O que é emigrar[i]
- Portugueses
(não é fácil falar sobre isto, ainda mais quando a
verdade dói, mas precisa ser dita)
Na minha terra cultiva-se a
vinha, e ainda que nos tempos de hoje algumas religiões insistam na proibição
de vinho, lembro-me sempre de Adão, Abraão, Salomão, Jesus, cultivando a vinha.
Bebo sem nunca ter apanhado uma bebedeira a ponto de ficar nu diante dos
filhos. E para falar em emigração portuguesa tenho que abrir uma garrafa e
começar a sorvê-la gole por gole. É um assunto difícil de abordar porque se
trata na verdade de uma diáspora por pátria madrasta, bem diferente da judia. A
nossa sempre foi evitável. A judia não. A nossa se deve a desinteresse pátrio.
A judia, a perseguições por povos estrangeiros. Mas tenho que me sentir como
judeu português, porque 40% da população tem sangue judeu e meus sobrenomes de
família não o podem nem querem negar. Sou duplamente emigrado por duas razões
distintas.
Mas antes de falar sobre a
emigração, devo esclarecer um assunto que demonstra até que ponto a ignorância e as paixões
religiosas podem provocar as minhas lamentações que choro nas ruínas do muro do
templo. De ascensão judia, minha avó paterna chamava-se Maria de Jesus Pinto
Nogueira, meu pai Gabriel Rodrigues Monteiro, e minha mãe, Maria Adelaide
Nogueira. Ao darem-me o nome de Rui Alberto, o normal pelas leis portuguesas
seria chamar-me Rui Alberto Nogueira Monteiro, mas á revelia de minha mãe,
chamaram-me de Rui Alberto Rodrigues Monteiro porque as famílias em certo ponto
da convivência passaram a não se suportar. Todas as divergências na aldeia de
Fornelos costumam ficar nas alcovas e no silêncio sem ser levadas a praça
pública. Ninguém sabe de nada, mas as coisas acontecem. Quando eu tinha dez
anos, para entrar no Liceu precisei de uma certidão de nascimento. O nome que
nela constava era ainda mais indecente: Rui Alberto Monteiro Rodrigues. Agora,
por erro proposital e não por coincidência, passei a não ser nem filho de meu
pai, nem de minha mãe, mas de uma mulher chamada Monteiro e de um homem chamado
Rodrigues. Em minha terra bebe-se regularmente – é terra de vinhos - mas não de
forma irresponsável. Curiosamente, das famílias judias mais perseguidas na
inquisição foram os Rodrigues os que mais sofreram com perdas de terras, de
bens, de religião, de vida queimada em fogueiras que diziam ser santas.
A emigração portuguesa
Nós portugueses gostamos
muito de fazer sexo. Somos amantes do sexo, e emigrados, não fazemos distinção
entre raças, e quer seja índia, negra ou amarela, tanto homens quanto mulheres
nunca fizeram qualquer distinção. O rei Salomão também não. Uniu-se á rainha de
Sabá dando origem a grande prole. No entanto, sempre mantivemos uma população
no entorno dos 11 milhões de habitantes há já alguns séculos. Não somos de ter muitos
filhos por casal, a vida sempre foi difícil, e o excesso sempre foi empurrado
para fora por falta de interesse dos governos em criar condições de vida para
os filhos da pátria. Emigramos desde o século XVI e ainda mais a partir do
final do século XIX, quando os portugueses emigraram em levas e começaram a
mandar para a metrópole as fortunas que adquiriam fora das fronteiras,
impossíveis de ganhar dentro delas. Como hoje, ainda. Para quem precisava
emigrar ficava sempre um sentimento: Seria o emigrante um falhado na vida, que
contrariamente aos demais não conseguia sobreviver
em sua própria pátria? Seria um incapaz? Mas depois de breve analise de suas
capacidades e de sua vida, ficava a certeza de que sim, era capaz. O problema é
que não havia oportunidades para todos. Não eram criadas oportunidades para
todos. Os governos já dispunham de bastantes fundos mandados para o tesouro
nacional como reservas para uma vida futura em sua pátria, consumindo o que
ganhara fora dela. Os governos usaram esses fundos, sempre, e financiaram
guerras, e compraram ouro como lastro e emprestaram e beneficiaram empresas
portuguesas com esses fundos. Nos últimos anos Portugal se manteve com dinheiro
de emigrantes e do turismo. Meu bom pai disse-me uma frase que se usa muito
entre emigrantes no Brasil: “Pátria é onde a gente se sente bem”. Abraçou o
Brasil sem esquecer Portugal, eu tentei mas não consegui. Abracei o Brasil,
tenho Portugal como mãe madrasta, amo os portugueses e ainda mais as
portuguesas, exclusos de culpa porque não sabem[1],
não conhecem: 40% ainda são tecnicamente analfabetos porque só sabem escrever o
nome quando muito. Poucos sabem de história, ciências gerais ou exatas e destas
muito menos.
