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quinta-feira, 18 de agosto de 2016

1012 - Armadilhas do amor - 2012



1012 - Armadilhas do amor - 2012

No ano de 1012, a iluminação se fazia com tochas embebidas em óleos, não havia vasos sanitários, escrevia-se com penas de pato cortadas e os ricos com penas de pavão. As notícias eram dadas por velozes cavaleiros, e as carroças eram o meio de locomoção mais veloz quando os cavalos não morriam exaustos ou as rodas não se quebravam. Os perfumes eram o antídoto nada eficaz para os maus odores do corpo. Ninguém ainda imaginava que as doenças se transmitiam pelo contato, pela respiração, pela falta de higiene. Diziam que Deus levava as almas dos corpos e rezavam-lhe penhoradamente para que suas almas fossem preservadas. As mulheres eram preservadas com cintos de castidade para que nas longas ausências de seus maridos lhes fossem fiéis. Não raro os homens, sempre atarefados na arte de lutar contra tudo e qualquer coisa, usavam tripas de porco que enfiavam em seus prepúcios para evitar o nascimento de filhos indesejáveis. Os homens enfiavam seus órgãos genitais em vaginas através de um buraco no lençol de sexo, para não terem que furar todos os lençóis. Também para que crianças demasiada e insistentemente curiosas não ficassem perguntando para que servia aquele buraquinho no lençol. Nem imaginar que se pudesse fazer sexo fora de casa, a não ser nos campos sob árvores ou no meio de milharais, ou em estalagens de prostituição, das quais D. Rodrigo era freqüentador contumaz.

Em 1012 o povo judeu foi expulso de Mainz, na Alemanha, com a omissão do Papa; Mael Morda começou uma rebelião contra Brian Boru na Irlanda, que só terminaria em 1014 com a batalha de Clontarf; O rei Máel Coluim mac Cináeda de Alba derrotou uma armada dinamarquesa na Baía de Cruden em Buchan, que eventualmente deu o nome ao Buchanan'sum excelente Whisky por sinal; Suleiman foi reposto como califa de Córdoba com o título de Umayyad, sucedendo a Hisham II, e Oldrich sucedeu a Jaromir como duque da Boêmia; o califa al-Hakim ordenou a destruição de todos os lugares de adoração judaicos e cristãos; o arcebispo Alphege de Canterbury é assassinado pelos seus captores dinamarqueses; o papa Benedito VIII sucedeu a Sérgio IV como o 143º Papa e Gregório VI transforma-se no antipapa.

Em 2012, mil anos depois, o mundo tem energia elétrica proveniente de muitas e diversas fontes de energia; os vasos sanitários fazem parte do nosso dia a dia e quem está apertado usa banheiros de casas comerciais onde se aproveitam os momentos para paquerar o gênero oposto ou até o mesmo gênero; depois da pena de pato, descobriu-se a caneta com bico de metal, e a caneta tinteiro, mas já ninguém sabe para que servem, se lhes mostrarmos uma, porque tudo se digita em computadores; automóveis em terra, navios no mar e aviões no céu, nos põem em qualquer lugar do mundo antes que o sol se ponha, embora as rodas continuem a furar; Continuamos a usar perfumes adoidado, mas tomamos banho todos os dias, e quem não toma fede mesmo que não sinta o cheiro; sabemos como se transmitem as doenças e nos preservamos, evitando assim idas constantes á igreja para pedir a Deus que não nos leve a alma. Aprendemos que podemos fazer esse pequeno trabalho de Deus, mas que um dia iremos mesmo contra a vontade; as mulheres já não se preservam por que usam preservativos em pílula ou em confortáveis invólucros de látex; homens e mulheres continuam lutando mas muito mais por emprego do que em guerras, consumindo-lhes o tempo que deveriam dedicar á família. Prepúcios se enfiam em vaginas em qualquer lugar, a qualquer tempo, seja com quem for, desde que se agrade, mutuamente, á primeira ou à enésima vista.

Mas nem tudo mudou. Algumas coisas continuam iguais.

