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sexta-feira, 3 de julho de 2015

A Maria Farinha e o Siri numa fábula de Ensopa.




1. Câmara “um” focada na cidade. A cidade não tem focas, o esclarecimento é para quem precisa nesta Pátria Educadora. “Brasil... Aqui não precisa de educação”. Porquê? Porque “Brasil... Aqui tem educação”, já tem!... (Repórter reporta numa reportagem com sua voz grávida de homem grávido).

“Carros, ambulâncias, ônibus e carros “patrulha” da polícia, todos com buzinas e sirenes; prédios, e pessoas enchendo ruas e praças; sinais de trânsito, vitrines e shoppings nos obrigando a parar e olhar; aviões, avionetas, helicópteros e asas delta no obrigando a levantar a cabeça para ver se estão caindo; ouvidos enormes, olhos esbugalhados e pernas para fugirem de balas perdidas; serviços básicos muito caros, impostos caríssimos, inflação altíssima, remédios pela hora da morte, gente morrendo em fila do SUS, casas do “minha casa minha vida” se transformando em “minha casa meu negócio”, morros pacificados são comunidades não pacificadas, as drogas são negócio, o craque é de crack e o crack é de craques. Na propaganda as granas destinadas são trilhonárias, mas não chegam nem milionárias aos seus destinos. O que é não parece, o que parece não é, o que será que será que não parece e é, que parece e não é, será sexo ou será política?”

2. Câmara “dois”, focada numa arrebentação de ondas na Praia do Pontal do Peró, onde conversam discreta, pacífica e tranqüilamente um siri e uma Maria Farinha (MF), ao nascer do sol. (Repórter reporta numa reportagem com sua voz grávida de homem grávido dizendo: Olha gente, que coisa mais linda e sensível que escutamos na tranqüilidade da praia do Peró).  


MF – Que belo amanhecer, siri... Que mundo é este de praia tão lindo... Se tivesse mais comida até que poderíamos ser em maior número, mas somos muito poucas e temos que nos esconder em buracos...
Siri – É linda a praia e belo o amanhecer... Que a paz reine entre nós... Só somos mais porque nos comem mais do que a vocês! Não temos como fazer buracos, o que podemos fazer é espadanar umas areias em cima de nós para nos camuflarmos. Este mundo é muito pequeno!
- Engano seu, siri... Daqui posso ver o mar e é enorme. Onde vivo é só uma faixa de terra imprensada entre o mar e “eles”, os humanos.
- Vocês vêem muito MF, mas sabem pouco da nossa vida. Não podemos penetrar muito longe no mar. Só perto das ondas. Nossa “praia” é menor que a vossa.
-Pode ser, siri. Nunca vamos para o mar, não sabemos o que tem por aí. Você sabe?
- Mais ou menos. Eles vêm para cá quase nus, trepam dentro d’água e jogam camisinhas no mar, uns plásticos que engasgam até tartarugas e pingüins.
- Aqui na areia, siri, fazem o mesmo. Já assisti a muitas cenas de sexo. Vi tudo, porque eles têm tanta pressa que nem vêem o que tem por baixo. Fazem sexo até por cima dos buracos de nossas tocas. Assim na lata. E alguns ainda se injetam com substâncias que nos deixam em transe.
- Como em transe, Maria Farinha?
- Um dia destes, uma seringa ficou vazando e experimentamos o sabor daquele líquido. Ficamos em transe, sem comer durante três dias, vendo coisas que não entendemos bem, nem reconhecemos, mas tão cheias de “nada” que foi o nada que nos emocionou mais. O nada deve ser como a morte: Uma tranqüilidade sem nada que perturbe. Aquilo é uma droga...
- Então droga é bom, Maria?
- Pra nós não foi, mas para eles que não entendem nada, o que é bom é ruim e o que é ruim é bom. Se todo mundo sobe, acham que é ruim e passam a descer. Se todo mundo desce, eles passam a subir. Eles contestam muito porque precisam lutar contra alguma coisa nem que sejam fantasmas. São muito complicados. Vai tudo bem? Eles mudam tudo para começar a ir mal, depois se arrependem e querem mudar novamente, mas tem sempre alguém que inventa algo novo para mudar novamente noutra direção.
- Já sei... Li num jornal velho que deu à praia, batido pelas ondas... As barricadas de Paris, pedindo liberdade, fraternidade e igualdade. Nós somos iguais, Maria Farinha? Acho que somos parecidos, mas iguais não somos... Somos?
- Se é por comermos carniça, somos todos iguais, menos os japoneses que comem até peixes vivos. Todos comemos carne morta, meu amigo siri... Até os urubus da praia. Tem que matar para comer... De resto, a não ser os japoneses, somos todos iguais... Lutamos para comer, crescer, engordar e morrer o mais tarde possível. A propósito, siri!... Pára de ficar disputando comigo a carne morta da praia...Você e sua família têm o mar todo, e eu só a praia...Não posso entrar no mar...
– Nem eu na praia, Maria Farinha...Como fazer para vivermos em paz?   
- Eles têm armas, bombas, inventaram gaivotas metálicas que atiram bombas, tubarões metálicos que atiram torpedos explosivos, e umas gaivotas do tipo mergulhadoras que em vez de mergulhar, sobem aos céus em vôo picado e fazem explodir bombas atômicas que destroem tudo... Você crê que temos que recorrer a uma corrida armamentista para resolver nosso caso de área de alimentação? Vai... Fala, siri...
- Não... Não precisamos de tanto. Basta que se não houver comida se transe menos, e assim podemos controlar a população para a disponibilidade de comida... Já eles, os humanos, trepam e fazem filhotes como se quisessem encher a praia de gente. Cada vez nos invadem mais a praia. Imagina que para se divertirem estão atirando balas perdidas em gaivotas de verdade. Não as podemos comer porque atiram quando elas estão paradas na praia. Vocês é que as comem. Nós não. Deveriam gostar deles porque vos proporcionam comida grátis.
- Olha quem fala, siri... E quando os pescadores vêm para a praia, pescam peixes de tudo que é tamanho e os deixam morrer na praia porque são menores de idade?
- É... Na verdade tiramos certas vantagens dos pescadores, mas vocês também... As ondas levam os peixes mortos para cima, para o topo das areias até onde as ondas podem alcançar e deixam os cadáveres dos peixes “neném” ao vosso alcance. Não vem com essa que só nós, os siris, temos vantagem.
- Vamos fazer amor, siri?
- Vamos... Mas preciso saber se você usa silicone, batom, todas essas coisas que não me deixam saber se você é como é, ou se é diferente... Gosto de você assim cabeluda como é. Gosto de acordar sabendo com quem dormi, e com a certeza que se arrumou só para mim, e não para o resto dos machos de sua espécie, como vejo de montão aqui pela praia.  
- Uma pergunta: Vocês trepam entre o mesmo gênero?
- Às vezes... Depende da vontade, na base do “não tem tu, vai tu mesmo”, por engano... O mais fraco não tem opção e se deixa penetrar. Depois fica tão moralmente “fraco” que qualquer outro o penetra. É como transar com criancinha...   

