(Relato de um amigo durante
uma visita e depois de tomar umas boas caipirinhas)
Barranquilla, na Colômbia, é
um forno durante todo o ano, exceto quando as brisas que vêm do mar atravessam
o rio Madalena esfriam um pouco o ambiente trazendo geralmente chuvas que
inundam as “calles” e as “carreras” muitas delas transformadas em imensos e
altos canais coletores de águas de chuva, os “arroyos”. Essas chuvaradas
tropicais arrastam pessoas, carros, tudo o que estiver pelo caminho. Os robalos
que se pescam no Madalena quando sobem o seu curso, são mais gordos dias após essas
chuvaradas.
Eis um breve resumo do que
me contou:
“Quem a olhasse não chamaria
a atenção. Essa mania de as espiãs de filme serem todas boazudas, gostosas,
atraentes, curvilíneas, é pura ficção. Espiã que se preza passa desapercebida e
só é gostosa quando tira a roupa e se entrega ao desvario. São frias e
calculistas, mas quando necessário são quentes e não entendem nada de
matemática. Aquela pelo menos era uma espiã perfeita. Precisavam de alguém
confiável que tivesse uma posição de liberdade no projeto e que pudesse entrar
e sair a qualquer hora. Encontraram-me por indicação de um americano no longo
verão de 12 meses em 1982. Pediu-me sigilo absoluto perfeitamente
compreensível. Por isso ninguém entendeu porque motivos me davam regalias que
mais ninguém tinha no projeto, como, por exemplo, viajar todas as semanas a
Barranquilla nos aviões do projeto quando havia prazos rígidos a serem
obedecidos de permanência dentro das grades do projeto. Havia guardas e postos
de controle, uma equipe da CIA, um porta-aviões e alguns navios de guerra
pairando ao largo da costa norte da Colômbia. No projeto, um posto do exército,
da marinha e da aeronáutica com dois pequenos aviões tomados do tráfico. Pensava-se
que naquela sala - sempre fechada e com acesso restrito - as mensagens cifradas
se devessem à “confidencialidade” de assuntos da companhia. Não era apenas para
isso. Era ali que também a CIA atuava nas comunicações. O objetivo, diminuir o
tráfico de drogas e caçar o inimigo público número 1, Pablo Escobar, chefão do
cartel de Medellín. A revista Forbes chegou a quantificá-lo como o sétimo homem
mais rico do mundo, controlando cerca de 80% de toda a cocaína a nível mundial.
Alugaram-me uma casa ao lado de um outro traficante “tolerado” pela polícia de
Barranquilla. Todos no projeto achavam que fora por acaso essa coincidência e
quando os guarda-costas deste traficante evitaram um assalto à minha casa,
ninguém ligou nada com nada. Era tudo uma sucessão de coincidências que
passavam desapercebidas.
A espiã que veio do forno de
Barranquilla trabalhava como fiscal de contratos. Isso lhe dava a mobilidade
que necessitava. Todas as empresas contratadas se estendiam desde os
contrafortes da serra de Santa Marta, onde se cultivava maconha e coca, até o
porto de minério. Pelo caminho abriam-se aeroportos nas areias do deserto, a
trator, em um só entardecer. Quando a noite caía, pelas seis da tarde,
colocavam umas latas com combustível que acendiam quando ouviam o ronco dos
motores dos aviões de contrabando. Em menos de cinco minutos a carga era
embarcada, o dinheiro recebido. Em mais dez minutos nada havia no local. Apenas
uma pista que jamais voltaria a ser usada. Aviões chegavam carregados de coca
vindos da Bolívia e do Peru. A carga ia para Miami, de onde vinha o dinheiro. As
FARC jamais chegaram á Guajira, nem vindas da Venezuela, nem do Panamá, do
Equador, nem dos demais Departamentos da Colômbia. Enquanto durou o projeto,
entre 1982 e 1985, o mundo viu o tráfico de drogas faturar cerca de nove
bilhões de dólares.
