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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Trem Noturno para Paris.

Trem Noturno para Paris.


I - Em algum dos dias de Junho de 1991.



Collor tinha sido eleito presidente do Brasil. Eu havia trabalhado para uma empresa de Consultoria e tinha notícias fidedignas de sua ânsia pelo poder e principalmente pelo dinheiro, além de um comportamento muito próximo dos sintomas de bipolaridade, quase loucura patogênica, meio “hitleristica”. Como previ um desastre na economia, resolvi voltar à “terrinha” para manter minha decência profissional. Com emprego já garantido em Lisboa, resolvi gastar os últimos tostões disponíveis para visitar um amigo de longa data, Jaime Irigoyen, de nacionalidade chilena que estava trabalhando em Madrid para uma empresa inglesa gerenciadora de uma famosa obra de dois prédios inclinados: Altos custos e desperdício de área de construção em favor de uma beleza inusitada e “estranha” feita para impressionar e compensar o fato de que entre os dois prédios passava uma “rua” subterrânea. Como engenheiro só penso como pensam os arquitetos quando tenho necessidade de entendê-los. 



Portanto, fui até a estação de Caminhos de Ferro de Santa Apolônia e peguei o primeiro trem para Madrid. Ainda era dia. Quando passamos pelo Castelo de Almourol em pleno rio Tejo, já a loura no banco em frente ao meu esticava suas pernas sobre os meus joelhos como se estivesse “distraída”, mas eu não estava atrás de aventuras. Quem sabe, talvez eu conseguisse emprego na empresa onde trabalhava o amigo chileno? Precisava estar “focado”, sem compromissos com a loura. Além do mais, não existem ainda “camisinhas” para relacionamentos seguros em trens europeus: Você pode acordar em algum lugar desconhecido sem carteira, nu até a alma. E para completar a imagem, eu era casado do tipo “não desesperado”... Em breve minha família estaria comigo em Lisboa. Por isso, tentei dormir, e quando percebi que os olhos da loura se entreabriram procurando ver se eu já estava dormindo, encontraram-nos semi-abertos justamente quando o trem parava numa estação para recolher passageiros. O que meus olhos viram eram soldados da primeira guerra mundial. Milhares deles, portugueses, embarcando para a Flandres. Provavelmente a estação era em Elvas, quase na fronteira com a Espanha. Da cintura dos soldados pendiam máscaras antigás. Desses soldados portugueses cerca de 2.200 morreriam e outros tantos ficariam abalados física ou moralmente para todo o resto de suas vidas. Quase o contingente inteiro! Serviram de carne de canhão para generais burros tradicionais engordados na paz para justificarem verbas de guerra. Como não entendiam nada de estratégias, ficaram se guerreando em nome de “propagandas” fabricadas que justificavam a guerra para ambos os lados opostos das trincheiras. A linha Maginot não funcionou. Nada funcionou para ambos os lados, até que chegasse a salvação das Américas. Ainda hoje esses generais são considerados como heróis... Pobre imaginação nacionalista!... Enquanto forem considerados heróis serão copiados e nada mudará, por que os generais que na paz atacam as populações para “controlá-las” como se fossem escravas ou galinhas de “granja produtiva”, são os mesmos que declaram as guerras: Ministérios da Defesa que se transformam em Ministérios de Ataque! Ganha quem tiver as melhores forças treinadas, a melhor tecnologia, e nem sempre vence quem merece, até porque ninguém merece numa guerra. Vivemos num mundo completamente equivocado, fruto de tradições, nacionalismos, esperanças vãs.




II – Depois da meia-noite do primeiro dia de alguns dos dias de Junho de 1991.




