Frame Um
Esta crônica começa numa visita que um descendente meu me fez, convidando-me para visitar a minha família no futuro. Jamais imaginei que meus genes pudessem ter tanto sucesso, mas de trilhões de genes, meus descendentes ainda tinham uma meia dúzia herdada apenas de meus avós, pais e de mim mesmo, 20 mil anos depois deste ano de 2016, o que não deixa de ser notável. Chegaram numa noite de setembro de 2016, perguntaram em meu ouvido se eu queria visitá-los, eu disse que sim e acordei num quarto decorado ao estilo desta década de 2.000 e "dezes": Uma janela com cortina, uma cama simples, um móvel com uma TV em cima, um armário embutido, uma porta para a sala e outra para o banheiro, uma cômoda. Um laptop na mesinha de cabeceira junto a um abajur. A mesinha de cabeceira tinha portinhola com penico. Achei estranho a portinhola e o penico, e ia me levantar quando a porta se abriu deixando entrar as vozes num português muito esquisito mas agradável ao ouvido. Um casal entrou no quarto. Tinham os olhos puxados, eram morenos de olhos azuis. Vestiam roupas coladas ao corpo como se fossem uma segunda pele. Consegui entender que iam me deixar sozinho e passar um filme sobre o que havia para além daquele quarto para que eu não tivesse um "choque cultural" e me sentisse tão eufórico ou tão infeliz que pudesse ter "morte" instantânea... Viagens no tempo eram possíveis sim... Mas a lei número um desde que as viagens se tornaram possíveis foi: "Nunca deixe pistas de que viajou no tempo. Pode matar os seus ancestrais, como seu avô, por exemplo, e você deixar de existir".
Frame dois
Na foto um dos andares onde vive uma família média de cinco pessoas em 22.016 DC. Os robôs fazem todo o trabalho de cultivo, manutenção, etc...
O povo daquele futuro provava-me que homens e mulheres não precisavam uns dos outros para viverem, apenas precisavam de sua "tradução", de seu significado e certamente de seus genes, mas estes já se armazenavam em nitrogênio liquido a temperaturas próximas do zero absoluto.
Frame Cinco
Depois das comemorações, minha família me encheu de abraços, e me comunicaram que infelizmente teriam que se despedir de mim porque as viagens não permitiam mais que dois dias de convívio que estavam chegando ao fim. Prometeram que se ganhassem a gincana me depositariam umas granas boas através de um "input", um "flash" quando eu fosse jogar na Megassena. Eu ganharia o premio maior porque adivinharia as seis dezenas, mas se esqueceram de dizer quando. Nem fizeram as contas, eu creio, para saberem durante quanto tempo eu ficaria vivo ainda, a partir de setembro de 2016. E foi assim que voltei para aquele quarto com uma velinha de recordação do bolo virtual de aniversário, e umas lembranças que nem me recordo mais se foram reais, virtuais ou produto de sonhos. Garanto que não tenho nem uma velinha de aniversário em casa, e que nunca acertei na Megassena. Então, para todos os efeitos, ainda podemos acreditar que, felizmente, tudo o que leram não corresponde a uma realidade do futuro, mas apenas a uma perspectiva virtual, uma hipótese de um total de tri-bi-hexa-bilhões de hipóteses muito mais plausíveis.
Quando me senti em casa, preparei um spaghetti mais pra espaguete que para spaghetti, com molho de carne e linguiça calabresa, com um toque de coentros, queijo ralado e azeite das montanhas hibéricas. Ainda joguei um pouco de farinha de mandioca bem torrada sobre os líquidos do prato para deixar a comida mais encorpada...
Mas... O que fazia aquela boneca tipo robô em cima de minha cama, me esperando?
