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sábado, 22 de setembro de 2012

Tempestade russa no Pontal do Peró







Tempestade russa no Pontal do Peró

Lembro-me, quando garoto, minha avó rezando a um santo para que as tempestades passassem longe ou fossem leves. Eu tinha meus sete anos e ela me aconselhava a não me aproximar das janelas. Quando mais tarde aprendi que o vidro é um bom isolante, o ficar perto das janelas já não me preocupava. Mais tarde aprendi tudo o que um engenheiro necessitava saber sobre eletricidade mesmo cursando engenharia civil. A partir daí eu, que já não tinha medo de tempestades, comecei a gostar delas. Nada melhor do que uma tempestade para que nos possamos sentir integrados à natureza, percebermos nossa fraqueza e nossa grandiosidade.  Pior ainda que naqueles tempos da década de 50 elas chegavam de repente, sem avisar. Éramos apanhados no meio da rua, no meio do campo, no meio do mar, em pleno ar. Já no Rio, aprendi logo que quando as coisas ficam muito feias, dizemos “a coisa ta russa”. 

Desde ontem que a defesa civil de Cabo Frio avisara que poderia cair granizo e aconselhou a população a não sair para a rua. Logo imaginei uma tempestade do tipo a coisa ta russa. A última vez que caiu granizo lembro-me bem, eram enormes pedregulhos, quebraram-se muitas telhas, muitos galos nasceram em muitas cabeças, e a própria prefeitura se encarregou de distribuir telhas grátis para a população carente. Não dá nada, mas dá telhas. Mas como não há uma tempestade igual á outra e eu já passei por muitas, aguardei esta com ansiedade. Agora havia a NET e eu também podia avisar o pessoal da região, se a energia não caísse, o que é costume nestas ocasiões. Passei a manhã toda esperando a tempestade, nada!

Às 17:15 notei que começou a escurecer e a temperatura baixando rapidamente. Fui para o computador e publiquei no Facebook em duas páginas da região:

“ATENÇÃO PESSOAL: PANELAS NA CABEÇA!!! VAI CAIR PEDREGULHO DE GRANIZO!!! Sai de baixo!!!!!”

E saí para a porta da frente.

Chegava uma nuvem como se fosse um cogumelo de pé curto, branca, circular, algodoenta, em meio a nuvens negras como breu, trovoadas ao longe. Medi mentalmente o tempo entre a visão dos raios e o barulho dos trovões, em segundos, e multipliquei por 240 para ver a que distância estavam caindo os raios. Caiam a cerca de 1.500 metros, depois 800, depois 400, e de repente o clarão e a imediata chibatada, como chicote de Hércules – Hércules não usava chicote, mas se usasse deveria ser muito grande e fazer um barulhão – Esse caíra a uns cinqüenta metros e meus ouvidos estiveram a ponto de zunir. As árvores balançaram como plumas de avestruz levando tapas do Hércules, e a chuva caiu como tromba de elefante que espirra por resfriado forte. As portas de vidro da sala inflavam e desinflavam com a força da pressão do vento. Pensei que tudo iria alagar. A tempestade estava ali, e outra realidade era aquela voz de garota russa ou ucraniana (acho que era russa) loura, olhos azuis, meio inocente, meio sacana, meio carente, meio ávida, mas com a pele completamente rosada, que me dizia em russo num sussurro vindo do sofá da cama:




- Приходите Rui, хотят играть с гуся, да? (Eu não entendi o que ela dizia, mas entendi que me chamava pelo nome e imaginei o que queria).

Fiquei com ela no sofá, tal como uma tempestade. Primeiro devagar, de mansinho, quase que despercebidamente, como quem dá uma caixa de bom-bons de surpresa. Aquela pele era de me deixar louco, os lábios carnudos e úmidos como o interior de um “petit gateau” de morango. Era doce aquela russa perdida no turismo de praia da região e que me tinha encontrado. Queria renegar a bandeira russa, pedir asilo político, xingar o Putin, mas os tempos eram outros e era muita areia para eu carregar no meu caminhão por muito tempo na vida. O mais certo seria se apaixonar por um turista americano desses que passam a vida fazendo surf, caladinhos, cada um no seu canto como quem não quer porra nenhuma, e voar com ele para Honolulu para pedir asilo político ao Obama. Eu ficaria com um par de chifres daqueles de boi de raça “barrosã” que os tem extremamente longos e que não nos deixam passar pelo portão nem do Kremlin.

E enquanto pensava nisto, ouvia-a dizer-me no ouvido enquanto a penetrava:

-   да ... да ... так что ... Подробнее ... Засуньте это до крыльев гуся .. О! Быстрее ... С силой .. Таким образом, вы меня убить ...

Quando nos desmaiamos no sofá, abraçados, perguntou:

- У вас есть водка ?

A ultima palavra soou-me a vodka, mas como não tinha, apanhei uma garrafa de “cabernet sauvignon” e servi em dois copos. Fomos olhar a tempestade que se afastara, mas já anoitecera. A chuva agora era fina e não caíra nem uma pedra de granizo. Não importa... Nem vinho nem водка se tomam com gelo. Depois de três dias aqui, a russa partirá não sei para onde, nem sei por quanto tempo se lembrará de mim ou eu dela.

Pela TV – a energia não falhou – soubemos que cabo Frio tinha alagado, uma árvore caíra sobre uma casa comercial no centro. Nada como não estar no lugar errado, na hora errada, na tempestade errada, na cidade errada. Bom mesmo é estar no lugar certo, na hora certa, na casa certa, com a russa toda certinha depois da cortina de ferro se ter fechado, agora toda aberta.

Mentalmente comecei a dizer adeus a Irina Korolenko.

Rui Rodrigues.

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