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domingo, 18 de agosto de 2013

O “deus tutelar”



O “deus tutelar”
(e seus efeitos sociais nos povos e no relacionamento entre nações)


Hominídeos e “Homo”, na escala de evolução humana, sempre foram seres sociais. Não se sentem bem vivendo isolados de suas sociedades que acabaram por construir com base em hábitos passados de geração em geração, identificação visual genética, sentimos de proteção coletiva, dentre outros fatores. Flores encontradas em túmulos pré-históricos dão-nos uma leve noção de que em algum momento, por essa época, se acreditava numa vida pelo menos “diferente” no pós-morte, senão, porque razões enterrariam o morto com flores? Tumbas posteriores já possuíam, além de flores, objetos de uso quotidiano do falecido. Quando mais tarde se fez definitiva a noção de um Deus senão criador, pelo menos protetor, surgiram religiões por todo o planeta habitado. As primeiras noções de divindade eram proporcionais ao desenvolvimento mental de nossos ancestrais, e por não entenderem ainda pelo menos razoavelmente o mundo em que viviam, eles imaginaram um panteão de deuses, um para cada “preocupação” que tinham, e surgiram os deuses da guerra, da saúde, das colheitas, da caça, e outros.

É natural pensar-se que deuses protetores de feridos e doentes não tivessem tanta força como os que, por exemplo, cuidavam da agricultura ou da guerra. Os deuses que aparentemente provocavam mais estragos eram os deuses da guerra, num período histórico em que as lutas pela posse das terras era fundamental para que sociedades de indivíduos pudessem ter mais território e portanto comportar maior numero de indivíduos. Estas lutas eram terríveis, com alto numero de baixas e podiam aniquilar civilizações. Por isso mesmo, o deus tutelar, isto é, o deus que presidia o panteão de deuses era sempre um deus guerreiro, dono e guia dos exércitos [1].  Havia um orgulho de cada nação em seu deus tutelar, e nem por sombras esse deus era dividido entre elas. Cada uma tinha o seu, o que julgavam mais forte, mais poderoso, o céu era o limite, mas o conhecimento do céu (universo) era limitado. Assim como havia guerras no planeta, julgavam haver guerras também nos céus. Seus deuses tutelares justificavam e apoiavam as atitudes terrenas de seus líderes, mesmo que contra a vontade popular. Era como se os deuses fossem imaginados não como entidades próprias, mas como “fetiches” – sempre à disposição - para atender as necessidades humanas de cada povo, ou melhor, de seus líderes[2].

As lutas por territórios no sentido de angariar mais espaço para crescimento populacional, parece ter terminado em 1945 quando Hitler foi derrotado, mas de certa forma continuamos a conquistar “territórios”, agora com características comerciais.  A luta é a mesma, mata igualmente por seus efeitos indiretos, mas tem uma aparência mais “humana”, seja o que for que o termo humano queira significar, porque na medida em que a economia de qualquer país diminui sua eficiência, aumenta o numero de pobres, os serviços sociais perdem a eficiência, doenças tornam-se mais poderosas e se disseminam mais rapidamente, muita gente morre em conseqüência sem sequer fazer parte dos noticiários dos jornais. São mortes surdas. Para sobreviverem internamente às nações como governo, e, portanto com as regalias inerentes, os que governam costumam mentir e esquivar-se de perguntas inconvenientes.
 Deusa Abutre - egípcia - notar semelhança da arca
Deuses tutelares eram eminentemente deuses guerreiros. Não seria de admirar se a “belicosidade” dos deuses estivesse intimamente ligada à necessidade de transmitir genes à descendência. A expulsão de judeus de suas terras de Judá para a Babilônia por Nabucodonosor II é um indicador desta tese: expulsou para suas terras o povo judeu que se misturaria com sua gente, misturando suas características de gente inventiva trabalhadora e produtiva, às de seu próprio povo, embora, duvido, tivesse consciência disso. De qualquer forma, não se costuma chamar os inimigos para dentro de suas próprias fronteiras se isso não for interessante. O entrave maior foi a religião. O povo judeu tinha um deus tutelar em mutação: Seu panteão de deuses estava sendo eliminado e apenas o deus tutelar, Yawé, acabaria por prevalecer, quando o profeta Jeremias exortou o povo judeu à união. O Talmude data desses tempos. Porém, há um detalhe muito importante em termos de deuses tutelares: Yawé ou Jeová é o único que em vez de apoiar sempre o seu povo, o castiga toda vez que erra, para que aprenda. A partir do cativeiro da Babilônia, o povo judeu passou a conviver com um “deus sozinho”, ou seja, o monoteísmo centrado em Yawé[3].
 Idealização da Arca da Aliança
Deuses tutelares sobreviviam enquanto em terra seus adoradores obtivessem vitórias militares. Perdidas as batalhas finais, os deuses eram abandonados, jazendo no pó. Não admira, pois que, numa humanidade devastada por guerras de conquista e ocupação, Iawé surgisse como um deus a ser copiado: Um deus que punia seu próprio povo e o incitava a não errar, a percorrer caminho ético, moral, voltado para a paz, porém sempre preparado para a guerra de defesa, e surgiram duas religiões a partir desta de culto a Iawé: A cristã e a maometana, adaptadas cada uma à idiossincrasia dos povos que as adotaram. Mais tarde, Martinho Lutero em meio a uma nação de princípios morais mais consolidados na época, a Alemanha do Sacro Império Romano Germânico, criou a primeira dissidência no cristianismo, coisa que não se viu até hoje nos paises muçulmanos, e criou o protestantismo. A partir de Iawé, a árvore genealógica das religiões, abre seus ramos, fruto de um deus não bem definido, ou não bem entendido. Certamente não bem entendido, porque sendo Deus a fonte, não deveria ter sabores diferentes de acordo com quem o prove. E desta falta de entendimento, muitas guerras e muitos seres humanos foram mortos no interior de fronteiras por seus semelhantes, no exterior em guerras que apenas e somente os fatores econômicos e territoriais de sobrevivência poderiam justificar. Em vez disso, usaram a “infidelidade” religiosa para justificá-las. A falta de instrução, educação e conhecimento dos povos, foi pasto destas distorções de motivação por parte dos poderosos que governavam as nações, todos eles sob influência religiosa.

