Creio que todos nós, os da idade madura ou melhor idade, quem já viu um pouco bastante deste mundo meio bastardo, meio legítimo, nos fazemos a mesma pergunta, ou já no-la fizemos no passado: Ligo ou não ligo o foda-se?
Já comprei uma porção de canecas de alumínio – somos o país do alumínio – mas já joguei todas fora porque a “pega” sempre fica bamba porque o parafuso de ferro enferruja. Sabem esses relógios digitais de cozinha? Já comprei uns três nos últimos cinco anos porque param de funcionar. De funcionar não, mas o ponteiro não sai do lugar e “não vale a pena consertar”. Antigamente íamos à venda do Sr. Manuel e ele nos trocava na hora e nem tinha esse negócio de “garantia” e muito menos de “garantia adicional”. E as faltas de energia, de água, ou de sinal da net ligando para as empresas terceirizadas, e aquelas esperas infernais? E o Procon que nos preconiza a solução de todos os problemas? Até mais ou menos, mas antigamente gastávamos nosso tempo trabalhando. Agora gastamos nosso tempo reclamando de tudo e não é porque “queremos mais melhoras” como disse uma senhora louca que elegeram – só pode ser por engano – como presidente. Não, não! Reclamamos porque queremos apenas e tão somente o mínimo que nem isso temos. Basta pegar um trem ou um ônibus ou vermos quantas usinas de tratamento de esgoto existem, e se tivermos dúvidas basta olhar para a Lagoa Rodrigo de Freitas que só por si já é uma imensa Estação de Tratamento de Esgotos.
Então, olhamos para lá das fronteiras com a luneta da net e com os ouvidos e olhos ligados na TV e o que vemos?
Se ligarmos o foda-se não vemos nada de importante. O que podem significar aqueles grupos de sujeitos vestidos de negro cortando pescoços de gente como se fossem de galinhas ou de perus de natal, queimando gente ainda viva, bem viva, com gasolina em gaiolas? Afinal, isso é lá bem longe, na África, e são todos muçulmanos. Por isso, “que se foda”. A Rússia invadiu a Ucrânia? E daí? Não são todos russos? Os russos que se entendam porque aqui não é Rússia. E a Venezuela sendo arrasada pelas idéias de um motorista de caminhão que resolveu se apoderar do que é certo e do que é errado porque o Congresso do país dele foi subvertido e comprado pelo antecessor que o indicou para presidente? Já morreu muita gente, mas os venezuelanos que se entendam, não é? Isto é perto sim, mas temos a tropa de selva da Amazônia supertreinada e nosso governo não é bobo, nosso país é muito grande...
Com o foda-se ligado nunca há problema e mesmo que uma coisa não tenha nada a ver com a outra, foda-se! Está tudo desculpado e explicado. Uma boa desculpa já nos faz aceitar o desconforto de nossa comodidade e de nosso conforto. Mesmo quando depois do preço da gasolina subir de dois reais para quatro em dois meses, a tal presidente vem a público dizer: “Mas nós não aumentamos a gasolina”... Que bom que até a gasolina é burra e se aumenta a si mesma! Nossa... Como é bom ligar o “foda-se”... Ficamos logo mais inteligentes e entendemos tudo, apesar de muitos que não nos entendem dizerem que somos alienados.
No passado quando a população não estava satisfeita, ia para as ruas, os artistas saiam de mãos e braços dados, gritando slogans “subversivos” (são hoje os slogans “conversivos” já que é a subversão que assumiu o poder? A cultura melhorou? ), os trabalhadores faziam greves fenomenais, mas parece que a população ligou também o “foda-se”, e cada um de nós, em frente ao computador vendo e sabendo tudo o que se passa ou xeretando na TV passando canal atrás de canal, se julga um passarinho fora do ninho onde tudo vai mal mas a população reage como se tudo estivesse bem. Cada um de nós se sente mal apenas quando se esquece de ligar o tal botãozinho (do foda-se). O problema é que há quem não saiba que o botão existe e quem se esqueça onde fica para apertá-lo na hora agá.
Não sei onde fica esse botão ou, melhor... Não quero saber. Creio que até uma borboleta que decide num determinado instante bater suas asas na direção oposta às demais que migram entre continentes, possa mudar o destino da humanidade, mas uma dessas não deveria fazer parte da teoria do Caos, e sim da teoria da Ordem. Não sou borboleta, mas bato minhas asas do conhecimento embora tenha consciência que não conheço nada. Só conheço uma tão pequena parte do todo que avaliá-lo seria temeridade. Também creio que se algum dia apertar o botão do foda-se o mundo muda, mas para pior.
® Rui Rodrigues
Nenhum comentário:
Postar um comentário