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terça-feira, 5 de abril de 2016

O Canguru do Alquimista

A foto é do monólito de Uluru, que parece enorme monstro petrificado.

Em 1522 Cristóvão de Mendonça descobriu a misteriosa ilha do Sul, que atualmente de conhece como o continente da Austrália,saindo de Malaca com uma frota de 4 embarcações para procurar a "ilha do ouro". Em 1525 a coroa portuguesa mandou confirmar e enviou outro navegador. Desta vez, Gomes de Sequeira. Era mesmo um continente, cheio de enormes coelhos saltadores a que se chamou de Cangurus. Sempre misteriosos e calados, e sem gente para mandar colonizar, viram passar-se quase dois séculos até que em 1770 o capitão James Cook a redescobrisse e reclamasse para a coroa britânica. Antes dos ingleses, mas depois dos portugueses, também passaram por lá os holandeses em 1606, sob o comando de um tal Willem Janszoon . Para os portugueses foram-se a ilha e os cangurus, mas ficaram os dedos para navegar. Mas então porque razão não ocuparam a ilha com pelo menos um padrão de pedra entalhada para atestar a posse da terra? Foi isso que um cara de porre, os olhos vesgos, um bafo daqueles de espantar dragão, e falando um português horrível, nos contou aqui no Bar do Chopp Grátis. Era conhecido como Abrantes, beberrão contumaz... Contou ele:

- Fiquei sabendo que na frota do Cristóvão de Mendonça em 1522, mesmo ano do fim da viagem de circunavegação de Fernão de Magalhães, viajou um certo Malaquias "tintureiro". Ele era alquimista do rei. Cristóvão ia em busca da "Ilha do ouro", que Marco Polo dizia existir a sul de Java.
- E havia muito ouro, ó Abrantes? (perguntou um cliente da mesa ao lado)
- Nunca se soube. O Malaquias tintureiro era alquimista, e se encontrou ouro não disse para ninguém. Era uma frota de reconhecimento, para fazer cartografia. Mas Malaquias contou a sua história.

       
- Foi descoberto um livro português de orações (ver nota 1) do século XVI, que começou em 1501 e terminou em 1600, e que tem um canguru desenhado. Ora, cangurus só existem na Australia. Quem escrevia estes livros eram frades e freiras "copistas". Eles também gostavam de ouro, e a bordo de cada nau ia sempre um padre para confortar a tripulação...
- Mas havia muito ouro ó Abrantes? (repetiu o mesmo cliente, ávido pela resposta)
- Já vou chegar lá...Já vou chegar lá...(e continuou a narrativa entre um gole e outro)
- Onde que eu estava? Há...Já sei...Lembrei...Ia sempre um sacerdote para confortar a tripulação... Acontece que um desses sacerdotes era exatamente o tal do Malaquias, que era o tintureiro do rei, também um alquimista. Ninguém melhor que um alquimista para encontrar ouro, mas o homem era tintureiro e sacerdote ao mesmo tempo, o que complicava as coisas. Por um lado era fiel ao rei, por outro à igreja, e tinha  seus brios próprios como tintureiro. 
- E então? havia muito ouro por lá, ó Abrantes? (insistiu o cliente da outra mesa. )
- Olha!...Não sei onde  estou que não te enfio a mão... Mas tu me atazanas as idéias... Tu és um apressado irritante... Pára com isso e escuta, diabo!!!! Se me interrompes mais uma vez te garanto que vais ficar surdo das duas orelhas!... Toma... (e empurrou-lhe o seu copo de Whisky)... Toma uns goles e cala-te se me fazes o favor... Garçom... Traze-me mais uma dose pra mim... (o cliente da mesa ao lado, pegou o copo e deu um trago encolhendo os ombros e apoiando a cabeça sobre a mão, apoiando o braço na mesa pelo cotovelo).


Onde que eu estava? Há... Já sei... Lembrei... O tintureiro tinha seus brios próprios... Pediu ao comandante para desembarcar e partir numa expedição ao centro da ilha. Foi quando descobriu os cangurus, os aborígenes e uma pedra enorme chamada Uluru. Primeiro descobriram os cangurus pensando que fossem coelhos enormes, mas bastante valentes que chutavam com os dois pés ao mesmo tempo. Acharam a carne comestível não muito diferente da carne de coelho. Depois de entrarem em contato com os aborígenes se desencantaram porque usavam adereços de conchas e coral em vez de ouro. E finalmente quando começaram as discussões inevitáveis, os aborígenes apontaram para o Uluru e deram-lhes a entender que se não ficassem calmos ou despertariam o monstro do Uluru ou os transformariam na montanha como mais umas pedras vermelhas. Os aborígenes eram muitos e eles apenas meia-duzia. Fugiram!


- Então não tinha ouro por lá ó Abrantes...(interrompeu novamente o mesmo cliente da mesa ao lado)
- Ali não tinha, ó matusquela...(disse o Abrantes virando-se para a mesa ao lado)... Mas tinha noutro lugar. Andaram garimpando num rio que encontraram pelo caminho mas foram tão poucas as pepitas, que guardou no bolso.
- E a tal expedição de 1525? (perguntou um outro cliente do Bar)
- Não se sabe muito... Descobriu as ilhas carolinas e suspeita-se que tenha passado pela Australia. Mas o que sei é sobre o livro de orações. Pertenceu a uma senhora chamada Catarina de Carvalho, esposa de Felício Rodrigues, mãe de um frade chamado S. Paulo de Brito, que nada mais era do que o Malaquias Tintureiro, o alquimista do Rei, tao importante que se tornou provedor do Hospital das Caldas... Eles trocavam o nome quando se ordenavam. 
- E o ouro? As pepitas eram muito grandes? (alguém perguntou)
- Quem me contou não estava muito certo do nome Malaquias. Podia ser outro nome, de resto tudo que contei é verdadeiro.   
              
 Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, nas Caldas da Rainha.
  
- Só tenho algo a acrescentar. o Tal Malaquias, alquimista, tintureiro, frade e provedor do Hospital, era rico por parte de pai e mãe, por ser alquimista, por ser tintureiro, por ser frade, e certamente ainda ficou mais rico por vir a ser provedor do Hospital.  


Rui Rodrigues  

Nota 1-  Ver em https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/um-canguru-pode-provar-que-foram-os-portugueses-a-descobrir-a-australia-1619895 

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