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quarta-feira, 8 de agosto de 2012

História infantil -Maya e os piratas do Peró








Era uma vez uma menina muito linda que falava tudo, era muito alegre, inteligente, e tinha muitos amiguinhos e amiguinhas.  Só tinha três anos, corria muito depressa, e era muito brincalhona. Mas era rebelde, contestadora e cheia de “razões” que explicava com todos os detalhes. Todos gostavam dela. Costumava sonhar com fadas, especialmente a fada “Aurora”. Com uma varinha de condão vermelha, costumava fazer “mágicas” com a mãe, o avô e a avó. Gostava de apanhar “sustos” e depois ria às gargalhadas, pedindo para repetir. Para se ter uma idéia de como enfrenta as dificuldades da vida, basta dizer que um dia, ao caminhar distraída e olhando para trás no seu apartamento, bateu com a cabeça no umbral da porta. Quando todos estávamos esperando que começasse a chorar, deu-nos de presente, uma bela gargalhada que só terminou dez minutos depois, enquanto coçava a cabeça.

Um dia foi visitar o avô Rui na casa da praia do Peró. Deu milho às galinhas, colheu um ovo vermelho da Giselda caipira de pescoço depenado, foi à praia, comeu uma caixa de bombons de chocolate e depois de almoçar a comida feita pela vovó e pela mãe, foi dormir. Foi dormir contra vontade e choramingando. Queria voltar para a praia, mas àquela hora o sol estava alto e a mãe não a deixou ir. Aquele sol fazia muito mal à pele.  

Não se lembra como chegou à praia, que estava anormalmente cheia de gente. Era uma gente diferente. Chegou até a pensar que ainda estivesse dormindo, mas abandonou logo essa hipótese, porque as pessoas eram muito reais, e havia muitos barcos com velas e mastros. Eram piratas, sem dúvida alguma, porque já os tinha visto em livros. Não pensava que existissem, que eram apenas personagens de histórias inventadas. Mas estavam ali, bem perto, enchendo e carregando umas caixas de madeira com colares de pérolas, moedas e estátuas de ouro, porcelanas chinesas, tesouros imensos que levavam para botes junto à praia. Ventava muito e havia nuvens negras no céu. As roupas esvoaçavam e ouviam-se gritos para apressar o trabalho antes que chovesse. Alguns piratas usavam chicotes e todos traziam espadas na cintura, pistolas de um tiro só enfiadas na cinta que traziam enroladas na cintura. Usavam botas curtas de couro, braceletes, muitos deles usavam uma venda preta num dos olhos. Maya sentiu medo e ao voltar-se para trás, para sair correndo de volta para casa, deu de cara com um pirata alto e forte, que tinha uma venda negra num olho, um papagaio sobre um dos ombros e uma macaquinha no outro. O papagaio estava tentando bicar a macaquinha e esta dava petelecos no louro. Parecia que não gostavam um do outro, ou que tinham ciúmes.

- Quem é você? – perguntou o pirata grandalhão.
- Sou a Maya! Mas você não me conhece. Vou embora para casa. Deixa-me passar!  Você é muito feio, seu pirata doido, cara de cabeça. Vou embora. Fui! Maraschicovola...
- Não vai não! – disse o pirata franzindo os olhos. Não tenho tempo de levar você em casa e não vou deixá-la por aqui sozinha. Vou te levar comigo. Meu nome é “Papacaco”, nome que me deram por andar sempre com um papagaio e um macaco nos meus ombros. Podemos ser bons amigos.

Pegou na Maya com um braço só, segurou-a pela cintura e com se fosse uma melancia, levou-a para um dos botes. Maya gritava, esperneava, mas ele não a largava. Entraram no bote, e o pirata gritou:

 - Vamos!Remem, preguiçosos! Suas mulas coxas!