Meu pai aprendeu a arte da
alfaiataria. Seu pai, meu avô, tentara a aventura no Brasil, onde se associou a
donos de bares e perdeu dinheiro. Voltou com uma “pleurisia líquida” que lhe
foi consumindo os pulmões e as propriedades. Fora enganado pelos sócios do
Brasil, e depois pelos médicos que lhe prometeram cura ainda sem a descoberta
da penicilina que o salvaria. Quando a penicilina chegou a Portugal, meu avô
estava morto e os dois filhos homens menores de idade trabalhavam nas minas de
volfrâmio que era exportado para a Alemanha de Hitler. Essa exportação de
volfrâmio rende a Portugal, ainda hoje, uma posição menos privilegiada entre os
aliados ocidentais. Esse minério destinado à fabricação de tanques Panzer matou
muitos dos que nos davam a mão. Outras políticas de aproximação com os aliados
aliviaram essa situação, mas não anularam a impressão histórica de que “jogamos
com um pau de dois bicos”, como medida esperta de quem não pode ser inteligente
nem sensível. Nosso governo da oportunidade não foi inteligente por apostar no
lado errado, e não foi sensível, porque Hitler era um predador de judeus, um
apologista da predominância de raças, e portugueses não são da raça alemã.
Entre um copo e outro,
durante um almoço, sentados no sofá, falando em particular com meu tio Ângelo,
meu pai contava triste:
- Imagina que um dia pensei
em montar uma alfaiataria e precisava comprar algumas coisas, dentre elas uma
tesoura de alfaiate e um ferro de passar, daqueles a carvão. Falei com pessoas
da família e amigos, mas não vais acreditar: Ninguém me emprestou dinheiro, uma
porcaria, uma ninharia, para me ajudar. Isso
deu-me tanta tristeza que resolvi emigrar. O tio, irmão da tua avó, minha mãe,
mandou-me uma “carta de chamada” do Brasil, e arrumou-me um quarto para passar
uns dias. Em dois meses já tinha o meu apartamento que depois comprei. Em dois
anos montei a minha loja, a “Alfaiataria Motta” e chamei o teu tio Ângelo para
ser sócio. A família é muito importante na vida da gente, nossos reais e únicos
amigos com quem se pode contar. E mesmo assim, tens que abrir o olho, meu
filho.
Sábio pai, sábio tio que
aprenderam de meus avós paternos a educação que lhes deram. Gente que sobrevive, e vive, sem favores de
ninguém, quando por vezes até um abraço ajuda. Ajudaram muita gente porque
souberam o que era não terem ajuda.
Não enganaram brasileiros
para ficarem bem de vida. Não fumaram, não beberam em demasia, só compraram
carro por volta dos cinqüenta anos de idade, não andaram em círculos sociais
para gastar e mostrar que tinham dinheiro, sem se escusarem de uma ou outra sem
criar hábitos, economizaram e reaplicaram o dinheiro, e ao fim de um par de
décadas, tinham sete lojas. O caixa era o bolso de tantos fregueses, e o
dinheiro ia para o Banco no Brasil e para a Caixa Geral de Depósitos em
Portugal. Trabalho honesto, gente honesta, bons frutos. Dos filhos não seguiu
carreira universitária quem não quis. O mundo mudou e ninguém passa fome.