® Rui Rodrigues
Esta crônica começa numa visita que um descendente meu me fez, convidando-me para visitar a minha família no futuro. Jamais imaginei que meus genes pudessem ter tanto sucesso, mas de trilhões de genes, meus descendentes ainda tinham uma meia dúzia herdada apenas de meus avós, pais e de mim mesmo, 20 mil anos depois deste ano de 2016, o que não deixa de ser notável. Chegaram numa noite de setembro de 2016, perguntaram em meu ouvido se eu queria visitá-los, eu disse que sim e acordei num quarto decorado ao estilo desta década de 2.000 e "dezes": Uma janela com cortina, uma cama simples, um móvel com uma TV em cima, um armário embutido, uma porta para a sala e outra para o banheiro, uma cômoda. Um laptop na mesinha de cabeceira junto a um abajur. A mesinha de cabeceira tinha portinhola com penico. Achei estranho a portinhola e o penico, e ia me levantar quando a porta se abriu deixando entrar as vozes num português muito esquisito mas agradável ao ouvido. Um casal entrou no quarto. Tinham os olhos puxados, eram morenos de olhos azuis. Vestiam roupas coladas ao corpo como se fossem uma segunda pele. Consegui entender que iam me deixar sozinho e passar um filme sobre o que havia para além daquele quarto para que eu não tivesse um "choque cultural" e me sentisse tão eufórico ou tão infeliz que pudesse ter "morte" instantânea... Viagens no tempo eram possíveis sim... Mas a lei número um desde que as viagens se tornaram possíveis foi: "Nunca deixe pistas de que viajou no tempo. Pode matar os seus ancestrais, como seu avô, por exemplo, e você deixar de existir".
Frame dois
Deixaram-me sozinho com a TV ligada. Ela era em 3D mesmo, no duro, e projetava uma imagem no quarto em três dimensões que quase se podiam tocar. Levantei-me, e me coloquei no meio do programa que passava, e incrivelmente aquele pessoal todo interagiu comigo, me apertou a mão, as meninas me deram beijos. Minha estatura fora reduzida instantaneamente ao tamanho deles. Não havia raças humanas... Eram todos de mesmo padrão: Olhos puxadinhos, pele morena, uns louros, outros de cabelo ruivo, preto, olhos verdes, azuis, castanhos, cor de mel. Havia um pessoal com cartazes pedindo cotas em universidades para pessoal com olhos cor de mel. Tudo isto no meio de uma praça com vistas para... Isso mesmo... Com vistas para os céus. A praça imensa estava situada num enorme edifício que deixava as nuvens a pelo menos uns dois quilômetros abaixo. Fui até a janela, abri-a, e vi a praça, as pessoas, minha imagem apareceu na TV. Sorri! Tinham-me dado as boas vindas. O programa continuou mostrando imagens do planeta. Era tudo selva, pradarias, e onde antes existiam cidades agora havia apenas meia duzia de edifícios em cada uma. Parecia não haver carros, trens, ônibus, nada...
Nenhum tipo de transporte, nem aviões ou navios. Os edifícios eram enormes, é certo, mas mesmo assim notava-se que as populações haviam sido drasticamente reduzidas...
Frame três
Uma locutora contou rapidamente que essa queda drástica na população se devera a uma grande crise existencial atribuído ao inconsciente coletivo, mas que os cientistas não estavam convencidos, porque nesses casos as populações mais atingidas são sempre as mais cultas por terem mais consciência e conhecimentos da realidade e que não tinha acontecido assim. As populações de África, por exemplo, quase haviam desaparecido. Desconfiava-se de algum movimento terrorista que tivesse dizimado as populações. Os chineses foram os que mais sofreram. Havia suspeitas também de um plano internacional de governos unidos para "viabilizar" a vida no planeta que antes estivera sujeita a um crescimento "idiota" sem controle algum, cada um botando filhos no mundo à toa, sem fundamento ou necessidade, apenas pelo "prazer" de ter filhos. Dizem também, que os "altruístas" acharam a vida tao difícil que acabaram por concluir que não valia mais a pena viver, visto a vida ser uma "virtualidade" que aparece, dura pouco e desaparece como se nunca tivesse existido. Então se perguntaram para que fim deveriam existir, e não tendo chegado a conclusão, se suicidaram. Ninguém nunca acreditou nisso. Atribuem toda essa confusão a uma seita que se cansou de esperar a volta de Jesus e desistiu. Nem havia mais Papas homens. Eram todas mulheres e de outros tipos. E agora os prazeres eram outros. Sexo era a unica droga natural humana permitida em todas as instituições e em qualquer lugar, sob quaisquer circunstâncias.
