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quinta-feira, 6 de junho de 2013

Sou desconfiado, sim, e não acredito em avantesmas.


Sou desconfiado, sim, e não acredito em avantesmas.
                        

Eu tinha dez anos e acabara de entrar para o Liceu Gil Vicente depois de penosa prova com 100 questões. Na saída da prova, um garoto metido a besta, comparando as suas respostas com as minhas, disse que as dele eram todas diferentes e que tinha certeza que iria passar, o que me reprovaria, evidentemente. Nunca o voltei a ver no Gil Vicente. Eu ia para a minha primeira aula de físico-Química, porque as duas matérias ainda eram dadas em conjunto numa só cadeira. O professor, para nos incentivar ao estudo fez uma experiência e garatujou uns símbolos acompanhados de sinais de mais e de igual e produziu um produto aquecido que fumegava de um tubo de ensaio. A cor era de laranja e o cheiro também de laranja [1]. Fiquei impressionado. Meu professor tinha construído uma laranja líquida dentro de um tubo de ensaio, mandando às favas a teoria da criação, a Bíblia Sagrada, e comecei a entender como que Jesus tinha transformado água em vinho... Perguntei-lhe se podia cheirar novamente e ele espanejou a mão por cima do tubo de ensaio, perto do meu nariz, para que não aspirasse muito o vapor do tubo. Mas em compensação, comecei a desconfiar de tudo o que me diziam que era, que não era, que faziam ou deixavam de fazer. Nada era o que parecia. Além das características diferentes da laranja líquida do mestre para as naturais, é que não se podia beber. Aquilo era um produto destinado a dar sabor a uma bosta qualquer e vender sob a apresentação de balas e doces e até bolos com sabor de laranja. Uma enganação que continuamos a comer deliciados. Somos um bando de ignorantes cuja maioria não assentou o rabo em cadeiras de escola, por culpa exclusiva do Estado Moderno, essa enorme e assombrada avantesma que gasta todo o dinheiro dos nossos impostos em festas, viagens, pompa e gorjetas para os amigos daqueles que elegemos inadvertidamente pensando que nos representam. Vejam que já naquela época eu não era lá muito crente de qualquer coisa que me apresentassem, e nem acreditava em avantesmas.

Meu professor já faleceu, o Gil Vicente continua lá e já lhe fiz uma visita onde se lembraram de mim porque de certa forma “marquei época”. Mandamos para a rua em plena ditadura militar três professores por completamente inadequados e incompetentes: Um deu um tapa num aluno quando ele disse que não acreditava em Jesus Cristo como Deus; o outro passava deveres para casa como se fosse o único no colégio, e não nos dava tempo para os trabalhos das outras matérias; e o terceiro não sabia nada das matérias e só falava sobre o que tinha trazido escrito de casa em longa “cola”.  Das três vezes, como chefe de turma, representei os alunos e fui falar pessoalmente com o reitor, o digníssimo Sr. Joaquim Romão Duarte [2] que jamais esquecerei.

Já não faço provas para concursos nem para admissão em universidades por absoluta falta de talento e tempo para outras atividades. Na verdade gasto meu tempo com coisas a que ninguém dá muita importância, como a Democracia Participativa, porque parece não haver muito talento nem tempo disponível por pessoas como aquele cara sem graça e petulante que disse que tinha a certeza de ter passado na prova do Gil Vicente porque suas respostas eram totalmente diferentes das minhas. Estão auto convencidos que não há nada de novo nem melhor para o que já têm. Ele teve que fazer a prova novamente no ano seguinte. Quando me formei ele ainda deveria estar fazendo provas. E outras pessoas que também não têm tempo, como aquelas que acreditam em avantesmas que andam a rondar os navios do conhecimento, a escuridão da ignorância, as praias do desmazelo social, as florestas da abstinência do pensar. Alguns até acreditam em coisas inacreditáveis tais como extraterrestres, duendes, Cavaco Silva e Uri Geller. Perguntam-se outros: Seriam os deuses astronautas? Mas comum a todos eles é mesmo que acreditam em avantesmas, algo muito parecido com gambosinos que saem pela noite montando excrescências que fazem navegar com rumo usando dois palitos queimados de fósforo como remos e remam indefinidamente sem descanso, alegres e felizes, num vaso sanitário como se fosse um universo. São os democratas representativos, os comunistas ideológicos com ou sem ideologia, os socialistas ávidos por uma conta bancária às custas dos trabalhadores, os que gostam e adoram um vermelho numa bandeira antes azul verde e amarela. Num carnaval, do Rio a Veneza, fariam parte de um bloco inconfundível: O bloco do “Mundo volta para trás, dá-me o tempo que perdi”...

Estes continuam, tal como avantesmas, rondando as urnas, as bocas de urna, procurando um benefício de um  político em troca de votos, um cargo, uma pensão, uma bolsa mesmo que não tenha família. São os “pecorinos”, aqueles que através de PECs vão transformando a Constituição nacional num imenso e escuro papel higiênico já usado e não confiável. Querem mudar tudo, reverter a lei, soltar os bandidos e prender os inocentes, transformar pobres em ricos e ricos em pobres, e para isso nem querem saber se a saúde pública os atende ou não, se há ou não segurança pública, se o tráfico de drogas diminui ou não, se nas escolas se ensina como se deve ensinar, desde que tenham sua entrada livre para um mundo de sonhos onde os ricos serão punidos e os pobres abençoados sendo destes os reinos dos céus de Brasília.

Hoje em dia Brasília tem apenas dois céus importantes: O do PT e do PMDB. Os outros fazem o papel de “base aliada”. Em ambos há também infernos, mas os diabos que cuidam deste lugar só aparecem para bater o ponto por três dias e depois somem quatro dias por semana. Ganham salários celestiais esses demônios. 

O que se pode esperar de avantesmas no poder, com confiantes avantesmas que reclamam todos os dias daquelas e mesmo assim continuam votando nelas? E é impressionante como votam há décadas de décadas sem repararem que podem mudar o sistema, mas sem ousarem mudá-lo... O que os governos nos proporcionam hoje em dia, é um emprego quando há, e um futuro de escravidão para os empreendedores que ficam pagando juros extorsivos por anos a fio até morrerem. E, sem dúvida, já se nasce escravo quando se pede financiamento para estudar em universidades... Se houver emprego para poder pagar de vez em quando, será muito... O mais provável será ficar desempregado de vez em quando e prorrogar o prazo de pagamento ficando cada vez mais escravo. Os banqueiros tomaram conta do mundo. 

Rui Rodrigues





[1] É o flavorizante Etanoato de Octila, cuja fórmula é CH3 - COO - C8H17 .... E não tem nada de laranja.
[2] Ele tinha um corpo delgado, franzino, parecendo sempre que ia tombar, mas tinha um espírito determinado, livre e forte como um raio... Grande Reitor ...

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