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domingo, 11 de dezembro de 2016

Fingindo "ques" pela vida afora...


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Foi num ônibus de Cabo frio para o Peró. Tanto eu quanto o ônibus quanto os passageiros, a tripulação, o mundo lá fora,éramos reais. A moça que subiu no ponto antes da ponte, também, mas chegou deslumbrante em seu corpo maravilhoso, e aquele olhar prescrutador e languido procurando admiração de admiradores possíveis. O andar era assim meio tropego como é moda. Com os meus 71 anos não poderia competir com olhares mais jovens, portanto fingi não perceber o olhar da moça e me escondi atrás dos  meus óculos escuros para continuar a apreciar-lhe a "figura". Mas entre ela subir, pagar a passagem, e em seu "apogeu" de entrada deslumbrante se agarrar ao balaustre, foi tudo muito rápido. O ônibus chegava na ponte, virava à direita e a menina tombava no colo de um passageiro. Fingi que não sorri, fingi que não vi, ela fingiu que nada tinha acontecido, e vai continuar sem prestar atenção no que importa realmente vida afora, fingindo que não importa. O que importa é a "figura", a imagem que se passa, sem se saber que imagem realmente se passa!

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Quando cheguei em casa e finalmente pude sentar-me para escrever estas linhas, pensei também em fazer uma lista de coisas que nos rodeiam e "fingimos que". Fiquei impressionado e resolvi escolher uma meia duzia de "banalidades" que não são nada banais. Muitas vezes "fingimos que" por praticidade ou para não nos incomodarmos. Por exemplo como ainda hoje no supermercado quando vi a senhora com o filho de uns 7 anos, escolhendo lascas de bacalhau. Mas aquilo não era de bacalhau nem lascas. Eram metades salgadas de pequenos peixes. Sequer mostravam o "curtimento" do peixe. Tinham separado os filés dos pequenos peixes e os salgado há relativo pouco tempo. Pensei em avisar a senhora sobre a fraude, como se ela não soubesse, mas me arrependi. Provavelmente a senhora sabia, e aquele "bacalhau" era o que ela podia comprar. A criança nem perceberia, muito provavelmente, ou fingia que não percebia. Fingi também que estava mais cansado do que realmente estava e fingi que o responsável pelo supermercado não escutaria uma reclamação minha. Em todo caso, para simples peixe salgado estava muito caro. Não comprei. Este ano não tem bacalhau no pré-natal.
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Eu mesmo resolvi me fazer um pré-natal. Comprei uma garrafa de vinho, um queijo roquefort e dois pacotes de creme-cracker, meio quilo de castanhas e fingi que era Natal, como nos tempos em que fingi apreciar essa festa familiar em casa de meu pai, mesmo com todos discutindo sobre banalidades que os separariam em futuros natais. A ceia veio depois da libação, da queijação e da castanhagem. A sobremesa adormeceu exausta!
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Nós fingimos, a humanidade finge, todos fingimos, não era apenas o poeta de Fernando Pessoa que fingia ser dor, a dor que apenas sentia. Ainda hoje fingimos não ter importância que Lula não devolva os objetos que levou do Palácio e que pertenciam ao Estado. Fingimos não ter importância que Lula e Dilma tenham arrombado o Brasil, Dilma assinando tudo. Fingimos que Temer seja honesto mesmo sabendo que desviou milhões, fingimos que pelo menos um politico nosso - em Portugal ou no Brasil- seja honesto e que ao votarmos nele tudo melhore. Fingimos que "não sabemos votar" mesmo sabendo que somos obrigados a votar naqueles que os Partidos nos indicam, assim como "prato feito" de políticos sujos. Fingimos que os partidos sejam honestos. Enfim, fingimos até que amamos este modernismo em que ninguém é de ninguém, e todo mundo é livre pra transar com quem quiser desde que não seja a nossa cara metade. Somos uma civilização! Somos Ocidentais!... Ou também fingiremos, digo eu...

Também podemos fingir que eu não escrevi isto e que ninguém leu.

Rui Rodrigues

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