Governantes, aqueles que usurpam o poder ou os que elegemos para nos “representarem”, precisam de desculpas para seus erros, e de motivos para a consecução de suas idealizações. A religião é uma fonte quase inesgotável para estes efeitos, porque congrega populações e as pode manobrar para o lado que mais interesse no momento político ou econômico. Nos tempos de hoje, as batalhas no terreno já não necessitam de um deus “tutelar”, nem se grita em campo de batalha, porque o confronto físico de exércitos diminui não só pelo tipo de armas desenvolvidas, como também por efeitos psicológicos: As armas matam a maior distância, corpos mortos enterrados em cerimônias fúnebres desmotivam a população. Os deuses já não são guerreiros, e essa função é exercida pelos que elegemos para nos representar, este um erro que será corrigido a futuro, porque com deuses tutelares ou sem deuses tutelares, as guerras inconvenientes continuam pelo mundo afora, algumas e muitas fratricidas mesmo que todos tenham a mesma religião, e nisto se incluem as guerras por verbas dentro de um mesmo estado dividido em pequenos estados por questões de administração.

Após breve análise se pode constatar que os deuses se separam paulatinamente dos seus “representantes” no planeta, e o povo de seus “representantes” no governo. Há uma crise aparente de tutela que pode significar o rompimento com estilos de governar, das características dos eleitos à representação, e mesmo a representação pode ter seus dias contados com a participação da cidadania nos destinos do mundo.

Num mundo que evolui socialmente sempre em pequenos bolsões isolados de progresso social de acordo com a melhor ou menor performance de administração econômica, não há como desprezar o sentimento de que um mundo mais equânime, mais homogêneo, seria um mundo mais habitável, sustentável, canalizando as riquezas não para a guerra, mas para o progresso e o desenvolvimento em todos os campos da humanidade.

A humanidade terá encontrado o seu caminho para um deus único, ou, a exemplo de cada nação que tem o seu deus, cada individuo também pode ter o seu – ou não ter - de acordo com a sua própria forma de encarar o mundo?

É o que veremos em tempo relativamente curto, talvez dentro de algumas décadas.  O mundo está mudando para uma participação cidadã cada vez mais efetiva.

© Rui Rodrigues



[1] Ainda hoje, e, por exemplo, embora Espanha, Inglaterra e Portugal tenham o mesmo “deus” comum, para diferenciar no campo de batalha escolheram “santos” como padroeiros de suas forças armadas: Inglaterra e Portugal escolheram S. Jorge, a Espanha, São Tiago, ou Santiago. Nestas religiões, o panteão de deuses foi substituído por um Panteão de santos que priorizam em busca de milagres.
[2] Efeito agravado em épocas históricas de Teocracias que ainda hoje existem, como no Irã, em que o líder religioso é também o chefe máximo da nação. 
[3] Deve ter sido por esta época, quando o Talmude foi compilado, que se deve ter definido que não se fariam imagens de Iawé (D’Us), e que somente um deus seria adorado. 

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