Foi assim, ainda esperneando, que Maya olhou para trás e conseguiu ver a praia se afastando enquanto os remos dos remadores do bote faziam barulho na água ao impeli-lo na direção do maior dos barcos que se viam ancorados. Dele vinha uma música muito bonita de cavaquinhos violão e tambores, e havia até uma flauta. Maya estava gostando da música, mas estava muito triste. Queria voltar para casa e agarrar a mãe, beijá-la, enchê-la de beijos. Já estava com saudades. Achou que não deveria ter desobedecido e saído para a praia. Lembrava ainda da mãe dizendo-lhe que fosse dormir e que mais tarde iriam até a praia. Quando reparou já estava subindo a bordo do barco enorme, ainda segura pela cintura, esperneando. Ia ser raptada. Sentia que nunca mais veria as pessoas que amava. Já achava que nem eram tão chatas como pensava por vezes, quando a contrariavam. Quando subiu a amurada e pisou no convés, viu um espetáculo de movimentos: marujos limpando as tabuas do chão com enormes esfregões de pano, outros descendo por cordas enquanto as velas subiam, outros preparando os canhões, o cozinheiro correndo atrás de um porco fujão para a cozinha, outros afiando espadas. Alguns usavam pernas de pau e todos usavam lenços coloridos amarrados na cabeça ou chapéus de couro. Lá em cima, no topo do mais alto mastro. A bandeira negra com uma caveira e dois ossos cruzados tremulava ao vento. Maya pensou que talvez até fosse um carnaval daqueles que via na televisão, mas não era. Era muito real porque ela não apenas “via”. Ela estava “lá”, ali mesmo, junto com eles. Quando começou a ouvir uma gritaria muito grande, percebeu que eram ordens para zarpar. O barco partiu deixando a praia ainda mais longe. Levaram-na então para um quarto onde ficou por dois dias. Depois deixaram que ela andasse por toda a nau. A tripulação começou então a gostar muito dela e elegeram-na princesa do barco. Percebeu que havia sempre um lado bom até em piratas. Brincavam muito com ela e por momentos chegava a pensar que não era assim tão ruim estar no meio deles, mas quando se lembrava da mãe, começava a gritar para todos os que lhe passassem pela frente, chamando-os de “cara de cabeça”, “seus doidos de cara”. Eles riam e ainda gostavam mais dela.

Um dia, que Maya já não percebia quanto tempo tinha passado desde que fora levada pelos piratas, os barcos fundearam ao largo de uma ilha com um castelo bem no alto de um morro no centro da ilha. Maya perguntou ao pirata Papacaco o que iam fazer. Ele disse que iam assaltar o castelo.

- Vocês vão bater nas pessoas que estão lá no Castelo? – perguntou Maya indignada.
- Vamos! Não se pode assaltar e roubar o ouro deles, dos que estão lá dentro, porque eles não deixam a gente roubar. Então temos que bater neles.
E com um gesto, mandou atirar com os canhões. Ouviram-se dois estrondos mais fortes que fogo de artifício, e as duas bolas de pedra que saíram dos canhões junto com uma labareda de fogo bateram nas paredes do castelo abrindo dois buracos enormes.

- Mas você não pode fazer isso, seu “cara de cabeça”. Isso machuca muito. Olha, eu tenho uma idéia – Disse Maya, sorrindo para o pirata Papacaco. Minha mãe tem muito, muito mesmo... Muito leite de chocolate... Eu dou todo ele para você e assim você não bate nas pessoas do castelo. É muito bom o leite de chocolate da minha mãe. Você vai gostar, seu “cara de cabeça”. Maraschicovola!

- Então está bem... - Disse o pirata – Vamos voltar e pegar todo o leite de chocolate da tua mãe. E gritou para a tropa de Piratas:

- Retirar!... Bando de pernas de pau. Vamos apanhar leite de chocolate!

Então as portas do castelo de abriram e veio gente comemorar com os piratas porque já não iam ser atacados. Fizeram um grande almoço onde não faltou leite de chocolate só para a Maya, que agora era uma princesa ainda mais bonita. Tinha convencido o pirata Papacaco a não atacar o castelo. Dançaram muito e Maya dançou para todos verem. Bateram muitas palmas. Maya disse para o pirata:
- Você vê, seu cara de cabeça? Minha mãe trabalha e não bate em ninguém. Você podia fazer o mesmo. Porque não trabalha em vez de roubar o que é dos outros?
O pirata ficou pensativo. Olhou para ela, sentou-a no colo e disse:
- Nunca me tinham falado assim. Você, minha amiguinha Maya, é muito legal. Acho que vou fazer isso mesmo.

Quando já ao anoitecer, de barriga cheia, os piratas se preparavam para voltar para os barcos, tinham uma surpresa. Os barcos estavam em chamas. Não tinham como voltar para a casa da Maya para apanhar o leite de chocolate. Então Maya puxou a calça do pirata Papacaco e disse-lhe:

- Olha, eu tenho uma idéia muito boa. Boa mesmo. Mas tem que fazer como eu vou dizer. Ta?  (O pirata disse que sim com a cabeça). Maya continuou: Sabe, seu pirata “cara de cabeça”, aquelas garrafas de refrigerante que vocês tomaram lá no castelo? Tapamos a boca das garrafas, amarramos com cordinhas, botamos na cintura e vamos todos nadando.

- Mas é muito longe... – gemeu o pirata!
- Vamos conversando e eu te conto uma historinha. Ta?

E lá foram mar afora, nadando, com Maya contando uma história sobre a fada Aurora, o chapeuzinho vermelho. Depois contou histórias dos backyardigans e outras historinhas que ela sabia. Contou até dez em inglês e em português enquanto abria seus dedinhos da mão um a um e ensinou algumas palavras em inglês que ela também sabia. Quando chegaram á praia estava muito cansada de ter nadado a noite inteira, e adormeceu ali mesmo, nos braços do pirata que agora ia passar a vida trabalhando honestamente.

Quando acordou já estava na hora de ir para a praia.

Rui Rodrigues,
O avô babão, cara de cabeça!

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