Quem fazia todo o trabalho agora, eram os robôs. Trabalhavam quase gratuitamente (salvo reparos no seu exoesqueleto ou atualização de soft e hardware) e para uma população mundial reduzida agora a pouco mais de uns quinhentos milhões de pessoas, que trabalhavam duas horas por dia, dormiam sete horas em média e se divertiam o resto do tempo. O Paraíso havia chegado. A Terra tinha colonias em Marte e no planeta Europa. Ainda não havia sinal de extraterrestres. Mercadorias e pessoas se transportavam por subterrâneos.
Nenhum tipo de transporte, nem aviões ou navios. Os edifícios eram enormes, é certo, mas mesmo assim notava-se que as populações haviam sido drasticamente reduzidas...
Frame três
Uma locutora contou rapidamente que essa queda drástica na população se devera a uma grande crise existencial atribuído ao inconsciente coletivo, mas que os cientistas não estavam convencidos, porque nesses casos as populações mais atingidas são sempre as mais cultas por terem mais consciência e conhecimentos da realidade e que não tinha acontecido assim. As populações de África, por exemplo, quase haviam desaparecido. Desconfiava-se de algum movimento terrorista que tivesse dizimado as populações. Os chineses foram os que mais sofreram. Havia suspeitas também de um plano internacional de governos unidos para "viabilizar" a vida no planeta que antes estivera sujeita a um crescimento "idiota" sem controle algum, cada um botando filhos no mundo à toa, sem fundamento ou necessidade, apenas pelo "prazer" de ter filhos. Dizem também, que os "altruístas" acharam a vida tao difícil que acabaram por concluir que não valia mais a pena viver, visto a vida ser uma "virtualidade" que aparece, dura pouco e desaparece como se nunca tivesse existido. Então se perguntaram para que fim deveriam existir, e não tendo chegado a conclusão, se suicidaram. Ninguém nunca acreditou nisso. Atribuem toda essa confusão a uma seita que se cansou de esperar a volta de Jesus e desistiu. Nem havia mais Papas homens. Eram todas mulheres e de outros tipos. E agora os prazeres eram outros. Sexo era a unica droga natural humana permitida em todas as instituições e em qualquer lugar, sob quaisquer circunstâncias.
Quem fazia todo o trabalho agora, eram os robôs. Trabalhavam quase gratuitamente (salvo reparos no seu exoesqueleto ou atualização de soft e hardware) e para uma população mundial reduzida agora a pouco mais de uns quinhentos milhões de pessoas, que trabalhavam duas horas por dia, dormiam sete horas em média e se divertiam o resto do tempo. O Paraíso havia chegado. A Terra tinha colonias em Marte e no planeta Europa. Ainda não havia sinal de extraterrestres. Mercadorias e pessoas se transportavam por subterrâneos.
Na foto um dos andares onde vive uma família média de cinco pessoas em 22.016 DC. Os robôs fazem todo o trabalho de cultivo, manutenção, etc...
