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terça-feira, 9 de agosto de 2016

Chuvas secas (dos contos de Amuleto)

Desiludido dos prognósticos das meninas do tempo, em busca de noticias que confirmem chuva, prescruto os céus e os vejo cheios de indícios. São as núvens, os tons de cinza de arrepiar, as poucas nesgas azuis, as umidades dos ares, as gaivotas voando sobre a terra seca, as aranhas recolhendo-se a lugar seguro fora das teias. Mas nada. Espera-se, e nem metade de nada. Nem a milésima parte do nada. A terra continua sedenta e a única umidade que cai nela lhe chega do suor do trabalho dos escravos dos impostos, da urina dos indecentes e dos necessitados de rua, do sangue de todos os que caem com os corpos furados sem modo de costurar, e de esgotos a céu aberto.

Nem a água que cai dos céus é pura como antes. Sem classe média, o mundo será uma classe de pobres rindo dos miseráveis. Os imobilizados que me perdoem o texto, mas os direitos impõem-nos ações de reparo que não nos parecem direitas. Temo que quando cheguem a cair, as gotas caiam secas! Sinto-me em traje de banho nas dunas do deserto do Saara, de caniço e samburá em leito de rio seco coberto de pedras ásperas.
Perguntei a minha mãe: - Cadê a chuva, mãe, que não nos chega?
E ela, meiga e pura, chorou!... Eu. idiota, em minha inocência, ri! Estava chovendo!
Depois fui consultar minha consciência e só então reparei: Nunca tive mãe depois da nascença. E passei por mentiroso perante mim mesmo. Como se me ocorrera invocar um diálogo com minha mãe com quem nunca convivi? Teme-se que, se chover, tudo rache ao redor, mas não há gente suficiente para fazer uma roda da chuva!
E lá fui pelo deserto cheio de areias com minhas galochas da , procurar a umidade da chuva, que ainda seria tanta a ponto de nelas encalhar baleia. A remove montanhas e pode trazer baleias para o deserto. Um deserto de areias molhadas com ondas de baleias.

® Rui Rodrigues
(Dos contos de Amuleto, ainda a serem escritos)

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