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quarta-feira, 25 de junho de 2014

Andou aí pelo mundo doando o corpo em troca de carinhos...

Andou aí pelo mundo doando o corpo em troca de carinhos...

(crônica de uma alma em qualquer lugar do vetor tempo e espaço, independente de gênero).


... Lavando-se e perfumando-se para atrair, para lavar o cheiro e o sabor dos dias já passados, como se assim toda a alma ficasse lavada. Carência de companhia, carência de amor mesmo que só desejo, sem nunca ter encontrado respostas para o mundo em que viveu. Teve muito tempo de sobra em sua vida, mas nunca desejou o conhecimento com os calafrios do suor do estudo porque o imediato era-lhe muito mais importante e premente. Ajudou as outras almas certamente, e há até testemunhas, mas sempre o fez ora para apaziguar a sua moral que lhe apontava um rol de erros irreparáveis com os quais não podia conviver, ora para que lhe dissessem, até pelas costas, que ali estava uma boa alma. Chegou até a ajudar almas para lhes conquistar a admiração, e até por compensação de seus desvarios anteriores. No dia de seu funeral seu corpo saiu inerte e duro de uma cama de hospital para a laje também fria do chão do necrotério, ali colocado displicentemente por funcionário apressado que não encontrou outro lugar enquanto aguardava o rabecão. Um mar de gente em passos comedidos e lentos acompanharam o féretro murmurando de olhos postos no chão que aquele corpo, agora sem vida, tinha sido uma grande alma.


Tinha vivido - na pobreza e na riqueza - sob a capa de uma pele genética que diziam ser linda na cor, na textura e na forma, apenas uma capa ilusória de um corpo interior sanguinolento da ponta dos pés ao mais interior de seu cérebro, preso com músculos moventes a um esqueleto ósseo. Quem via o corpo o admirava. Quem lhe via a alma se dividia: uns a amavam, outros a detestavam. Mas viveu a vida intensamente apreciando flores pelo cheiro e pela aparência, olhando o firmamento sem saber como se sustenta sem cair, trabalhando com a firme convicção que seu salário serve apenas para se sustentar e seu trabalho para compensar o favor de lhe terem dado essa oportunidade de trabalhar. Os impostos eram um bem necessário não importava como fossem usados. Não era seu atributo julgar o que não podia entender.  E se soubesse, se tivesse todo o conhecimento do mundo, que diferença lhe faria? Sempre achara que o que justificava a vida eram os bons momentos, a alegria, o conforto, a segurança, o prazer e para isso era necessário ter dinheiro. Como consegui-lo tinha que parecer honesto aos olhos de duas entidades: A justiça e o conceito dos amigos e conhecidos. Se aos olhos de alguma destas entidades seus atos não parecessem honestos, poderia perder a liberdade ou o convívio. Sua vida passou então a ser dependente de sua esperteza em apregoar seu lado bom, esconder seus males e suas maldades na vida. Quem via essa alma escondida num corpo coberto por uma pele bem dotada geneticamente, jamais poderia perceber o rio negro que lhe inundava o dia a dia. O mundo era de aparências, de sorrisos, de mostrar sentimentos treinados em família, nas escolas, em sociedades, também escondidos em família, nas escolas e para as sociedades. A teatralidade não como expressão para divertir, mas como expressão para sobreviver o melhor que pudesse. Tinha sido assim a sua vida, sempre caminhando ao longo de um corredor cheio de portas fechadas, outras abertas, algumas fechadas que pôde abrir, algumas abertas que não escolheu para entrar.


