uma tempestade com raios e trovões: Há muito não se falava em como eles próprios se tinham originado, os de sua espécie, e toda a vida naquele planeta. Os velhos livros falavam de deuses, depois de um só deus, e finalmente de vários deuses todos dizendo que o seu era o “original”. Mudavam-lhe o nome, mudavam-lhe os conceitos de suas características, e cada um via seu deus de sua forma de acordo com as suas necessidades de fazerem o que queriam e simultaneamente terem a aprovação de seus deuses para os seus atos. Era uma forma cômoda de viver, de acalmar a consciência para seus nefastos e desastrados atos. 

Passaram muitos anos até que se decidisse. Pensou de uma forma lógica a que estava habituado, sem paixões, fixando-se no que é absolutamente necessário: Sentir que se está vivo; ver que tudo evolui para ter uma motivação a continuar vivendo; ter esperanças de que o “mal”, tal como as doenças, possam ser neutralizadas; ter conhecimento paulatino do mundo que o rodeia na medida em que sua capacidade de entendê-lo também evolui para não sofrer choques culturais; sentidos e sentimentos, ou a falta deles. Tudo de uma forma aleatória porque todas as formas e estados de vida podem ser úteis no sentido de se adaptarem às alterações do ambiente em que vivem. E decidiu-se. Lá longe, no planeta que esfriava, perto da estrela, num mar de hidrocarbonetos, um raio laser provocou a divisão de um conjunto de moléculas, e cada um dos dois pedaços deu origem a mais dois, e logo, em poucos anos, o planeta estava povoado por moléculas que se dividam e dividiam até que uma delas “nasceu’ com uma diferença substancial: Era um ser realmente vivo, que se alimentava das outras moléculas e tinha a capacidade de se reproduzir a si mesma. Estas se dividiram em moléculas que se alimentavam do substrato do planeta transformando os hidrocarbonetos em moléculas de água que liberavam oxigênio, e outras se alimentavam destas. Os dois primeiros reinos da vida estavam formados. Através da holografia, seu planeta recebia as imagens desse outro distante. Era um prazer ver a evolução que nele tinha lugar, tudo sendo reproduzido em cada canto de seu planeta. Estava satisfeito. Sua vida agora tinha um sentido, uma diversão. Lamentava que umas células – agora já eram células – se alimentassem de outras frustrando-lhes e interrompendo-lhes a vida, mas isso era fundamental para manter a atividade do planeta, uma luta constante, descobertas constantes, manter os princípios que o levaram a implantar o seu projeto. Logo apareceram os primeiros seres vivos. E quando já seres vivos palmilhavam o planeta caminhando com seus próprios pés, olhando tudo ao redor, viu que sua obra era perfeita. Seu equipamento holográfico seria perene, num edifício auto-sustentável, num planeta absoluta e completamente natural, sem nenhum ser vivo que o conspurcasse. Na verdade, e sem falsa modéstia, julgava-se um pequeno deus. Os seres holográficos que povoavam agora o seu planeta, à mistura com outros, eram a cópia exata dos que povoavam a Terra, aquele planeta que tinha uma estrela a que dera o nome de Sol. Nenhum ser que nele vivia tinha controle estranho. Todos tinham o poder de agir como queriam dentro de suas possibilidades reais. Era o livre arbítrio. Quando ainda mais tarde viu que alguns seres humanos monstruosos, enormes, destoavam em tamanho e poder sobre os demais, pensou em eliminá-los usando seus raios laser, mas não foi necessário: Uma das catástrofes naturais se encarregou desse trabalho, um enorme meteoro que acabou com todos eles em função do inverno nuclear que adveio depois da queda do meteorito. Lembrava explosões nucleares como aquelas que seu próprio planeta sofrera quando havia ainda muitas raças, muitas religiões, muitas fronteiras e cada nação lutavam pela hegemonia de todo o planeta. Os bípedes, os homens e mulheres, à sua semelhança, surgiram logo depois de eliminados os enormes seres, os dinossauros.

Na verdade, criara um mundo tão independente e tão auto-suficiente, que nunca interferiu nele direta ou indiretamente. O interessante era ver como evoluía e como os seres vivos se adaptavam ao ambiente que sempre mudava. E de tudo tinha uma certeza: Como evitar pensar que lá longe, naquele planeta distante, não pensassem que havia um deus que tudo fazia? Mas não... O interessante não era fazer tudo, mas que do nada o tudo surgisse com a capacidade de evoluir, de se transformar senão não haveria o Holojogo e isto é o que mantinha vivo, apesar de só, com uma perspectiva de vida eterna. Como passar o tempo eterno senão assim?


(© by Rui Rodrigues)

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