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terça-feira, 21 de agosto de 2012

Carta de Pero Vaz Marcius Marcianus a seu Rei de Marte






Carta de Pero Vaz Marcius Marcianus a seu Rei de Marte


A vida em Marte acabou há cerca de 500 anos atrás, justamente quando Pero Vaz Marcius Marcianus, um escrivão do Rei de Marte lhe mandara carta fazendo-o saber da descoberta do planeta Terra e de sua civilização.  Essa carta escrita no mais puro idioma marciano foi recentemente descoberta pelo robô “Curiosity” enviado pela NASA. 

Eis o teor resumido desse documento histórico.


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Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do encontramento desta vossa Terra, que ora nesta navegação se encontrou, não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer.
Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que, para aformosear nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu.
Da navegagem e rumaduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza, porque o não saberei fazer, e os pilotos devem ter esse cuidado. Portanto, Senhor, do que hei de falar começo e digo:


Depois que saímos de Marte e após navegarmos por dois dias, nossos pilotos nos levaram a uma praia como as nossas, mas com belas mulheres, todas nuas de lindos e generosos corpos, sem pudor, tal a ausência de maldade, que deles faziam uso entre elas e com os homens, ali mesmo entre os arbustos e seria por isso que entre eles não havia discussões nem guerras inúteis, porque quando ficavam com fúrias, ali mesmo se acalmavam entre as areias. Como somos invisíveis aos olhos dos terráqueos, não nos perceberam, mas vimos algumas naus de madeira, com largas velas e cruzes vermelhas entre eles, explorando-os com contas de vidro, machados para derrubarem as florestas, sem saberem o mal que faziam nem dele se aperceberem, cegos pelos lucros que buscavam, que como bem sabe Vossa Alteza, é o ouro que em Marte há muito e nem lhe damos valor algum. O ouro, para esse povo desinibido da região que os das naus exploravam, vale tanto quanto para nós, já as contas de vidro, por brilharem, acharam eles que eram diamantes redondos, pedaços caídos de estrelas que brilhavam nos céus pela noite. Os das naus não eram gente ruim, mas tinham seus valores e até uma grande virtude, porque se deitaram com as mulheres e uma meia dúzia com os homens, escondidos por vergonha no meio do mato.


Entre os das naus havia um escrivão, como eu, chamado Pero Vaz de Caminha, que escrevia a seu Rei sobre o achamento daquelas terras que acharam depois de navegarem por quase três meses. Nós os encontramos sujos, fedorentos, porque não tomavam banho, causa de muitas mortes entre eles. Não precisavam de inimigos, porque assim se matavam a eles mesmos.

Trouxeram, os das naus, duas parelhas de cavalos, uns animais muito inteligentes, enormes, de quatro patas, que por não poderem usar na mata cerrada, os deixaram por lá, pastando. Deixaram também por lá, quando se foram, dois dissidentes políticos, que, diferentemente dos cavalos, gostaram muito de ficar entre os índios e as índias, começando logo a procriar ali mesmo. Estes dois não puderam ensinar nada aos índios da região, porque seu nível cultural era ainda inferior, por não terem freqüentado escolas. A sociedade dos achadores descriminava os que tinham ouro dos que não tinham, e as escolas eram pagas. Depois que os achadores saíram, os índios não se transformaram em achadores. Foram os achadores que se transformaram em índios, passando a viver como eles e a tomar banho diariamente, ou não haveria fornicação entre eles e elas. As sementes que deixaram com estes, antes de partirem, foram plantadas e germinaram muito bem. Em se plantando naquela terra, ninguém passaria fome por milênios, mas nossos navegantes do futuro já nos contaram que por volta de 2012 já havia muitos passando fome, aos milhões, apesar dos imensos milharais, porque em vez de produzirem alimentos, produzem álcool para se moverem. 

Entre os achadores havia uns vestidos de branco com capas pretas, carregando cruzes, que falavam de ensinar aos índios que havia um deus que ressuscitara e que, apesar de depois voltar a morrer, porque nunca mais se viu, desejar que todos seguissem a sua religião. Porém vimos que esse deus deles, que calçava sandálias e vestia uma túnica de pobre, que não tinha bens, era muito diferente desses de preto e branco, porque estes faziam tudo diferente dele e ajudavam a escravizar, visto que nunca lhes ouvi uma contestação ou movimento contra a escravização de índios e negros, mais se aceitando que os achadores e estes pregadores agiam em conjunto como bando, tudo pelo ouro. 