Teve que passar por cima de muitos conceitos e muita gente durante sua breve vida. Primeiro começou a transgredir em pequenas coisas, como roubar um brinquedo de outra criança ou comer biscoitos sem autorização. Aprendeu que as pessoas cuidam muito desse tipo de bens materiais e se cuidam muito para não serem roubadas. Não valiam o risco de tentativas de furto que poderiam ser detectadas e causar-lhe um enorme dano irreversível a seu conceito na sociedade em que vivia, mas aos poucos foi aprendendo que só havia dois meios de lesar os outros sem que percebessem: Ou tendo poder para amedrontar fazendo calar a vitima e impor sua vontade, ou agindo sobre a ignorância alheia, quando só muito tarde as vítimas percebiam que tinham sido logradas, sem provas para apelarem junto à justiça, ou contarem a verdade para a sociedade à sua volta. As vítimas geralmente escondiam os fatos para não passarem por perdedoras, perderem seu conceito na vizinhança e serem confundidas com pessoas menos dotadas de inteligência. Nenhuma alma vivente gosta de ser considerada menos inteligente, menos esperta ou perdedora.  Percebeu também que o mundo em que vivia era construído em grande parte sobre uma forte base conceitual de amor próprio. Forte por ser difícil de amenizar, mas fraca porque são apenas conceitos de um tipo de bem que se deseja e não que se possua realmente: As pessoas em geral não vivem neste mundo o que são, mas o que gostariam de ser. 


O momento em que mais foi comentada aquela alma, em toda a sua vida, tinha sido no dia de seu funeral. Depois, a cada dia que se passava, menos de seus conhecidos lhe comentava a existência, até que apenas foi lembrada por algumas de suas vítimas, em suados pesadelos noturnos, porque nunca conseguiram superar as suas perdas. Vista a humanidade como um enorme conjunto de corpos ambulantes que se movem por uma química molecular reprodutível, nada precisa ser explicado ou ter uma explicação intrínseca, porque a reprodução e a manutenção da espécie justificam mais do que o individuo por si mesmo.  Porém, visto o indivíduo como a parte que se reproduz, com ou sem alma, com ou sem moral, se justifica do mesmo modo: Há que se reproduzir e adaptar para a espécie não perecer nos vetores de tempo e espaço. As aparências genéticas, os perfumes e os banhos são a parte de apresentação para o fim da sobrevivência, as roupas parte de um figurino que deve estar sempre limpo e atualizado. Nossas filtragens de quem nos acompanham na vida se fazem considerando essas aparências e o aprendizado em separar o “bem” do “mal”, sem considerarmos, porque nos é impossível, que o bem de um é o mal de outro e vice-versa, num emaranhado de situações que nos escapam quase por completo: Não podemos saber de tudo, e muito menos de um estado de espírito guardado num corpo e que pouco se revela para o mundo tal como realmente é.


Não nos admiremos, pois, que pessoas aparentemente intocáveis em sua moral e ética e nas quais acreditávamos, venham a trair nossa imaginação em maior ou menor grau do que aparentavam ser. Nós mesmos somos capazes de destruir a moral de um ser por um ato isolado que nos interessava – desprezando todos os outros de moralidade irretocável - exatamente para que possamos destruir a reputação desse ser que no fundo queremos ver destruído? São muitos os matizes e as tessituras de nossa forma de pensar, e para cada erro nosso conseguimos sempre lhe dar uma explicação plausível que nos desculpa perante nós mesmos e os outros.

Andou por aí, como todos nós realmente andamos, doando o corpo em troca de carinhos ou guardando o corpo por falta deles como castigo ou autopunição, dando-nos “beijinho no ombro” como parte de um teatro da vida cuja função é a perenidade da espécie e não do indivíduo. E enquanto nos preocupamos com o nosso interior, é ele mesmo que é ambicionado por empresas, governos, que buscam conhecer-nos nos mínimos detalhes, quer para nos vender e estabelecerem preços de produtos em função de nosso perfil pessoal, quer para conseguir votos ou saber até que ponto uma população pode suportar o sufoco do governo sobre nossas vidas. Finalmente a humanidade se volta para dentro de si mesma, mas há que duvidar das intenções. Alguém já disse: - “Conhece-te a ti mesmo para poderes julgar os outros”, e sua intenção era exatamente essa.  Três mil anos depois a frase começa a acontecer de fato, mas sem ninguém se importar em se conhecer realmente a si mesmo. O amor começa a ser decomposto em suas partes essenciais que antes pensávamos não existirem. Sempre pensamos que o amor era a parte mais nobre, pura e indivisível do sentimento, assim como se pensava sobre o átomo, até descobrirmos que o átomo é uma composição de partículas.  A humanidade quer conhecer o indivíduo. 


