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quinta-feira, 1 de maio de 2014

As minhas três mulheres

As minhas três mulheres

Sexta feira à noite no bar, já passando da meia-noite. O barulho agradável e acolhedor da vozearia dos clientes, do tilintar dos copos, do odor dos salgadinhos que passavam perto das mesas, os cartazes de filmes afixados nas paredes chamando a atenção, dando um toque especial ao ambiente. Prateleiras com garrafas antigas, copos antigos, e uma tela de TV enorme, das mais modernas, para os dias de jogos interessantes de futebol internacional. Jogos nacionais só na competição principal entre times de vários estados, conhecido como o Brasileirão.  Jogos entre times da cidade sempre acabam por provocar discussões, brigas... A TV fica desligada. Bem ao lado dela, o aviso!
Naquele dia de fim de primavera caia uma chuva fina, até agradável. As ruas molhadas dão uma impressão de lavadas. Em alguns lugares do centro da cidade, onde fica o bar, pensamos até estar em Montmartre na Paris dos anos 60, principalmente perto do museu de belas artes, do teatro Municipal, nas ruas da Lapa.



A bela mulher chamou a atenção dos freqüentadores do bar do chopp grátis que administro. De vez em quando até sou garçom, barman, caixa, cozinheiro. Depende de quem acho merecer minhas atenções, e fico em particular impressionado como nossos sentidos, todos eles reunidos, podem construir uma imagem, uma definição em tão breves instantes que duram muito menos do que um segundo. Um segundo no tempo que só percebemos quando todos os nossos sentidos estão atentos. Peça a alguém que não tenha praticado handebol, que conte três segundos o mais exatamente possível, e constatará, olhando o relógio, que todos erram para mais ou para menos dependendo de seu estado de ansiedade e atenção. Eles não sabem que para contar os três segundos basta dizer mentalmente e sem presa alguma, da forma mais natural: “Trinta e um, trinta e dois e trinta e três”... No entanto, somos capazes de perceber micronésimos de segundo ao olhar para uma mulher se lhe somos simpáticos, indiferentes, ou até, e de certa forma em maior ou menor grau, repulsivos. Quando ela entrou, percebi-lhe o olhar. Eu iría jurar que veio para me ver, já que não se deteve sobre os demais freqüentadores. Parecia um olhar com endereço certo, determinado, mesmo antes de entrar. Juraria que me procurava. Mentalmente, revendo meus arquivos, não encontrei algum indício de que a conhecera em algum outro lugar. Certamente me lembraria, mas é daquelas mulheres que depois do primeiro contato visual, passa a fazer parte dos “conhecidos” que polvilham nossa vida. Dirigi-me a ela e indiquei-lhe uma mesa perto da janela que sempre tenho reservada para casos especiais. Perguntei se estava sozinha, e deixei-lhe o cardápio com um sorriso que foi correspondido. Discretamente, afastei-me sem perder o contato. Quando ela levantou os olhos procurando-me, eu já estava a caminho. Pediu-me um chope, e um pratinho de mini-quibes [1]. Perguntei se queria molho de limão ou de pimenta. Preferiu o de limão. Escolheu bem. No bar esprememos o limão na hora. Depois me afastei e a admirei de longe.
Era uma mulher de pele morena de traços europeus, lábios ligeiramente grossos, sensuais, com mais ou menos um metro e setenta de altura, cabelos bastos penteados à moda afro. Um batom cor de rosa suave, os olhos límpidos, peito generoso que cabe na mão, cintura marcada, curvas perfeitas com pernas perfeitas, os pés com dedos bem torneados. O vestido era de flores, em tons violeta, de seda, brincos discretos, um colar que lembrava esmeraldas intercaladas com lápis-lazúli, e seu andar era firme, equilibrado, discreto sem chamar a atenção. Os sapatos, fechados, eram azul noite. Perfume Chanel numero cinco, que jamais sai de moda. Uma deusa! E a voz, clara, dicção sem vícios ou trejeitos. Mas era o olhar que me matava. Os olhos eram verdes!


A primeira fase da atração tinha me vencido. Aquela era a mulher que eu via, que eu sentia, minha cabeça se perdia em devaneios acompanhado de sua imagem. Era isso. A primeira das mulheres que vemos numa mulher, é sempre a imagem que construímos com nossos sentidos mais urgentes e imediatos. A imagem gera atração, desejo, aproximação. E neste devaneio, nossos olhares se cruzaram uma, duas vezes. Então me aproximei. Perguntei-lhe se o chope estava como desejava e se os quibes estavam a contento. Ela elogiou os quibes e o molho de limão. Pediu mais um chope e perguntou se lhe poderia dar a receita. Foi então que notei a sua pele. Era sedosa salpicada de discretos pelinhos cor de ouro, sem mácula. Não tinha mais que trinta anos. Talvez uns 27. Um universo com mãos do tipo que afagam mais do que trabalham no pesado! E não... Não era prostituta certamente. Perguntei se podia fazer-lhe companhia. Fez-me sinal para me sentar, e lhe expliquei como fazia os quibes. Foi então que surgiu, despontou, desabrochou a segunda mulher que habitava nela, um pouco ansiosa, como criança que se depara com um prato desprotegido de “brigadeiros”. Era casada há já alguns anos, uma meia dúzia. Seu marido estava viajando e ficaria fora por uma semana. Só voltaria na próxima segunda feira. Ela o amava e respeitava muito e sua relação não era aberta. Acreditava que seu marido não a traía, ou se o fazia era de tal modo discreto que não se percebia. Não queria em hipótese alguma terminar a relação. Pelo contrário, pretendia fortalecê-la, mas, como ela mesma explicou, precisava urgentemente de uma relação temporária diferente. Algo como uma aventura quente, sem compromisso, onde pudesse dar vazão a todas as suas fantasias.
Se a primeira mulher que conhecemos pela imagem de nossos sentidos nos desperta emoções, a segunda mulher que descobrimos por debaixo da capa da primeira, é sempre mais excitante se corresponde ao “sonho sensual” a que nos dedicamos a partir da primeira sensação. É como mel no pão, queijo com goiabada, torradas barradas com manteiga e café com leite. Só falta comer.


