Por volta de julho de 1815 chegou ao Brasil uma notícia sem muita importância: um vulcão, o Tambora[1], na longínqua ilha de Sumbawa na Indonésia, entrara em erupção em abril lançando toneladas de gases tóxicos, nuvens de poeira, pedras. Diziam que tinha sido uma grande explosão, enorme, a maior dos últimos mil anos, e que as nuvens do vulcão se espalhavam pelo hemisfério norte. Mas que, como tudo passa, a nuvem iria passar também. Era sempre assim e os comentários sobre o assunto cessaram em poucos meses.
Em 1816, em Portugal e no Brasil não havia telefones nem linhas férreas, e apenas algumas ruas das principais cidades eram parcamente iluminadas com óleos de peixe – principalmente de baleia - ou mesmo com azeite. Em 1808 Hemphry Davy fez uma demonstração unindo dois bastões de carvão fazendo passar por eles uma corrente elétrica. No ponto de encontro dos bastões formava-se uma incandescência. Afastando um pouco os bastões a corrente elétrica continuava a passar, agora pelo ar, formando um arco luminoso e brilhante. Era o princípio para a fabricação de lâmpadas que serviriam primeiro para a iluminação pública, mas isto, no Brasil, somente aconteceria muito mais tarde em 1851. Entretanto, e até lá, a iluminação a óleo foi sendo substituída por iluminação a gás.
O Brasil em 1816 não era uma Colônia. Muito pelo contrário, era sede de um Reino, o principal, de vastas terras ao redor do mundo: Em sua capital, no Rio de Janeiro, residia o rei D. João VI – O clemente - de nome João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís António Domingos Rafael de Bragança, rei de fato do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. No entanto, como sede do Reino, O Brasil era em 1816 a sede de um Reino Unido que também abrangia Angola, Cabo Verde, Guiné e Moçambique na África, Goa e outros enclaves na Índia, além de Macau na China. E esta situação de uma colônia se transformar em Reino, por aquelas épocas, tinha sua razão de ser, embora única em toda a história universal, e começara exatamente no ano em que D. João VI chegou ao Brasil: 1808, no mês de janeiro a Salvador e no dia 08 de março ao Rio de Janeiro. O mesmo ano em que se fizera a luz elétrica pela primeira vez. A grandeza do Brasil assemelhava-se ao momento da criação: “Fiat Lux”.
Era costume, durante uma guerra, que a vitória numa batalha só seria legitima se o exército vencedor ficasse no campo de batalha por pelo menos um dia, e para ganhar a guerra era necessário que o exército vencedor capturasse o Rei, assim como num bom jogo de xadrez. Em Portugal invadido por Napoleão, e com o apoio da Inglaterra, cuja marinha escoltou o Rei em troca de benefícios comerciais, D. João e cerca de 15.000 membros da corte, tripulantes, soldados, artesão, artistas entre eles o pintor Debret, médicos, engenheiros, embarcam para o Brasil, com as tropas de Napoleão no seu encalço, chegando a Lisboa horas depois. O Brasil começava sua época histórica de reino a caminho da independência como nação, de forma inusitada, única e inteligente.
Como vimos, sem telefones, sem vias férreas, sem iluminação pública, porque o progresso da civilização ainda não o permitia, com viagens marítimas demorando meses, as notícias entre os reinos e o mundo corriam muito devagar, a cidade deitava-se cedo, enquanto os acendedores de lampiões da iluminação pública passavam pelas ruas acendendo-os um por um. Nesse ano de 1816 D. João VI passara por um inverno em Lisboa e enfrentava outro inverno, logo em seguida, embora mais suave no hemisfério Sul, fato devido à inclinação do eixo da terra em relação ao plano da sua órbita ao redor do Sol. Lá na Europa, o povo português preparava-se para enfrentar o verão que prometia ser como sempre fora: quente, com ventos abafados soprando do Saara – o Siroco - em África, secando os pulmões, mas raros e fracos. Quando fortes, as areias do Saara eram levadas pelos ventos e caíam nos campos do Algarve e Alentejo, imperceptíveis, trazidas pelo Siroco. Já haviam chegado até a Inglaterra. Por toda o reino europeu os produtores de vinho e azeite faziam as suas contas à produção, quantos tonéis de vinho seriam produzidos e vendidos. Temiam, embora fosse raro, a “chuva de sangue”, provocada pelo Siroco carregado de areia que em contato com o ar úmido da atmosfera produz uma chuva vermelha como sangue. Seria indício de um verão ainda mais quente do que o normal. Poderia afetar o vinho tornando-o melhor, ou quem sabe, até pior. Ao desembarcar no Rio de Janeiro, o rei abre os portos do Brasil a todas as nações amigas, exceto à França.
