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quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Ônibus: Dois minutos e uma eternidade



Resultado de imagem para mulheres mostrando pernas em onibus

A Imaginação não se submete a leis da física. não tem dimensões nem tempo. Dentro de minha capanga um livro que reservei para ler em casa: "Toda Luz que não podemos ver" de Anthony Doerr, sobre uma invisual, o seu pai e um alemão tarado por rádios durante a invasão da França. Deixei-o onde estava. Se me entendiasse na viagem leria um pouco. No assento na diagonal, uma fila na frente do meu, um casal cada um teclando em seu celular. Ela vestia um short muito curto, era linda e tinha umas pernas maravilhosas. Tocaram-se apenas uma vez durante toda a viagem, quando ele lhe deu a mão e a pousou sobre as pernas da moça. Achei que aquelas pernas mereciam mais dedicação e carinho, mas foi apenas um pensamento rápido. Provavelmente casariam, teriam filhos e seriam felizes durante algum tempo. Pensei nas mulheres que cruzaram minha vida e no significado que a vida tem. O resto do ônibus eram cabeças, um ou outro ombro que via pelas espaldas. Tentei lembrar-me de outras viagens, mas apenas conseguia lembrar de trechos do percurso, e tal como na vida só nos lembramos do que realmente é ou foi importante. De que se lembrarão os casais modernos se passam a vida lado a lado teclando em celulares? Mas isso não tem que ser necessariamente importante nem lembrado... Compraria um pacote de biscoitos logo que o ônibus parasse na rodoviária onde eu faria baldeação. Fome e vontade de urinar começando a me incomodar. Para venderem mais dois assentos de viagem, as companhias acabaram com os banheiros a bordo. Economizam na limpeza apenas, porque os ônibus viajam a 80% da capacidade no máximo, na média muito menos que isso. Tive certeza que se fizessem as contas compensaria ter banheiro a bordo, mas logo vi que me esquecera de uma coisa: Aquela companhia era a unica que ligava dois pontos, aquele de onde eu viera, e o outro para baldeação. Não tinha que agradar a ninguém porque não tinha concorrência. O casal não se detivera nem para olhar a paisagem daquele jeito de apreciar e não de simplesmente conferir onde ainda estavam, o progresso da viagem. Não os vi virarem a cabeça uma vez sequer, nem viram um cachorro parado na beira da estrada olhando o trafego, uma pomba passar apressada fugindo de um telhado, um cavalo pastar junto a uma cerca, um rapaz de bicicleta com uma camisa do Barcelona, uma menina de mãos dadas com a avó preparando-se para atravessarem a estrada, três amigos a uma mesa de bar tomando cerveja
àquela hora da manhã... E o que perderam ou ganharam, se nada se leva deste mundo nem a memória? Acabam sendo irrelevantes as transas de amor a que se entregaram no leito por falha total da memoria antes mesmo de falecerem... Naquele ônibus, viajando a uma velocidade tão irrelevante à qual nem teria que somar a da Terra em sua orbita ao redor do Sol, da ordem de milhares de quilômetros por hora, e da qual nem nos damos conta, pareceu-me que não haveria diferença prática entre o tempo zero (ausência de tempo) e o tempo eterno. Esta afirmativa sobre o tempo, pensei, deveria merecer um prêmio Nobel, mas com a minha idade já se pode contrariar o Fernando Pessoa, de vez em quando, sobre o que vale ou não a pena, em função do tamanho da alma. Talvez seja mais uma questão de densidade da alma... Como se pode educar uma criança sem largar os olhos do celular, sem parar de teclar, sem ver a paisagem à sua volta, louca para chegar a meia noite para entregar o filho para a avó e ir para a balada dar uma tragadinha e tomar umas cervas? Não. Definitivamente não!Como poderia eu fazer um juízo desses, se nem os rostos lhes tinha visto direito? 


Foi quando vi o mar novamente que me veio à cabeça a possibilidade de chuva e de inundações, um dilúvio... Onde haveria tanta água neste planeta para cobrir as montanhas com mais de mil metros de altura? Viram conchas nas montanhas e pensaram que já tinha tido 40 noites e 40 dias de água e que nesse período haviam proliferado as conchas, porque lhes pareceu que as montanhas não se elevavam... Como se encandeavam os nada freudianos pensamentos, numa viagem de ônibus, sem nada para fazer exceto esperar que o motorista levasse o monstro de rodas até seu destino. Disseram para não cobiçar a mulher do próximo, e ela ali tão próxima, com pernas tão belas! Precisa-se de muito treino para admirar a mulher do próximo sem cobiça-la, ainda mais quando há um muro moral que construí tijolo por tijolo, um fosso cheio de idades anuais já comemoradas, e um acompanhante com um celular na mão.Feita a baldeação, e quando ia saltar no ponto do ônibus onde fica o supermercado, vi o casal no mesmo em que eu agora viajava. Deviam ter uns 30 anos ele e ela 25. Linda! Agora estavam sem celular, não fossem ser assaltados. Desci no ponto. Nunca se desce em vírgulas. Somente em pontos que até podem ser de exclamação ou interrogação, ou reticentes reticências, mas jamais numa vírgula. Neste Natal os papais Noel e as mamães Noel podiam vestir-se de azul, branco, amarelo ou verde... Além de muito sensual-banal, o vermelho já cansa... Sempre a mesma coisa, mas cada vez mais caro... E bem... Quem vê belas pernas não vê corações que podem ser puros ou não, mas corações só se mostram quando a relação vai muito bem  ou muito mal. No trivial é feijão com arroz, nem se pode ler nas entranhas como faziam os druidas. Teria que ver que sites frequenta, que coisas publica publicamente e a que programas assiste na privacidade, longe até do acompanhante... Mas o Google tem que saber! 

Rui Rodrigues

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