3. Câmara três – Focando na repórter – ou no repórter – bonitinha(o) que é burra(o) como uma porta e que “apresenta” o trabalho duro das(dos) demais repórteres – de quem deveria ser realmente o mérito - só porque é mais bonitinha ou deu para o diretor do programa.

Repórter gostosuda (o)- Como puderam assistir a esta fábula de Esopo, em que os animais falam, nós que somos animais sem “introjectarmos” que somos animais de verdade, também falamos igual a eles. Trepamos por vontade de gozar enquanto eles trepam sem saberem porque razão trepam, mas gozam. Capaz de ser gostoso para eles, senão não trepariam, mas independentemente disso, gozem com novelas porque quem não tem com quem gozar, goza vendo o prazer dos outros. Nós não mostramos por ser uma cena muito violenta, mas chegaram à praia alguns farofeiros, e apanharam a Maria Farinha e muitos de seus familiares. Cozinharam ali mesmo na praia, juntaram farofa e uns temperos e as comeram assim mesmo, sem saberem que tinham trepado minutos antes e se preparavam para procriar. Um outro grupo, munido de puçás, invadiram as ondas da praia e caçaram siris até quase a extinção, a maioria fêmeas prenhes cheias de ovas.


Depois que comeram, eles, ou seja “eles”, deitaram-se na praia e discretamente foram-se despindo, e começaram a trepar, enfiando-se, trepando, uns com camisinha, outros sem camisinha, mas com a certeza quase certamente incerta de não procriarem. Inocentes pulgas da praia transavam freneticamente para procriarem, sem saber que um dia serão caçadas para alimentar os humanos. Tatuís faziam o mesmo, mas estes sabiam que os farofeiros os caçavam para os cozinharem com temperos e farinha de mandioca, a preferida da presidente do país.

Ainda hoje se discute quem herdará a Terra. O ser humano não será. Ficou muito sofisticado e exigente, não olha ao redor, não percebe onde vive, passa o tempo no celular e nos shoppings, seu mundo é virtual. Trepam desesperadamente por prazer, até de trair, e a natureza só observa. Nunca se preocuparam em descobrir a “fala” dos demais seres vivos que habitam o mesmo planeta. A maioria deles já conseguiram extinguir. Fazem ensopado de tudo que podem.  


® Rui Rodrigues.         

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