Quando a notícia chegou da Europa, o tempo de verão em Portugal já tinha passado. Cada viagem ao Brasil demorava quase uma estação do ano. E com a notícia, trazida a bordo de naus, chegaram também os banqueiros e comerciantes. Disseram que, inexplicavelmente, as temperaturas no hemisfério norte tinham baixado de tal ordem, que não houvera verão. Havia fome na Europa. Até Portugal estava exportando o precioso trigo do Alentejo, azeite do norte para o resto da Europa onde a invernia havia sido mais forte. As uvas haviam amadurecido muito tarde e isso se refletira na qualidade do vinho. Traziam também notícias da América do Norte, com o mesmo problema. Em pleno verão surgiram as doenças inflamatórias de Inverno. No Brasil, o verão que iria chegar ainda, não chegou também. A economia de Pernambuco ficou abalada com a queda dos preços do açúcar e do algodão, provocada pela concorrência com as Antilhas e com os Estados Unidos. Além disso, a seca de 1816 arruinou o nordeste.
Naquele ano de 1816 não houve verão, e ficou conhecido na história assim mesmo: “O ano em que não houve verão”. Os efeitos da erupção do Tambora estenderam-se, embora em menor grau, até 1817. Um padre e advogado da cidade de Braga, Portugal, reverendo José Manuel da Silva Tedim, comentou na época: “Tenho 78 anos e nunca vi tanta chuva e tanto frio, nem mesmo em meses de inverno”.
Naqueles tempos não se conhecia ainda o “inverno nuclear”[2], produzidos quando o excesso de CO2, poeiras, e outros gases impedem a passagem da luz Solar, baixando a temperatura do planeta. Há suspeitas de que um outro vulcão[3] também tenha entrado em erupção pela mesma época, provavelmente localizado na região do Equador já que existem estudos segundo os quais a alteração climática se produziu até 1819, tendo-se iniciado em 1810. Se isto for verdade, explica-se o despreparo de Napoleão para enfrentar o frio inverno da Rússia quando a invadiu em 1812, incluindo o uso de botões de estanho nas fardas dos soldados. O estanho torna-se quebradiço a baixíssimas temperaturas. Sem botões nas fardas, os soldados alternativamente seguravam nas armas ou puxavam as roupas para se cobrirem do frio.
D. João VI podia entender o amor do filho Pedro I ao Brasil, e este, o de seu filho Pedro II. A independência veio pouco tempo depois, a sete de setembro de 1822, um dos primeiros países do mundo a livrar-se da colonização, e sétimo[4] na América do Sul.
Rui Rodrigues
[1] Ver em http://omundodaciencia.blogs.sapo.pt/13229.html e emhttp://en.wikipedia.org/wiki/Mount_Tambora
[3] http://cienctec.com.br/wordpress/index.php/o-ano-sem-verao-o-que-disparou-a-mini-era-glacial-de-1810/
[4] Chile – 1810; Colômbia – 1810; Paraguai – 1811; Venezuela – 1811; Argentina – 1816; Peru – 1821; Brasil – 1822; Equador – 1822; Bolívia – 1825; Uruguai – 1825; Guiana – 1966; Suriname – 1975
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