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segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Tráfico de drogas, Pablo Escobar e um projeto na Guajira colombiana.







(Relato de um amigo durante uma visita e depois de tomar umas boas caipirinhas)


Barranquilla, na Colômbia, é um forno durante todo o ano, exceto quando as brisas que vêm do mar atravessam o rio Madalena esfriam um pouco o ambiente trazendo geralmente chuvas que inundam as “calles” e as “carreras” muitas delas transformadas em imensos e altos canais coletores de águas de chuva, os “arroyos”. Essas chuvaradas tropicais arrastam pessoas, carros, tudo o que estiver pelo caminho. Os robalos que se pescam no Madalena quando sobem o seu curso, são mais gordos dias após essas chuvaradas.


Eis um breve resumo do que me contou:

“Quem a olhasse não chamaria a atenção. Essa mania de as espiãs de filme serem todas boazudas, gostosas, atraentes, curvilíneas, é pura ficção. Espiã que se preza passa desapercebida e só é gostosa quando tira a roupa e se entrega ao desvario. São frias e calculistas, mas quando necessário são quentes e não entendem nada de matemática. Aquela pelo menos era uma espiã perfeita. Precisavam de alguém confiável que tivesse uma posição de liberdade no projeto e que pudesse entrar e sair a qualquer hora. Encontraram-me por indicação de um americano no longo verão de 12 meses em 1982. Pediu-me sigilo absoluto perfeitamente compreensível. Por isso ninguém entendeu porque motivos me davam regalias que mais ninguém tinha no projeto, como, por exemplo, viajar todas as semanas a Barranquilla nos aviões do projeto quando havia prazos rígidos a serem obedecidos de permanência dentro das grades do projeto. Havia guardas e postos de controle, uma equipe da CIA, um porta-aviões e alguns navios de guerra pairando ao largo da costa norte da Colômbia. No projeto, um posto do exército, da marinha e da aeronáutica com dois pequenos aviões tomados do tráfico. Pensava-se que naquela sala - sempre fechada e com acesso restrito - as mensagens cifradas se devessem à “confidencialidade” de assuntos da companhia. Não era apenas para isso. Era ali que também a CIA atuava nas comunicações. O objetivo, diminuir o tráfico de drogas e caçar o inimigo público número 1, Pablo Escobar, chefão do cartel de Medellín. A revista Forbes chegou a quantificá-lo como o sétimo homem mais rico do mundo, controlando cerca de 80% de toda a cocaína a nível mundial. Alugaram-me uma casa ao lado de um outro traficante “tolerado” pela polícia de Barranquilla. Todos no projeto achavam que fora por acaso essa coincidência e quando os guarda-costas deste traficante evitaram um assalto à minha casa, ninguém ligou nada com nada. Era tudo uma sucessão de coincidências que passavam desapercebidas.

A espiã que veio do forno de Barranquilla trabalhava como fiscal de contratos. Isso lhe dava a mobilidade que necessitava. Todas as empresas contratadas se estendiam desde os contrafortes da serra de Santa Marta, onde se cultivava maconha e coca, até o porto de minério. Pelo caminho abriam-se aeroportos nas areias do deserto, a trator, em um só entardecer. Quando a noite caía, pelas seis da tarde, colocavam umas latas com combustível que acendiam quando ouviam o ronco dos motores dos aviões de contrabando. Em menos de cinco minutos a carga era embarcada, o dinheiro recebido. Em mais dez minutos nada havia no local. Apenas uma pista que jamais voltaria a ser usada. Aviões chegavam carregados de coca vindos da Bolívia e do Peru. A carga ia para Miami, de onde vinha o dinheiro. As FARC jamais chegaram á Guajira, nem vindas da Venezuela, nem do Panamá, do Equador, nem dos demais Departamentos da Colômbia. Enquanto durou o projeto, entre 1982 e 1985, o mundo viu o tráfico de drogas faturar cerca de nove bilhões de dólares.

Encontrávamo-nos, a espiã e eu, no meu trailer no projeto, ou na minha sala em Coltabaco. Quando tirava a roupa, mostrando todo o seu corpo, era perfeita e bela, quente como Baranquilla. Também nos encontramos certa vez em Cali numa visita a uma empresa que desejava participar de concorrências como parte do procedimento de pré-qualificação. O cartel do tráfico de Cali era antagonista do Cartel de Medellín de Pablo Escobar. Algumas das maiores empresas de construção serviam para lavagem de dinheiro do tráfico. Estava explicado porque as FARC não se aproximavam do projeto que se estendia ao longo de 500 km, parte na selva, parte no deserto de “la Guajira”, um imenso lençol de carvão subjacente. Soube pelo traficante que morava ao lado de minha casa na praça da termoelétrica, em Barranquilla, que Pablo Escobar estaria de visita nessa cidade para uma reunião com o pessoal do tráfico. Queria um acordo para dividir parte do mercado com o pessoal do Cartel de Medellín. Foi numa festa da escola onde meus filhos estudavam. A liberdade era tanta para a gente do tráfico, que o meu vizinho traficante disponibilizou um avião para levar as crianças da escola de passeio aéreo sobre a cidade. Algo deu errado, porque Pablo Escobar não compareceu. A uns dois quilômetros do projeto, na semana seguinte, dois agentes da CIA foram mortos a pedradas num local conhecido como Casa Blanca, para dar a impressão de vingança pessoal de gentes de um povoado de índios guajiros para os quais existe a dívida de sangue: sangue se paga com sangue. Na verdade esses agentes estavam na pista de uma viagem de Escobar às imediações do projeto onde iria verificar as condições das pistas de aterrissagem. Estava perdendo muitas cargas e muitos dólares tinham sido apreendidos.

Tivemos sucesso em algumas atividades, como aquela em que descobrimos que um gerente em Rioacha, uma cidade perto do porto, usava dinheiro do tráfico para fazer os seus próprios negócios. Um dia a CIA foi até Rioacha, apanhou o sujeito, levou-o para o projeto numa Toyota com escolta, onde pegaram um avião para Barranquilla. Chegaram dez minutos antes do vôo para Miami. Entraram com o sujeito no avião. Deve estar preso até hoje numa prisão americana. Um gerente de contratos foi sumariamente demitido. Dois aviões carregados de dinheiro, vindos de Miami, quando pousaram, não encontraram a carga para levar. Quem os recebeu foi a CIA, as cargas já apreendidas. Num entardecer um avião da base decolou com 19 soldados a bordo. Interceptaram um avião do narcotráfico que abateram, mas na volta à base encontraram as luzes do aeroporto apagadas. Pousaram num espaço reduzido de uns duzentos metros num local de pré-soldagem de trilhos depois de terem perdido a cauda do avião ao aproximar-se e baterem nuns cabos de alta tensão ainda sem carga elétrica. Fui até o local. As pernas do piloto tremiam quando desceu do avião, todos sãos e salvos. Nunca se perguntaram no projeto como se sabia dos vôos e dos horários do tráfico, nem porque razão alguns interessados nada podiam fazer para me tirar do projeto.

No final de 1985 tive meu ultimo encontro com a minha bela espiã. Minhas atividades terminavam com o fim do projeto. Ela continuou por mais alguns meses até que toda a atividade de fechamento das contas do projeto, já em operação, terminassem. Nunca mais soube dela. Tem no peito um colar de esmeraldas que visto por alguém será apenas uma jóia. Para ela muitas e boas lembranças. Foi uma pequena parte do pagamento extra da CIA. “

Rui Rodrigues


PS- Leitura complementar sobre o tráfico de drogas

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