Era primavera em Abril de 1012. D. Rodrigo Vaz partia para uma guerra com seu séqüito. Na noite anterior, à luz de uma só tocha, fez um sinal para a sua mulher, bela, com seus 27 anos de idade, já mãe de dois filhos, mas inteira, como se fosse virgem. Ana Bentes entendeu o olhar. Aprendera a conhecer os desejos de seu marido a quem atendia em tudo, não fosse perder seus atributos de castelã, ou levar umas tapas por conta da fúria de seu sempre furibundo marido. Tinha outros desejos de outros, mas o preço era muito caro. Não corria risco. Assim, apanhou o lençol com o furo no meio, levantou os saiotes com seu marido de costas, enfiou-se debaixo do lençol, abriu as pernas e deixou que seu marido a penetrasse com fúria. Gemeu de dor porque estava seca, sem a mínima vontade de ser possuía, mas deu a seus gemidos um tom diferente, soando como se adorasse o vai e vem bruto D. Rodrigo. Quando este acabou, foi no armário, apanhou o cinto de castidade e colocando-o na mulher, passou-lhe a chave que pendurou em seu cordão de ouro, ao pescoço. Deitou-se, dormiu. Na manhã seguinte, depois de alguns conselhos à bela Ana Bentes, partiu com seu séqüito para a fronteira. Ana disse-lhe adeus à porta levadiça do castelo. D. Rodrigo olhou com olhar duro sobre a multidão, como se avisasse para que se portassem bem em sua ausência. Quando o séqüito já ia longe e não passava de alguns pontos ao longe, Ana chamou o armeiro de D. Rodrigo.

Lúcia Maria, 35 anos, fogosa, quente, estava casada há alguns anos. Talvez uns quinze. Seu marido já não era o mesmo. Embora fizessem sexo várias vezes por semana, não mais de três, nunca menos de uma não era propriamente o sexo que a deixava afogueada, desejando cada homem que via na rua e que lhe chamasse a atenção. Era o gosto por novidade, como quem precisa de experiências novas. Algo como comer uma lagosta ao térmidor, ou caviar de vez em quando para variar do feijão com arroz. O marido, Pedro Luiz, ia viajar no dia seguinte e ficaria fora por dois dias. Chegou em casa cedo, tomaram um banho e saíram para jantar fora. Curiosamente, Pedro pediu uma lagosta ao térmidor e Lúcia uns canapés de caviar. Foram para casa. Na volta rolaram na cama, fazendo tudo o que tinham direito. Eram bons nisso. Sua mulher já não suspirava ou gemia como dantes, mas isso ele atribuía à idade. Discretamente, ligou um pequeno botão escondido atrás do armário, e a pequena câmara escondida num canto da sanca do teto, começou a funcionar.  Passaria a controlar pelo celular se sua mulher o traía. Partiu na manhã seguinte, contente, feliz, para a guerra diária do trabalho. Guerreava para mantê-lo, para ser promovido, para poder dar conforto em casa. Sua mulher também trabalhava, mas juntos tinham um poder aquisitivo bem melhor. Logo que saiu, Lúcia desceu também para o trabalho. Pelo celular ligou um número. Atendeu uma voz de homem maduro, dos seus cinqüenta anos. Disse-lhe Lúcia: - Já saiu. Já estou indo pra lá. E desligou.

O armeiro chegou esbaforido aos aposentos de Ana Bentes. Fez uma vênia à bela castelã, que logo mandou afastar as duas aias. Logo que saíram, o armeiro pegou uma chave idêntica á do marido, D. Rodrigo Vaz, e ali mesmo, o armeiro a possuiu sem lençol furado, com todo o carinho e a ânsia de meses a fio sem poder tê-la nos braços. Quando acabou, entregou a chave a Ana Bentes que dispensou o armeiro e mandou entrar Nuno d’Andrade, o belo e jovem cavaleiro, uma promessa para o futuro das batalhas de D. Rodrigo. Com esse passou a noite inteira entre desmaios. O membro de Nuno não teve mãos a medir e passou a noite inteira mudando-se de uma toca para outra, gozava de prazer com os lábios ávidos da já quase consolada castelã.

No Motel, quando Armando chegou ao quarto, Lúcia já o esperava completamente nua, o rosto sorridente virado para a porta de entrada, suas nádegas arredondas sobressaindo sobre os pés cruzados com as pernas levantadas. Os seios abriam-se carentes. Um banho rápido, a roupa pelo chão, Armando dedicou-se ao prazer de dedilhar aquela bela mulher que lhe permitia até o guloso traseiro que negava ao marido. Corretor de imóveis, já se conheciam há bastante tempo e sempre que havia uma possibilidade de ausência do marido, Lúcia telefonava. Já sabiam onde se encontrar, porta do quarto do motel aberta. 

Como nem tudo mudou de 1012 para 2012, quando D. Rodrigo chegou da batalha e Pedro Luiz voltou do trabalho, entraram em casa e olharam ao redor, tudo estava arrumado, a casa florida, cheirosa, as esposas suspirando de saudades. O cinto de castidade tinha sido uma garantia eficaz e a câmara na sanca do teto cumprira a sua função.

Rui Rodrigues
(Conto publicado no "Bar do Chopp Grátis", em 2012)

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