Encontrávamo-nos, a espiã e
eu, no meu trailer no projeto, ou na minha sala em Coltabaco. Quando tirava a
roupa, mostrando todo o seu corpo, era perfeita e bela, quente como Baranquilla.
Também nos encontramos certa vez em Cali numa visita a uma empresa que desejava
participar de concorrências como parte do procedimento de pré-qualificação. O
cartel do tráfico de Cali era antagonista do Cartel de Medellín de Pablo
Escobar. Algumas das maiores empresas de construção serviam para lavagem de
dinheiro do tráfico. Estava explicado porque as FARC não se aproximavam do
projeto que se estendia ao longo de 500 km, parte na selva, parte no deserto de
“la Guajira”, um imenso lençol de carvão subjacente. Soube pelo traficante que
morava ao lado de minha casa na praça da termoelétrica, em Barranquilla, que
Pablo Escobar estaria de visita nessa cidade para uma reunião com o pessoal do
tráfico. Queria um acordo para dividir parte do mercado com o pessoal do Cartel
de Medellín. Foi numa festa da escola onde meus filhos estudavam. A liberdade
era tanta para a gente do tráfico, que o meu vizinho traficante disponibilizou
um avião para levar as crianças da escola de passeio aéreo sobre a cidade. Algo
deu errado, porque Pablo Escobar não compareceu. A uns dois quilômetros do
projeto, na semana seguinte, dois agentes da CIA foram mortos a pedradas num
local conhecido como Casa Blanca, para dar a impressão de vingança pessoal de
gentes de um povoado de índios guajiros para os quais existe a dívida de
sangue: sangue se paga com sangue. Na verdade esses agentes estavam na pista de
uma viagem de Escobar às imediações do projeto onde iria verificar as condições
das pistas de aterrissagem. Estava perdendo muitas cargas e muitos dólares tinham
sido apreendidos.
Tivemos sucesso em algumas
atividades, como aquela em que descobrimos que um gerente em Rioacha, uma
cidade perto do porto, usava dinheiro do tráfico para fazer os seus próprios
negócios. Um dia a CIA foi até Rioacha, apanhou o sujeito, levou-o para o
projeto numa Toyota com escolta, onde pegaram um avião para Barranquilla.
Chegaram dez minutos antes do vôo para Miami. Entraram com o sujeito no avião.
Deve estar preso até hoje numa prisão americana. Um gerente de contratos foi
sumariamente demitido. Dois aviões carregados de dinheiro, vindos de Miami,
quando pousaram, não encontraram a carga para levar. Quem os recebeu foi a CIA,
as cargas já apreendidas. Num entardecer um avião da base decolou com 19
soldados a bordo. Interceptaram um avião do narcotráfico que abateram, mas na
volta à base encontraram as luzes do aeroporto apagadas. Pousaram num espaço
reduzido de uns duzentos metros num local de pré-soldagem de trilhos depois de
terem perdido a cauda do avião ao aproximar-se e baterem nuns cabos de alta
tensão ainda sem carga elétrica. Fui até o local. As pernas do piloto tremiam
quando desceu do avião, todos sãos e salvos. Nunca se perguntaram no projeto
como se sabia dos vôos e dos horários do tráfico, nem porque razão alguns
interessados nada podiam fazer para me tirar do projeto.
No final de 1985 tive meu
ultimo encontro com a minha bela espiã. Minhas atividades terminavam com o fim
do projeto. Ela continuou por mais alguns meses até que toda a atividade de
fechamento das contas do projeto, já em operação, terminassem. Nunca mais soube
dela. Tem no peito um colar de esmeraldas que visto por alguém será apenas uma
jóia. Para ela muitas e boas lembranças. Foi uma pequena parte do pagamento extra
da CIA. “
Rui Rodrigues
PS- Leitura complementar
sobre o tráfico de drogas
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