1. No Shopping
Foi agora, quase há meia hora, que não acabou de chover. Aqueles rastros de luzes no asfalto quando já é noite, dão uma falsa ilusão de vida. É movimento de vida, mas vida não é feita apenas de instantes de sinais. É sábado, véspera de dia das mães, embora todo dia seja dia das mães presentes, ausentes, ou idas definitivamente. Mesmo quem sempre amou a sua mãe não resiste ao apelo do comércio para que gaste uns instantes e algumas notas para presenteá-la. As demonstrações são sempre importantes, e há sempre daquelas que mesmo recebendo presentes o ano inteiro ficam tristes quando no dia aprazado para a comemoração não houver um daqueles que os filhos sabem que irá dar-lhe prazer. Antes de começar a chover o chão do estacionamento já estava molhado, escorregadio. Anoitecera mais cedo por causa das nuvens negras e o shopping deveria estar cheio. Mas não estava.
Não havia muitos filhos e filhas nem netos nem netas pelo shopping construído há já uns bons dez anos, o único nas redondezas. Num daqueles balcões em centro de corredor, sem paredes, feitos com puras prateleiras do lado de dentro e vitrines do lado de fora um vendedor daqueles espertos desembrulhou um par de camisetas e disse a uma criancinha de seis anos para a colocar sobre o peito para ver como ela lhe ficava bem, na frente do avô. Evidentemente que contava com sua esperteza para que a criança se olhasse no pequeno espelho e disse-se para o avô: - Avô... Gostei...Compra-me uma? Mas o avô sabia que era dia das mães – não dos netos nem dos filhos - e percebeu também o golpe baixo do vendedor. Um aceno negativo de cabeça, rosto sério e a extorsão terminou por ali mesmo. Assédio comercial deveria ser passível de punição. Um dia teremos também o assédio só no olhar, no caminhar, e ficaremos todos em casa o tempo todo, até nos dias de folga para não sermos indiciados por estes tipos de crimes. Assim nossa atenção ficará definitivamente desviada para essas grandes causas, e deixaremos as pequenas, como os roubos milionários e bilionários dos políticos para segundo plano.
Em duas mesas junto á pequena máquina de café e de chás, dois amigos conversavam sobre outros amigos. Ainda ouvi um deles dizer para o outro: - Precisas aparecer por lá. Sentem a tua falta...E não me lembro de ter ouvido resposta, mas tomaram mais dois cafés, enquanto na mesa ao lado, três senhoras de mesma idade avançada conversavam sobre banalidades, sobre os ex-maridos. Uma delas dizia para a outra -... Ah... Mas eu sempre soube. Só que não ligava até aquela vez em que... E lá ao fundo sobre uns assentos aos fundos de imenso tapete vermelho escuro, estava sentado um jovem lendo uma revista recém comprada numa livraria vazia onde as mães levam seus filhos para lerem revistas disponíveis enquanto dão uma olhada sobre os livros expostos. Um ou outro freguês compra alguma coisa. Também entrei lá com minha neta e procurei por alguma novidade em livros de cosmologia ou de física, mas não havia nenhum. Havia muitos romances, livros de auto-ajuda, de direito, um escaninho com versos, alguns de história, outros de capa dura e lustrosa com fotos de cidades pelo mundo. Não lembro de nenhum título, mas minha neta que já começa a ler aos seis anos, ficou lá junto às revistas infantis tentando ler o que estava escrito nos títulos. Foi preciso perguntar-lhe se queria ajudar a avó a escolher um biquíni para a mãe dela. Umas três vezes, porque já se havia passado quase uma hora que a avó estava lá sem se ter ainda decidido. Lojas deveriam ter uns dois ou três modelos e umas duas ou três cores de biquínis. Muitos modelos e cores geram confusão e não permitem uma escolha rápida. A boneca tivemos que escolher numa loja especializada fora do Shopping. Foi então que o céu desabou sobre o shopping vazio. Como é possível comer e deixar o lixo sobre as mesas sem se dar ao trabalho de levantar, apanhá-lo e despejar no aparato específico, ainda mais quando se trata de adultos acompanhados de crianças? Naquela mesa havia cinco.
A senhora que passou me fez espirrar e sentir falta de ar. Perfume forte. Se usasse menos, poderia comprar perfume mais caro e mais suave. Lá fora a chuva não caía. Despencava em cataratas. Alguns fumantes fumavam lá fora o que não podem fumar lá dentro: Cigarros de tabaco. Já lá fora, por toda a área, outros podem fumar á vontade o que não é permitido por lei: Crack e maconha. Cheirar até se pode em banheiro de rodoviária. Precisam inventar o bafômetro para drogas leves, pesadas e mais-que-pesadas. Vendem em pequenos pacotes de alguns gramas que nem sequer pagam impostos. Os do tabaco são absurdos. Em casa fuma-se qualquer coisa enquanto não colocam câmaras de vigilância para nos vigiarem... “Lar doce lar” é coisa do tempo em que nossas casas eram um lar. A minha ainda é.
2. Dois dias depois do Shopping
Então, chegando à rodoviária de Cabo Frio, já numa segunda-feira que é hoje, fui para o supermercado que fica a uma quadra, e comprei, além de outras coisinhas, um molho de brócolis dos quais Bill Clinton gosta muito, e chegando em casa cortei-o em pedaços pequenos, em tiras e rodelas de talos, e pus para cozinhar com três dentes de alho também cortados em pedaços bem pequenos. Sem sal, porque servirá para cozinhar com arroz ou massa. O produto da cozedura vai para o freezer guardado num “taperware”. Olhei a minha panela de aço inox e vi que está um pouco suja dentro da pega, produto de inúmeras cozeduras. Nossa indústria, a portuguesa e a chinesa merecem nota quase zero com aproximação de dois pontos decimais para mais ou para menos. A pega é tão cheia de “interstícios” que a sujeira se acumula sem percebermos. Então só se tira com WD-40 e depois com algumas lavagens para tirar o cheiro. Já aquela acoplagem que comprei para instalar uma lâmpada e que se coloca numa tomada, deve ser chinesa: As tomadas têm os furos na vertical, e a lâmpada fica na horizontal. Nem pensaram nisso. Eu nem reparei. Deveria ter reparado. Temos que ser mais espertos que eles, os industriais do consumo por “reposição obrigatória”, já que nosso governo está muito preocupado com as propinas e nem fiscaliza as impostações da importação.
Quanto á festa de minha netinha e o dia das mães, foram maravilhosos. Continuamos sendo uma família, a pesar de todas as vicissitudes da vida. O mundo pode cair. Nossa família, jamais!...
® Rui Rodrigues
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