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quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Os decapitados das vésperas.

Nota da redação: Vivemos uma época de vésperas de olimpíadas, misturadas com vésperas de mais um impeachment em nossa história, tudo misturado com muitos problemas nacionais e internacionais. Naturalmente que num Bar sempre é possível terem-se visões coletivas...    


1- Uma Baleia invade a Presidente Vargas avança o sinal e pára depois da Candelária.


Nestes dias de Inverno no Rio de Janeiro, quando sopra aquele vento frio polar vindo de sudoeste, como se fosse impulsionado por turbinas, é como se o Polo Sul derretesse por inteiro e nos cercasse de icebergs... Para o frio, o carioca se exagera! Naquela terça-feira tiraram os casacos dos armários, vestiram calças, e saíram para se divertir. No Largo S. Francisco, a Igreja de mesmo nome começou a bater sinos lá pelas nove horas da noite. Alguns vieram para o Bar do Chopp Grátis, aqui no centro da cidade, bem perto do Largo. Um pouco mais tarde, a Igreja da Candelária repicou também os sinos como se fosse uma "Aleluia". Pela noite a temperatura era de 19 graus acima de zero, um calor dos diabos para qualquer europeu acima do Trópico de Câncer ou de australianos, sul-africanos, brasileiros, argentinos e namibianos que vivam abaixo do Trópico de Capricórnio. Para os habituados ao Brasil, Rio de Janeiro, 19 graus dos centígrados, são uma escassez de calor de tiritar de frio e buscar a companhia de um corpo para se agarrar e dividir o tormento aprochegante do frio. Peixes adoram águas frias, porque seu sangue é frio. Gente adora o tempo frio porque seu sangue é quente.   

Lá pelas onze da noite, o mar ficou primeiro encapelado, depois agitado, e vieram as noticias pelo rádio, pelos canais de TV, pelo boca-a-boca das pessoas: O metrô fechara, os transportes públicos em geral estavam paralisados, a energia elétrica fora cortada, uma enorme ressaca atingira a Baía de Guanabara. Ali no Bar percebemos isso quando uma enorme baleia preta-acinzentada deslizou pelo asfalto da Avenida Presidente Vargas, arrastando carros e pessoas, passou zunindo pela Candelária e ficou paralisada, encalhada ali pela entrada da Uruguaiana. Paralisada não. O rabinho ainda se mexia de vez em quando como se respirasse, mas nenhum jato lhe saia do opérculo em cima da cabeça. Estava tecnicamente morta!... Mas convenhamos que fez um enorme estardalhaço em sua última viagem. Soubemos que havia afundado um submarino em construção que se alagou por ter as escotilhas abertas, duas chatas coletoras de lixo da baía haviam naufragado, e que uma barca do trajeto Rio-Nichteróy estava a caminho do porto de Santos empurrada pela rebordosa da maré.
  

Após uma breve pausa de uns 30 segundos no fornecimento de energia,nosso gerador entrara automaticamente em operação. Ainda se via nas telas das TVs uma baleia negra abanando o rabo de vez em quando, mas ali, perto dela, o cheiro a peixe era algo de fantástico. O ambiente estava impregnado de "Aminas", principalmente de trimetilamina e piridina, as responsáveis  químicas pelos odores característicos de peixe podre. No Bar, o pessoal aproveitou para pedir mais uns tragos, a noite iria estender-se pela madrugada, havia boa desculpa para chegar tarde em casa ou nem chegar. Entre uma conversa e outra, os fregueses iam assistindo aos acontecimentos como se estivessem no local, informados pelas imagens e reportagens da TV. O restante da ciclovia ali pelos lados da Avenida Niemeyer deixara de existir. Agora eram um amontoado emaranhado de concreto britado, cabos e vigas de aço retorcidas, e não deu pra ver o sangue de gente morta porque a água das ondas lavou em seguida, arrastando os corpos mar adentro.     

2- Que cenário é esse?

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Não fora bastante uma baleia invadir as pistas da Avenida Presidente Vargas, voltou a cair a energia, desta vez por falta de combustível em nosso gerador. Avisamos a freguesia e reabastecemos. Em cinco minutos a energia e a luz voltaram. Os fregueses bateram palmas como numa aterrissagem de avião de carreira e pediram mais uma rodada, mas de repente pararam. Fez-se um silêncio sepulcral... Numa das paredes do Bar, onde antes existiam prateleiras com garrafas de bebidas importadas, agora existia um palco com três personagens: Um frango em tamanho natural, branco, que viveu 180 dias sem cabeça (Nota 1); Jonas, um israelita que viveu no estômago de um grande peixe por três dias e três noites. Diziam que era um profeta. (Nota 2); e Robespierre, um francês que foi guilhotinado por ser honesto demais. (Nota 3.)

 O curioso que todos tinham o mesmo tamanho: O frango Mike, Jonas e Robespierre. O fundo musical era tocado por orquestra posicionada no fundo do palco em nível um pouco acima dele, composta por polvos, lulas, chocos, lavagantes, king crabs, santolas, enguias, dirigidos por um pinguim-de-Adélia. Porque teriam aparecido ali? O que tinham em comum? Robespierre e o frango tinham perdido a cabeça... Jonas tinha sido engolido por uma baleia fugindo dos Assírios para não perder a cabeça. Ele tinha que pregar em Nínive para destruí-la, e Robespierre pregou muito a revolução francesa, sendo morto por ela mesma sem ser julgado sequer... O frango, apelidado de Mike, coitado, desde que lhe arrancaram a cabeça para morrer, nunca mais disse nada. Viveu sem saber o que fazer nem para onde ir, apenas ficava em pé. Um fenômeno parecido com o de Jonas que morreu no mar, foi  engolido pelo peixe, ressuscitou, foi vomitado e ainda viveu muitos anos. Os assírios costumavam cortar as cabeças dos inimigos. E Jonas... O que teria acontecido com ele? Como morreu definitivamente? Mas não conseguimos falar com ele, nem com o frango Mike nem com o Robespierre, porque faltou energia novamente enquanto dançavam um funk, e quando a energia voltou nem a emissora de TV noticiava o deslizamento da baleia enorme pela avenida Presidente Vargas. 


Todos os nossos clientes viram e confirmaram que viram, mas ninguém entendeu o significado dessa visão tão real, ou dessa realidade tão visionária que ninguém mais viu. Diz-se por aí que foram uns alienígenas os responsáveis pelas visões, outros ainda dizem que foi a direção do Bar que plantou as imagens como forma de propaganda e diversão...Eu nunca neguei nada, porque clientes sempre têm razão, por mais loucos que sejam ou pareçam ser, mas garanto entre nós que coisa assim sem pés nem rabo nem cabeça, jamais me ocorreria programar. Não se pode perder a cabeça nem por religião, nem por politica, nem por fome de frangos.   

        

® Rui Rodrigues 
Nota 1- Ver em http://segredosdomundo.r7.com/mike-o-frango-sem-cabeca-que-viveu-18-meses-decapitado/   
Nota 2- Ver em
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jonas          
Nota 3- Ver em
https://pt.wikipedia.org/wiki/Maximilien_de_Robespierre 

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