Fomos para minha casa. Convidei-a para tomar “qualquer coisa”, mas nada se preparou porque nos beijamos. E beijamos, mãos ávidas percorrendo os corpos. Levantei-lhe a saia levemente e senti-lhe a pele morna das coxas enquanto ela me despia a camisa. Convidou-me para tomar uma ducha, uma ducha também morna, a água escorrendo pelos olhos que tinha que manter fechados quando lhe tentava olhar o rosto em êxtase, abertos quando lhe olhava o corpo esbelto, sensual, firme, sem pêlos púbios. Meus 37 anos se abaixaram para beijar aquele monumento, meus dedos acariciaram-na, minha língua lhe deu o prazer entre suas pernas trêmulas. Não há quem dê sem esperar receber, e sua boca foi mais do que generosa, sua garganta em ânsias, espasmos, sua língua percorrendo tudo o que mais desejava dentro de si. Assim passamos o resto da noite até o sol nascer, alternando posições, penetrações, num corpo que já não tinha segredos. Um corpo desvendado e gozado em toda a sua amplitude, o meu oferecendo-lhe o mesmo gozo.


Acordei pelo meio dia sem conhecer a terceira mulher que existia dentro da segunda, esta coberta pela capa da primeira. Encontramo-nos mais uma vez, nessa mesma noite. Larguei o trabalho quando eram apenas oito da noite. Recebi-a em casa com um bom vinho, um jantar simples, mas preparado com todo o cuidado e o melhor do meu bom gosto. Nada para impressionar, apenas para saborear, dar prazer. Então, logo na primeira vez que nos amamos, ela me disse para ficar quieto com o membro dentro dela. E começou a apertá-lo em suaves contrações. Quem estaria disposto a abandonar uma mulher daquelas? Como seria possível que o amor, o desejo acabassem algum dia? E como me poderia abandonar, se lhe dava o que queria, o que desejava? Mas quando acordei pelas dez da manhã, ela não estava no meu apartamento. Deixou um bilhete: “Te agradeço todo o prazer que me deste. Gostei tanto que temo, que com mais outro encontro largaria tudo para trás e só pensaria em ti, mas a vida é complicada. Assim, mesmo sofrendo pela ausência futura, sinto que não posso mais te ver. Beijos e desejos eternos da eternamente tua”. E assinou com um “Eu”.


Nunca soube seu nome, onde vivia, onde morava, quem era o marido.  Um dia, cerca de dois anos depois, olhando os jornais, vi sua foto e li a notícia de que se tinham separado. Só então fiquei sabendo quem era. Tarde demais. A terceira mulher era simplesmente uma mulher com alma, como qualquer mulher ou homem, buscando a felicidade do momento. Então me lembrei de um dito feminista, que dizia para o marido “muito ocupado”: “aqui em casa só há uma regra: Transa-se todos os dias, a qualquer hora, seja com quem for”.

O terceiro homem que existia em mim, por aquela época – afinal todos somos iguais nisso, homens e mulheres – não estava disposto a dividir a terceira mulher que nela existia, e isso era pedir-lhe demais. Esperei, no entanto, que ela aparecesse lá pelo bar algum dia... Mas o tempo a engoliu por completo e me engoliu a sua lembrança. Não a perdi para o tempo, mas para a vida. Lembrei-me dela hoje, por essas coisas da vida que de repente se abrem em nossa caixa de pandora, o cérebro, a imaginação... Jamais um inventário. Nunca fui colecionador. Homens e mulheres devem ser "descascados" camada por camada, até que apareçam, despontem, todos os "perfis" de cada um. E ou aceitamos ou rejeitamos, a qualquer momento, por boas ou deficientes razões. Mas, se forçamos a convivência, seja por que motivo for, mesmo não querendo aceitar algum desses perfis, melhor procurar na Zona a aceitação geral e irrestrita sem questionamentos. Basta pagar uns trocados que não fedem nem cheiram. Proibir o meretrício é solapar a individualidade de cada um, a liberdade de se ser o que se quer ser de forma remunerada ou por simples prazer. 

Do mais fundo de minhas boas lembranças, as moças das fotos são apenas semelhanças. Jamais publicaria a foto verdadeira. 
® Rui Rodrigues
    
   







[1] Receita de mini quibes: Rende: 50  mini quibes, aproximadamente

Ingredientes

1/2 kg de trigo para quibe, 750 ml de água, 1/2 kg de carne moída, 3 dentes de alho picados, 1 colher (sopa) de hortelã picada, Sal a gosto, Óleo para fritar

Modo de preparo

Preparo: 20 mins  ›  Tempo adicional: 1hora de molho  ›  Pronto em: 1hora20mins 

1.                      Deixe o trigo de molho na água por cerca de 1 hora, ou até que tenha absorvido toda a água.
2.                      Doure a carne moída com o alho e o sal numa frigideira. Junte com o trigo e adicione a hortelã e mais sal, se desejado.
3.                      Enrole quibes pequenos e frite numa panela com óleo bem quente. Sirva a seguir.

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