Então, que me permita Vossa Alteza, e para já lhe rogo, encarecidamente seu perdão, resolvemos materializar-nos entre os achadores, pela noite, deixando nossa nave flutuar ao lado da nau capitânia, lado a lado, ao mesmo nível do convés. Ficaram os achadores muito desconfortáveis, mas como não tínhamos armas, olharam uns para os outros e cada um viu que estavam vendo as mesmas coisas, e se acalmaram sem saberem o que estava acontecendo. Descemos e começamos a mostrar-lhes o nosso ouro e seus olhos brilharam. Não nos atacaram porque esperavam que lhes disséssemos onde encontrar tanto ouro. Depois lhes mostramos um computador de mão, destes de usos corrente, e eles não se interessaram. Parece que não sabiam nada de matemática. Quando lhes mostramos os nossos comunicadores eletrônicos que um dia chamarão de celulares, deram urros de admiração e um até nos pôs nos ouvidos uma daquelas conchas enormes, mas só conseguimos ouvir o barulho do mar. Então falamos uns com os outros pelo celular e eles escutaram as nossas vozes saindo dos aparelhos. Emprestamos-lhes os aparelhos para que os usassem também entre si, e então começaram a falar bobagens e rindo muito antes de nos devolverem os celulares. Abanaram a cabeça dando a entender que não teria uso entre eles. 


Usavam tochas de madeira embebidas em azeite para iluminar as embarcações. Com aquela quantidade de luz, ficariam cegos ou míopes se tivessem o hábito de escrever à noite, e quando lhes mostramos nossas luzes de lanternas, pularam e deram um passo para trás, completamente hipnotizados pelo medo.  

Não gostaram das nossas mulheres que lhes mostramos porque eram verdes, assim o disseram, e fique Vossa Alteza certa que aqueles homens fazem qualquer coisa por ouro e mulheres, a cor é que lhes foi desinteressante. 
Ainda conto a Vossa Alteza sereníssima que ficamos nesta terra que encontramos, por anos, e acompanhamos os achadores em sua viagem de volta a sua terra, mas muitos morreram na viagem de volta por tormentas marinhas. Os que sobraram contaram ao rei deles tudo o que viram, mas quando começaram a falar de nós e de nossa tecnologia, disseram que tinham ficado de miolo mole, os dispensaram e os trataram como dementes, gente e sem importância. 
Permita-me ainda Vossa Alteza contar-lhe o que nossos navegantes do futuro me contaram, depois de uma viagem de 500 anos. Trouxeram notícias de 2012, aterradoras, que conto a Vossa Alteza sereníssima:
Aquelas matas já não existem, nem aquelas nem as outras do continente, restando uma pequena área que chamam de Amazônia e que encolhe dia a dia. Ainda hoje perseguem índios e os prendem em reservas. Reclamam dos achadores mas agem como eles ou pior ainda, porque aqueles não tinham consciência do que faziam ou tinham pouca, mas estes de hoje não. Sabem de tudo. Alguns se misturaram entre a população, mas jamais um deles chegou a um posto de governar o que quer que fosse, e muito menos foi eleito presidente da república. 

Pior ainda, Alteza, eles fazem eleições e colocam para governá-los eleitos indicados por grupos a que chamam de partidos políticos. Ora, Excelência, estes obedecem a esses partidos e não ao povo que deveriam representar. Por isso é grande a roubalheira e todo o ouro que exploram vai para o exterior, esvaziando a riqueza do país. Só ganham os que exploram o ouro. O povo não ganha nada, e, além disso, ainda pagam impostos que se contam pelo dobro do que pagavam quando os achadores os acharam e passaram a governá-los, sendo já grande a mistura entre índios, negros e brancos, no que vai nessa mistura grande mérito dos achadores.  É grande a fome que encobrem com propagandas e shows de artistas pagos a peso de ouro, a educação é um chorrilho de asneiras de tão ruim que é, matam-se uns aos outros pelas ruas e não há ordem que se imponha, e os do governo roubam descaradamente sem ter quem lhes ponha a mão neles e no dinheiro que roubam. 

Mas se pensa Vossa Alteza que é apenas no reino que os achadores acharam, fique certa, Excelência que não. Vê-se disto por todos os lados deste Planeta Terra que encontramos para Vossa Alteza. 

E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza do que nesta vossa terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha, de Vos tudo dizer, mo fez assim pôr pelo miúdo.


E pois que, Senhor, e o tenho como certo , assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, deixe ficar na ilha de Sou Marciano a Jorge de Osório, meu genro – o que d'Ela receberei em muita mercê. È que nada peço a Vossa Alteza para não criar hábitos de tirar vantagens de postos ou considerações. 

Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Planeta Terra, da Vossa Ilha de Vera Cruz, que não é ilha, e do Rio de Janeiro, que também não é rio, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.
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Rui Rodrigues

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