® Rui Rodrigues

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Muito além da escuridão há uma luz...

Muito além da escuridão há uma luz...

No “Bar do Chopp Grátis” todos os dias são quase normais. Bebe-se muita cerveja, a vozearia chega a ser monótona entre tilintar de copos, e muito raramente alguém puxa um assunto interessante que faça com que as mesas e cadeiras se juntem em torno de um “palestrante”, formando-se um circulo de raio tão variável quanto o teor alcoólico dos miolos interessados em escutar. Mas acontece. Ontem á noite aconteceu com o Carlos Hildebrando, um velho freguês quando Beatriz, outra velha cliente puxou o assunto de “vidas passadas”. Ambos são velhos fregueses do Bar, mas não têm mais de 50, no máximo 55 anos.

Carlos Hildebrando da Fonseca Y Aguilar ficou muito impressionado com essas histórias de reencarnação contadas e propaladas em livros e pela NET e agora levantadas por Beatriz, a dona das pernas mais belas e bem torneadas de toda a clientela feminina. Uma Marlene Dietrich até no olhar fatal de galinha morta. Contou então a sua história. Alguns meses atrás, movido pela curiosidade sobre o assunto tinha tomou uma decisão depois de muito matutar sobre as conseqüências: Estaria disposto a enfrentar duras constatações de vidas menos dignas, indignas, muito indignas caso tivesse sido esse o seu caso? E em quem acreditar? Sim, porque não ouviria apenas a uma fonte, mas a várias. A entrar nessa gruta de surpresas, iria até o fim. Queria saber tudo nos mínimos detalhes. Faria sessões de “regressão” por hipnose, procuraria os melhores conhecedores do assunto via tarô, ou consulta despersonalizada via NET. Estava movido pela curiosidade que o atormentava dia e noite. Hoje no Bar Carlos nos contou a sua experiência. No princípio da conversa pensou-se que seria algo jocoso, irônico, com bastante humor, porque se discutiu os métodos para descobrir as vidas passadas, que mais pareciam um engodo, uma armadilha para os “crentes em qualquer coisa desde que seja estranha”, mas a conversa foi descambando para o sério.