Frame quatro
Quando acabei de ver o programa na TV, fui caminhando até a porta. Meus descendentes me aguardavam. Eram cinco. Uma neta, a mãe, um avô, em linha direta, e o pai da menina e a avó como família associada. Não pude fazer-lhes muita companhia porque eles se alimentavam com pilulas que engoliam com água. Podiam também injetar alimentos de forma intravenosa. Pra mim tinham um bolo virtual de chocolate com velinhas e tudo como nos velhos tempos. Estava ótimo! Eles quiseram ser muito simpáticos e disseram que essa minha "viagem" se devia a um programa que o governo havia patrocinado, tipo gincana. Quem levasse ao programa o ancestral mais distante ganhava uma viagem a Alfa-centauro e a perpetuação de seus genes que seriam incluídos em novas incubações de humanos. Perguntei se podia dar uma transadinha - a ultima depois do limite no tempo em que morrerei, já que estou fazendo vivo uma viagem ao futuro - E me disseram que sim, com umas profissionais das melhores que existiam no planeta, todas robôs. Fiquei impressionado com o avanço da tecnologia. Nem as mais lindas neguinhas de engenho dos tempos da colonização, nem as mais lindas mulheres dos saloons americanos dos tempos das carruagens, nem as mais lindas mulheres do "Batôn Rouge" parisiense as superavam... Passei bons minutos com elas.
Quando acabei de ver o programa na TV, fui caminhando até a porta. Meus descendentes me aguardavam. Eram cinco. Uma neta, a mãe, um avô, em linha direta, e o pai da menina e a avó como família associada. Não pude fazer-lhes muita companhia porque eles se alimentavam com pilulas que engoliam com água. Podiam também injetar alimentos de forma intravenosa. Pra mim tinham um bolo virtual de chocolate com velinhas e tudo como nos velhos tempos. Estava ótimo! Eles quiseram ser muito simpáticos e disseram que essa minha "viagem" se devia a um programa que o governo havia patrocinado, tipo gincana. Quem levasse ao programa o ancestral mais distante ganhava uma viagem a Alfa-centauro e a perpetuação de seus genes que seriam incluídos em novas incubações de humanos. Perguntei se podia dar uma transadinha - a ultima depois do limite no tempo em que morrerei, já que estou fazendo vivo uma viagem ao futuro - E me disseram que sim, com umas profissionais das melhores que existiam no planeta, todas robôs. Fiquei impressionado com o avanço da tecnologia. Nem as mais lindas neguinhas de engenho dos tempos da colonização, nem as mais lindas mulheres dos saloons americanos dos tempos das carruagens, nem as mais lindas mulheres do "Batôn Rouge" parisiense as superavam... Passei bons minutos com elas.
O povo daquele futuro provava-me que homens e mulheres não precisavam uns dos outros para viverem, apenas precisavam de sua "tradução", de seu significado e certamente de seus genes, mas estes já se armazenavam em nitrogênio liquido a temperaturas próximas do zero absoluto.
Frame Cinco
Depois das comemorações, minha família me encheu de abraços, e me comunicaram que infelizmente teriam que se despedir de mim porque as viagens não permitiam mais que dois dias de convívio que estavam chegando ao fim. Prometeram que se ganhassem a gincana me depositariam umas granas boas através de um "input", um "flash" quando eu fosse jogar na Megassena. Eu ganharia o premio maior porque adivinharia as seis dezenas, mas se esqueceram de dizer quando. Nem fizeram as contas, eu creio, para saberem durante quanto tempo eu ficaria vivo ainda, a partir de setembro de 2016. E foi assim que voltei para aquele quarto com uma velinha de recordação do bolo virtual de aniversário, e umas lembranças que nem me recordo mais se foram reais, virtuais ou produto de sonhos. Garanto que não tenho nem uma velinha de aniversário em casa, e que nunca acertei na Megassena. Então, para todos os efeitos, ainda podemos acreditar que, felizmente, tudo o que leram não corresponde a uma realidade do futuro, mas apenas a uma perspectiva virtual, uma hipótese de um total de tri-bi-hexa-bilhões de hipóteses muito mais plausíveis.
Quando me senti em casa, preparei um spaghetti mais pra espaguete que para spaghetti, com molho de carne e linguiça calabresa, com um toque de coentros, queijo ralado e azeite das montanhas hibéricas. Ainda joguei um pouco de farinha de mandioca bem torrada sobre os líquidos do prato para deixar a comida mais encorpada...
Mas... O que fazia aquela boneca tipo robô em cima de minha cama, me esperando?
® Rui Rodrigues
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