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quarta-feira, 10 de junho de 2015

A crise do “Oh”!




1.   Um Oh há 2.200 anos.

Já imaginaram a sensação de um grego dizer em praça pública: Eureka... Eureka... Eureka... Descobri que um corpo sólido jogado numa banheira transbordante transvaza uma quantidade de água exatamente igual ao seu volume. Isto dito assim de repente lá em Siracusa, há 2.200 anos atrás, no meio da rua, deve ter provocado gritos de “cruz, credo”, ou o raio que o valha, porque ninguém tinha pensado nisso nem sabia para que servia. Mas o que mais se ouviu foi “Oh!” bem exclamativo, mas no fundo com a mesma intenção de “cruz credo” e o significado interrogativo de “ Para que serve isso?”.Houve quem dissesse: - Olha... É o maluquinho do Arquimedes! E nem ganhou nenhum prêmio Nobel. Pergunte numa roda de quadradinho de oito se alguém sabe quem foi Arquimedes e o que descobriu. Mas sabem que podem mudar os seios e a bunda com implante de silicone, e que há produtos para deixar os músculos tão arretados que o mulherio vai chover mais que na horta do Venceslau, que também ninguém sabe quem é e até mora nas redondezas. Se alguém disser “Eu sei”, passa por ser alguém “que se acha” e quer aparecer no meio como sabichão. Nunca mais fará amigos no meio.

Mas mais “Oh”, foram aparecendo desde então. Não muitos, é verdade, mas foram aparecendo de vez em quando.

2.   Um Oh bem molhado há 700 anos.

Diziam que a Terra era redonda. Diziam. A maioria pelas ruas comentava:
- Ouvi dizer que a Terra é redonda, mas ninguém ainda provou... Só quero ver! Não vão provar nunca!
-Quem disse?
- Um tal de Nicolau Copérnico, dizem uns, Galileu Galilei, outros, Giordano Bruno outros ainda, mas os padres já os mandaram calar. São hereges!
(E note-se que ainda hoje há quem diga que nunca pisamos na Lua...).
Então, um belo dia veio a notícia para dirimir todas e quaisquer dúvidas. Outro maluco, este português, saiu com umas caravelas penduradas ao pescoço e deu a volta à Terra. Infelizmente morreu no caminho e foi um tal de Sebastião Del Cano que acabou chegando ao mesmo ponto de partida.
Pelas ruas, praças e campos do mundo, muita gente se benzeu e disse:
- E então as tartarugas que sustentam a terra pra onde foram? Não as encontraram? Vão ver... Comeram-nas para não morrerem de fome... Uma viagem tão longa assim... Mas muitos disseram: Oh!... Com a boca bem aberta. Mas no fundo todos penaram: Tá... E daí? A Terra é redonda, mas para que serve isso? E não faltou quem julgasse:
- A Terra sempre foi uma placa grossa sustentada por tartarugas. Se ficou redonda foi só agora. Amanhã as tartarugas voltam a sustentá-la. São uns hereges!

E começaram a aparecer uma porção de Oh, nos anos seguintes. Estava-se na Renascença e a ciência tinha pressa, e mesmo sendo hereges, foram sendo aceitos pelos padres. Alguns padres se transformaram em cientistas.

3.   Um Oh de 70 anos atrás.


Já há muitos séculos se dizia que a matéria, essa coisa dura onde pisamos, que trabalhamos para fazer objetos, desfeita à marretada iría chegar a um ponto que seria apenas pó. A partir daí não se poderia dividir mais. Era um átomo puro. Se fosse pó de vidro a menor partícula era um átomo de vidro, se fosse de sabão era um átomo de sabão... Quem disse isso foi um sujeito inteligentíssimo chamado Demócrito, mas ele não podia saber ainda que mais tarde descobririam uma nova ciência chamada Química. Isso que ele descobrira era apenas um grupo de moléculas de sabão, vidro ou de qualquer outro material, composto de vários átomos diferentes. Também disseram que ele era louquinho de atar. Nem lhe deram bola, ninguém fez “Oh”. Morreu sem a glória de um “oh”.

No entanto, aquela sementinha do tal do “átomo” começou a fazer sentido para muita gente, e Rutherford e Bhor conseguiram deixar todos os alquimistas na rua da amargura ao descobrirem as propriedades dos átomos, e isolar uma porção deles. A Química moderna começava a dar os primeiros passos, a perfumaria francesa a prosperar. Antes deles, o que a cerveja, o vinho e o Whisky continham era “espírito” porque deixavam nosso espírito mais alegre. A partir deles o que continha mesmo era álcool puro diluído. Então apareceu a cachaça. Mas Albert Einstein foi ainda mais longe. Muito longe. Descobriu que o átomo é energia pura, concentrada, unida por forças tão fortes que é impossível separar suas partes - os prótons nêutrons e elétrons - sem uso de forças imensas, incapazes de serem produzidas em laboratórios, oficinas, fábricas. Para separar esses átomos é necessário usar materiais que só por si já emitem partículas naturalmente, os materiais radioativos como o Urânio e o Plutônio.
Muitos se perguntaram para que serviria isso...

E um ‘Oh” dilacerante, como um urro de fera ferida, se escutou pelo mundo inteiro quando duas bombas nucleares foram detonadas no Japão há quase exatos 70 anos. Seria estupidez nossa estabelecer uma comissão da verdade para julgar os que mandaram os primeiros cientistas para uma fogueira por apenas falarem verdades que soaram como bombas, ou cientistas que fabricaram as bombas atômicas, ou até pelos que as lançaram.



A partir daí todos os dias temos novidades de nos fazerem dizer “Oh” e batermos palmas, mas estamos meio insensíveis para isso de tão habituados que estamos. Quem poderia imaginar que já se pode implantar uma cabeça no tronco de pessoa diferente, ou até da mesma, se a pessoa for degolada, que estamos quase prontos para irmos a Marte, que as doenças que atazanaram a vida da humanidade estão quase todas extintas, e que ainda não conseguimos decidir a questão do aborto, o uso de maconha, a eliminação das gangues das drogas, os roubos na administração pública, qual dos deuses é realmente o único neste planeta?



Estamos deveras insensíveis, e continuamos fazendo as mesmas perguntas. Oh, muitos Oh e palmas só para platéias educadas em programas de TV para dizerem que estão agradando, e mesmo assim em programas de calouros, ou de apresentadores de programas, os ídolos da sociedade amorfa e anônima. Somos uma Pátria Educadora de quê?

Mas no fundo há sempre um prazer oculto em todos nós que nos redime das amarguras... A certeza que passamos a perna nos marcianos. Vamos chegar na terra deles antes deles terem chegado aqui...

® Rui Rodrigues

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