A Loura, agora que acordei sobressaltado com a parada repentina do trem que ia para Madrid – ou seria Paris? – acenou com a cabeça para mim, no trocar de olhares com um sujeito estranho de pele cor de azeitona. Dos passageiros, alguns eram nitidamente turistas, mas outros eram ou soldados à paisana ou espiões ocidentais, de chapéu negro ou marrom enterrado na cabeça até quase tapar os olhos, gabardine cinza, negra ou bege, rostos patibulares que não denotavam emoção. Estávamos certamente já em terras de Espanha e Francisco Franco recebera ajuda de Hitler para sufocar e exterminar os contrários ao seu regime de ditador espanhol. Ele não deixava passar pela Espanha – neutra na segunda guerra mundial – soldados ocidentais destinados a combater as forças de seu amigo Hitler. Empresas são como países em guerra. Há de tudo nelas, desde soldados a policiais, alguns da “secreta”, espionagem e contra-espionagem. Alguns chegam a propor ou idiotices para que o antagonista perca o posto, ou absurdos corruptos para que o antagonista perca o seu emprego. Estava sem sapatos, a calcinha branca aparecia sob a aba do casaco de veludo aberto estrategicamente. Sempre desconfiei, até nos empregos que tive, de tudo o que me davam de “mão beijada”, a troco de aparentemente nada. Nos trens europeus também. Nos sul-americanos nem ando. Por aqui se acha que trem é... Isto é... Acha-se que trem não serve para nada, apenas e quando muito para transportar gado humano e safras interestaduais de gente rica. Não admira, pois, que entra governo, sai governo, se tenha a esperança de que o comunismo ou o socialismo comunizado pareça a solução salvadora dos que se sacodem ou simplesmente nada podem: Nas eleições votam sempre na esperança, o futuro lhes traz sempre mais do mesmo, mudando apenas as cores das falas, o tom da indignação e da esperança partidária eleitoreira. Para mim estava claro que a loura tinha seu próprio negócio e sócios, um deles com pele cor de azeitona e que viajava no trem, e que a mercadoria seria eu mesmo. Fingi não ver seu sorriso de boas vindas porque estava chegando a Paris e os passageiros se preparavam para desembarcar. Já estavam todos uniformizados com uniformes de guerra americanos, ingleses, franceses... Na gare, mulheres belas, perfumadas, os lábios pintados da mesma cor da vagina, os esperavam com beijos, o corpo tremendo com vontade de ser doado á Juventude. Os soldados tinham entre 18  e 25 anos. Grande parte da Juventude francesa havia perecido na longa guerra de 1939 a 1945. A libertação de Paris era um bom motivo para ter prazer com falos ávidos de vaginas nervosas, lábios nervosos. O que pode haver de melhor para uma mulher ávida senão um jovem cujo falo forte foi impedido de funcionar por dias de martírio sob fogo, tensão, adrenalina que queimava desde as pernas até o mais interno ponto de seus cérebros? Seria sexo contínuo para toda a noite e todo o dia seguinte, coisa que namorados e maridos nunca lhes deram. Para elas, esses eram os heróis, mas Não!!!.. Ouvi mulheres: Esses não eram os heróis. Os heróis morreram no campo de batalha abrindo caminho para a vitória dos vivos que agora chegavam para “libertar”... Humanidade que não aprende, porque aprender não é importante! Aprender parece mais ser uma desculpa. Dá-se valor ao que “interessa” dar valor e não ao que merece. Que mundo queremos nós – homens e mulheres - se nos escondemos da verdade para não nos confrontarmos com a nossa própria imbecilidade? 



Quando recolhi minha bagagem do bagageiro sobre minha poltrona de segunda classe, do trem que ia para Madrid, não vi a loura. Desistira da mercadoria. Também a França desistira por várias vezes da Igualdade, Liberdade, Fraternidade até os dias de hoje, depois de guilhotinas, revoluções e guerras. O mundo todo desistiu disso. Até Jean Paul Sartre, um correspondente de guerra, que tinha uma mulher que foi para ele o que ela não queria ser. Simone de Beauvoir, o nome dela, das que apregoam “uma coisa” e fazem outra. Tal como Jean Paul que viveu a vida toda panfletando comunismos e socialismos e ao final da vida os negou mais de três vezes. E com razão! Ambos!...


Não cheguei a Paris dessa vez. Já tinha estado lá por diversas vezes e ainda a visitaria uma vez mais, dessa vez viajando num caminhão que ia buscar mercadorias no porto de Hamburgo. Era a terceira vez que iam buscar a mercadoria que nunca conseguiam retirar. Exercitei meu inglês americanizado e assenti um esporro violento no chefe do porto de Hamburgo apelando para sua incompetência. Naquele fim de tarde meu amigo Rui Lopes retirou a mercadoria, finalmente, depois de duas horas extras de trabalho de gente negra fazendo no porto o trabalho que gente branca não queria fazer: Hitler deixou herdeiros! Deixamos uma gorjeia porreta para os dois neguinhos como se fossem queridas gentes brasileiras, e recebemos dois sorrisos alegres de presente além da mercadoria. Guerras deveriam resolver-se com esporros!
® Rui Rodrigues. 

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