Outros portugueses chegaram
ao Brasil. Muitos. Milhares. Centenas de milhar desde o final do século XIX até
este século XXI portugueses são obrigados a emigrar por falta de
“oportunidades”. Emigram em diáspora para todos os países do mundo. Uns
dormiram em alcovas, amassaram o pão que o diabo amassou, e todos, de uma forma
ou outra, se integraram à sociedade brasileira, à sociedade americana, à
sociedade alemã, francesa, inglesa, do Liechtenstein, do Canadá, México,
Venezuela, Andorra... São reconhecidos como trabalhadores e empreendedores
honestos. Somos um dos países que mais mão de obra oferece ao mundo
desenvolvido. Nossos governos em
Portugal teimam em não desenvolver o aprendizado, a educação, a técnica. Autênticos
portugueses emigrantes quando voltam a Portugal, com dinheiro, fugindo de
crises em países para onde emigraram e que mudaram a sua política como foi o
caso da Venezuela, são chamados pejorativamente como “retornados” ou
portugueses de “segunda categoria”. Portugueses emigrados não precisam da
pátria madrasta e, muito menos, aqueles cujos filhos hoje participam de
governos na França e em outros países. O que os move de volta à Pátria é a ilusão
da saudade, do lugar onde nasceram, e cada vez mais se depositam os lucros em
país para onde se emigrou e menos se manda para a metrópole. Ser amigo,
governar, não é tapa nas costas, sorriso de crocodilo, palavras nada mais que
palavras que, ditas a quem viajou, sofreu e vingou, não passam de palavras por
mais que a ignorância lhes diga que convencem.
Os ventos da história que
Salazar não deixava entrar em Portugal, enfunando velas de palavreado pueril e
ignóbil de ditador (com aquela voz fina de fraco vingador de bullyng infantil) chegaram
muito antes ao Brasil. Ouvi os ventos da história e compreendi meu pai e a
minha pátria. Em dois anos meu linguajar era carioca, de acadêmico, formado já
com “trinta anos de praia” no Rio, embora só tivesse 19.
Portugal é aquela minha
pátria mãe que se casou com políticos corruptos dos quais não se vê livre, e da
qual só preciso para matar saudades, seja em que lugar for, de norte a sul. Em
particular minha terra e alguns amigos de infância que ficaram. Outros emigraram
e não ouvi mais falar deles. Não os culpo por não se fazerem presentes.
Mas preciso entender se é a
pátria madrasta ou a raça. Quando descobrir, decidirei se ainda tenho saudades.
Vi no Brasil como na comunidade judia se ajudam uns aos outros e na qual tenho
bastantes amigos. Chega a parecer que são eles os “cristãos”. Um deles foi meu
padrinho de casamento. Alguns portugueses também. Mas nem todos. É necessária a
união do povo português em torno dos interesses comuns. Hoje, com a crise de
2008, os filhos são novamente obrigados a emigrar porque, por comodismo e
ilusórios benefícios próprios, deixamos que os governos se sucedam
sucessivamente sem cessar, sem mudar o que é fundamental: Dar condições ao povo
para sobreviver e viver em paz e com conforto. Se não fosse para isso, porque
razão precisaríamos de governo? Bastaria uma central de polícia e um código de
leis.
Rui Rodrigues
PS – Para novo tipo de
governo, que não explore o povo português, consultar http://conscienciademocrata.no.comunidades.net/
[1] A NET é
pródiga em informação sobre índices sobre tudo, incluindo corrupção, com o
devido desconto por falsificação ou “acomodação” de dados pelo poder público.
Digite o assunto, a palavra “índice” e terá todos.
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