Carlos é do tipo de ouvir sempre, pelo menos, duas opiniões para cada tópico de um assunto complexo. Primeiro foi no mais fácil e entrou num site da NET que só lhe pediu em números a data de seu nascimento. Não pôde ter fé nesse site, porque muita gente nasceu no mesmo dia que ele e estariam todos reduzidos a um único passado idêntico. Isso seria impossível. Segundo esse site teria nascido no Norte da Índia, teria sido dentista no ano 700, homem. Então, como parte do “negócio” para crentes, o site encaminhava para “respostas” do Tarô, e até previa data de morte sem se preocupar sobre a saúde, hábitos, etc. Não pôde acreditar em algo tão inconsistente. Consultou vários “experts” mo assunto, desde estudiosos de Tarô a pais de santo, astrólogos, e foi até em vários centros espíritas, mas não ficou satisfeito. Um especialista chegou a dizer que ele tinha sido uma meretriz da alta sociedade, amante de um gladiador em Pompéia e que tinha morrido sufocada durante a erupção do Vesúvio no ano 79 DC quando fazia amor com ele, um gladiador. O especialista chegou a sugerir que poderiam ir a Pompéia e pedir aos curadores do museu de estátuas de cinza para fazer o teste de DNA, o que confirmaria que ele tinha sido a meretriz. Carlos poderia ser bobo de vez em quando, mas não a todo o instante. Foi então que se consultou com um psicólogo especializado e se submeteu a umas sessões de hipnose regressiva. Como é muito precavido, levou a mulher, não fosse o psicólogo um tarado que se aproveitasse dele enquanto estivesse hipnotizado. Realmente, dadas as circunstâncias atuais do mundo em que se vive, toda a precaução é necessária até para ir a templos, sejam eles quais forem e onde forem. Vai que aparece um fanático e explode tudo... No consultório esperava que o fizessem flutuar no espaço por cima de um sofá de veludo, mas não encontrou nenhum sofá de veludo. Foi hipnotizado deitado numa maca de consultório médico daquelas que tem uma escada me metal móvel para crianças ou para quem tem pernas curtas. Ouviu o mantra do psicólogo, concentrou-se com a maior das boas vontades, entrou em transe e se lembrava muito pouca coisa, mas tudo que falou ficou gravado num lindo e brilhante CD de computador. Mas antes de ouvi-lo, o psicólogo foi até o computador e pesquisou dois nomes que Carlos havia falado em seu transe: Wilhelm Gustloff [1]. Era um navio de passageiros. Um olhar de admiração do psicólogo fez tremer Carlos e a esposa. Era um olhar preocupante, com ares de catástrofe. Carlos estava impressionado, ansioso para fazer perguntas. Seu corpo estava frio, o suor frio de suas mãos o incomodava. Mas mais ainda o incomodava a expressão corporal de sua esposa, tolhida, encolhida, os olhos dela buscando os dele tentando ler-se no íntimo, um ao outro.

A esposa de Carlos estava imóvel, os músculos retesados, em estado latente de tensão. Carlos pensou acertadamente que isso se devia ao que tinha falado durante a sessão. Passou as mãos no rosto, perto dos olhos sentindo que algo o incomodava e viu que estava molhado. Ele chorara durante a sessão, mas não se lembrava de ter chorado. Começaram então a recordar o que ele falara e o que vira e aos poucos Carlos foi unindo fatos e sensações. Ele disse:

- Meu Deus! Que coisa terrível, uma catástrofe. Foi a maior catástrofe naval de toda a história humana. Eu morri!


Era o dia 30 de janeiro de 1945, um dia muito frio como costumam ser os dias frios na zona do Báltico. O dia já estava no fim e o Wilhelm Gustloff que tinha saído do porto de Dantzig na atual Polônia, estava incrivelmente repleto de refugiados alemães da Prússia Ocidental evacuados numa operação chamada Hannibal. Fugiam desesperadamente do exército russo e dos próprios poloneses agora libertos.  O navio tinha sido projetado para cruzeiros da classe operária de Hitler e fizera muitas viagens para os fiordes noruegueses, Lisboa e Ilha da Madeira. Em 1939 tinha feito o repatriamento da Legião Condor, alemã, durante a Guerra Civil Espanhola.  Sua capacidade era de cerca de 1.800 passageiros. Naquele dia, porém, transportava incríveis 10.500 pessoas, sendo cerca de 1.000 a tripulação e 4.000 eram crianças. Havia muitos soldados alemães feridos em combate. Entre eles, Carlos se lembrava do nome de uma criança: Horst Woit [2], uns seis anos de idade. Estava acompanhado de sua mãe. A ultima vez que o viu ele estava tirando um canivete suíço de suas calças e o dava a um marine alemão para cortar as cordas do barco salva-vidas, que lhes permitiria baixar o bote para a salvação. O navio tinha sido torpedeado três vezes por um submarino russo [3] às 21:10. Embora quatro torpedos tenham sido lançados, um falhou. As explosões provocaram pânico instantâneo. Crianças choravam, pessoas corriam para salvar-se. Muitas caíram ao mar, muitas morreram com as explosões. O navio adernou a 15 graus instantaneamente e às 22:30 já não existia mais. O Báltico era agora todo silêncio. Carlos ajudava no convés no que podia. Não estava preocupado em salvar sua vida. Respirava, não estava ferido, era jovem ainda. Estava com 28 anos. Não era herói. Ajudava idosos, mulheres e crianças a salvar-se, amparando-as, encaminhando-as para os botes.  Entre eles, Horst Woit e a mãe. O que mais o impressionava eram as expressões dos olhares, os olhos excessivamente abertos, muitos gritos, gente se empurrando, crianças pisadas, a conformação expressa em muitos olhares da certeza que morreriam. Apesar de tanta certeza e conformação, 964 se salvaram. Entre 8.500 e 9.600 morreram por ferimentos, por pisoteamento, por quedas ao mar, pelo frio do mar Báltico, boa parte afogada antes de sentirem os efeitos da hipotermia.


