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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Crônicas do Peró - 1001- Uma odisseia do benguela


Minha filha em S.Paulo, num workshop, minha neta de sete anos que tentava dormir com a avó, e com a camiseta da mãe enfiada no corpo, pergunta-lhe:
- Vó!... Pra que lado fica S. Paulo?
E depois de saber pra que lado ficava, foi virada pra lá que se aninhou e dormiu pensando na mãe. Mãe é sempre mãe, e filhas e filhos bem criados sempre dão excelentes e bons pais. Sentem-se saudades uns dos outros!

Foi assim, tranquilo e já com saudades, que hoje pela manhã esperei minha netinha acordar, dei-lhe bom dia, tomamos café juntos, me despedi dela e enquanto a avó ia no Super fazer compras, voltei para Cape Cold City, porque também tenho a minha vida.

Para um observador que acompanhasse com GPS extremamente sensível a minha viagem de volta ao paraíso, e registrasse todos os meus movimentos num gráfico, desde a saída do paraíso numero 2, veria coisas do arco da velha!  

1- No gráfico (a três dimensões)ao alto, veria uma linha saltitante sempre acompanhada pelo tempo, ligando dois pontos ao nível do mar, mas subindo e descendo, até uma altitude de uns 300 metros no máximo. Saltitante por causa  dos buracos nas estradas que os pneus dos ônibus saltam aos solavancos, e a altitude por causa da serrinha que ele tem que galgar até ao destino. A viagem demorou seis horas neste gráfico. No início o piso do ônibus estava quase a meio metro do chão, depois ficou a meros 30 cm quando encheu, e quando chegou ao destino até os pneus se aliviaram. Os passageiros não, por completa e total falta de banheiros. Uma barbaridade do tempo dos navios negreiros que pode provocar AVCs.
 
2- No gráfico (a três dimensões)aplastado o ponto inicial e o final da viagem eram os mesmos do outro gráfico, ao alto, mas embora o trajeto demorasse também seis horas a percorrer, havia duas dimensões que agora mostravam na horizontal, para a direita e para a esquerda, as curvas do percurso e a outra, o tempo. Eram poucas as retas. Se a escala fosse reduzida, todos os passageiros vomitariam sem banheiros para se aliviarem. Nem panos limpos de encosto, nem sacos de papel. A companhia chama-se "1001" que lembra mais a dentadura de um amigo meu benguela sem dois dentes centrais na frente, do que uma "Odisseia no espaço"... A frota de "ônibus dos velhinhos" pouco mais parece que um cacareco! Saudades da "Cometa".
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Aprende-se várias coisas nestas viagens, como o fato de termos três dimensões no Universo e uma quarta, o tempo, inseparáveis para se definir o que quer que seja, e que subindo, descendo, indo para a direita ou esquerda, o tempo sempre vai junto em qualquer direção. Aprende-se também que a péssima administração faz os passageiros se sentirem como escravos por falta de banheiros e conforto. Os fiscais do governo devem ser amicíssimos dos donos da tal "1001" um benguela na estrada, pra pensarem que está tudo nos "conformes". Se está ou não de acordo com a lei? Se estiver, que a revejam!
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Um GPS grampeado nos olhos e no coração, pareceriam simular erupções vulcânicas, e girar de cabeça assim como ventilador apressado. A meu lado, uma morenaça com aquelas pernas bem torneadas, com penugem dourada, pendentes de generosa saia short bem curtinha, um rabo de enlouquecer gringo, peito de adormecer urso, cintura de pegar pra dançar, um corpo de fechar mercado, dar torcicolo, bater com as fuças em postes, arrebentar com a viatura. Ela sabia que eu estava apreciando discretamente e foi boazinha. Virou-se de lado para a janela com a perna cruzada, deixando a bela paisagem à mostra. Somente eu poderia ver o que estava vendo. Na frente, com quem vim conversando, a dona dos mais belos olhos azuis que já vi, enormes como botões. Viajava com a mãe e a filha. Há uma idade cruel em que não sei, mas parece que sim, mas nunca se sabe se é bondade ou vontade, que quando se pensa que já se pode decidir alguma coisa, a oportunidade já passou e as viagens acabam. A memória, essa, e a vontade, vão ficando.
           
Rui Rodrigues 

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