A experiência do semelhante.
Ele acreditava que o universo era “algo” muito simples. Tão simples tão elegante, que se pudesse aplicar uma força de modo adequado num pedaço à toa de espaço-tempo, poderia formar outro universo distinto deste em que vivia, sem que, contudo, os dois interferissem um no outro. Era como se criasse um novo universo, com as mesmas propriedades, numa outra dimensão de espaço-tempo, os dois invisíveis um para o outro. Afinal, já era fato assente na comunidade astrofísica internacional que nosso universo tem onze dimensões. Não doze, nem dez. Onze!
Para isso, precisaria de um acelerador de partículas, hádrons, ainda maior que o da Suíça, lá em Berna, chamado de CERN. Para a sua experiência, precisaria de um que acelerasse muito as partículas a serem colididas, de forma que a alta velocidade lhes desse a energia necessária para deformarem o espaço-tempo de forma a criar um novo universo. Achava que sabia, tal como os outros físicos seus conhecidos, como Deus havia feito este nosso Universo. Exatamente com que instrumentos, não sabia, mas sabia que tudo havia começado com um enorme big-bang, uma partícula extremamente carregada de energia, quente, pouco pesada, mas com altíssima densidade, tudo beirando o infinito e que logo após a sua formação começou a inflar tal como um balão, mas a uma velocidade ainda maior, muito maior que a da luz. Nada viaja a velocidade maior que a da luz, mas a inflação não é nada que se move. Nada se move na inflação, Tudo fica em seus lugares relativos, sujeito localmente a forças da gravidade na medida em que a matéria vai sendo criada.
Todos os seus cálculos estavam bem guardados em seu computador. Uma senha toda sua era necessária para dar-lhe acesso. Seus cálculos mais recentes indicavam que nem precisaria de nenhuma partícula para iniciar um novo universo. Bastava comprimir o espaço-tempo, todo ele à sua disposição em qualquer lugar da sala, da área junto ao seu quintal, a uma pressão quase infinita, assim como uma boa martelada dada com muita força, usando uma marreta. Claro que era só uma forma de se expressar para simplificar a forma de obtenção de um novo universo. Na verdade, precisaria mesmo de um acelerador de partículas que desse a volta á Terra e não apenas um círculo de uns 5 km de extensão como o CERN lá na Suíça. Deitou-se cedo naquela noite, e antes de adormecer, ainda lançou um pensamento para Deus, feito à sua semelhança, isto é, ele é quem tinha sido feito à semelhança de Deus, podendo até, eventualmente vir a ser um Deus, porque para ser aceito como Deus, bastava construir um universo. O problema maior para seu pequeno ego, era: Mas quem o aplaudiria depois? Quem o reconheceria como Deus?
No meio da noite, acordou suado. A noite estava quente e o pequeno ventilador que sempre fora suficiente para outros dias quentes não dava vazão suficiente de ar ventilado para baixar a temperatura. Era estranha a sua casa. Mesmo em dias quentes, bastava o ventilador para sentir um pouco de frio e ter que arrumar o lençol para se cobrir um pouco, dormindo tranqüilamente, mas naquela noite não. Fazia muito calor. Levantou-se, bebeu um copo de água fresca que retirou de uma jarra guardada na geladeira fiel comprada há dez anos atrás, nova ainda, e foi até a área da churrasqueira. Sentou-se numa cadeira para apreciar a brisa da noite que soprava do mar. Sempre soprava do mar, trazendo-lhe os sons fortes das ondas batendo nas areias da praia. Sabia que os peixes têm ouvidos e sempre se impressionou como poderiam os peixes viver perto da praia com um barulho terrível e constante das ondas martelando ecos na água de uma potência tão tamanha. Não ficariam surdos? Ou esses, de perto da praia, já seriam surdos por natureza? Levantou-se. Da cadeira, pegou o copo de água vazio e ia voltar para dentro de casa quando viu o martelo, a marreta, parecida com aquela de Thor, o deus nórdico do trovão, das histórias em quadrinhos. Era apenas mais pontudo numa das extremidades. Voltou a colocar o copo vazio em cima da mesa, pegou na marreta e foi até uma pedra grande, onde costumava fazer algumas de suas simples experiências. Ele era um semelhante de Deus. Poderia fazer um novo universo sem mesmo interferir com este nosso onde vivemos. E imaginou, num acelerador de partículas construído no caminho da Terra à Lua, uma partícula sendo acelerada, aumentando a velocidade a cada trecho de um enorme túnel, acelerada por enormes aparelhos magnéticos, e indo chocar-se contra um anteparo onde estava outra partícula. O choque das duas teria a energia necessária para a criação de um novo universo.
Repetiu o pensamento, mas desta vez segurando o martelo no ar, e baixando-o com força sobre a pedra de suas experiências. O martelo baixou estranhamente mais rápido do que de costume. Ao atingir a pedra com toda a força, não conseguiu ouvir o som da martelada. Não ouviu nada mais, mas conseguia ver perfeitamente. Via o planeta Terra na sua frente afastando-se bem devagar, ainda imenso, diminuindo a cada segundo. Sentia-se numa malha como feita de linhas de pescar, uma rede. Uma porção delas onde seu corpo se diluía, se esfumava de três para duas dimensões e depois nem um ponto sequer sendo. Sentia que seu universo estava criado, mas não via mais nada, nenhum brilho, nenhuma luz. Havia uma explicação científica: A luz ainda não se formara. Só daí a 300.000 anos luz, uma imensidão de tempo, mas evidentemente que veria tudo o que acontecesse nesse seu belo universo por toda a eternidade, desde a formação de matéria até a concentração em planetas líquidos, que secariam, teriam água, onde cresceria a vida. Minúsculos seres desceriam de árvores e começariam a caminhar até se tornarem deuses. Esse era agora o “seu” universo ao qual estava indissociavelmente integrado.Sua casa, seu martelo, estavam irremediavelmente perdidos num outro universo perdido definitivamente e do qual já não fazia parte.
Agora ele era eterno, e sabia o que era ser um Deus! Só ele sabia. Mais nada nem ninguém. Sem aplausos!
® Rui Rodrigues
Pontal do Peró, 10 jan 2015
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