Carlos viu os alguns botes se afastarem aparentemente a salvo, quando a popa do navio ainda estava a uns bons 10 metros acima do nível do mar. A inclinação não permitia ninguém no convés a menos que estivesse agarrado a alguma coisa. Carlos estava agarrado a uma corda cortada dos botes salva-vidas. Sabia que ao afundar o navio o sugaria para o fundo. Quanto mais tarde saltasse ao mar, menos tempo ficaria na água fria, a cerca de dois graus centígrados e uma sensação térmica de menos dez graus, prolongando assim sua entrada no estado de hipotermia, mas reconhecia que já era muito tarde para saltar. Se seus pulmões agüentassem poderia subir à superfície, embora isso fosse praticamente impossível. Não tinha muitas esperanças. Aceitava a fatalidade. Qualquer navio que tivesse sido avisado pelos S.O.S lançados não apareceria antes de pelo menos uma hora.

Agora Carlos se lembrava de sua regressão completamente. Primeiro sentiu o frio. Depois quis respirar, mas respirou água. Seus pulmões estavam inertes, arfava para respirar cada vez com menos força. Seus olhos se apagaram quando todos os seus sentidos já não sentiam nada. Nem dor, nem pena. Absolutamente nada. Por mais uns cinco minutos ainda lhe restou a visão e um leve sentimento de que em breves segundos mais só restaria a escuridão. Então, como num despertar virgem, sem qualquer lembrança, começou a escutar o som das ondas do mar, suaves ondas como as de lagoas batidas por leve brisa e também sem a mínima noção de tempo, sentiu que via embora tudo estivesse escuro. Ouviu sons de canções ao longe, sons de rádio, sons de passos entremeados de silêncios absolutos, nada como dantes. Até que de repente viu a luz, e escutou perfeitamente: É um menino! E então chorou tudo o que não havia chorado.

® Rui Rodrigues




[1] Navio alemão. A história dele embora incompleta é verdadeira. Foi a maior catástrofe naval até os dias de hoje.
[2] Horst Woit é um dos sobreviventes do afundamento. Tinha 76 anos em 2012. Não sei se ainda vive.
[3] O S-13 era comandado pelo capitão Alexander Marinesko

segunda-feira, 16 de junho de 2014

A famigerada copa Brasil 2014 da FIFA.

A famigerada copa Brasil 2014 da FIFA.


  1. O cenário Brasil.

Quando a fome se junta com a vontade de comer, temos sempre uma lambança. A lambança tanto pode ser comunista, como socialista, como capitalista, sob a égide mancomunada de ditadores como na Argentina de Videla, de reinados, de republicas, de quem “manda” nos governos que vêm na realização das Copas boas oportunidades para alguma coisa, mais que não seja, a promoção pessoal em governos de caudilhos e populistas, ou de partidos políticos no poder com vistas à reeleição ou para firmar sua posição de liderança. Em países mais democráticos, uma esperança de bons negócios. Para todos, afinal, sempre a perspectiva de bons negócios não importa quem paga as despesas, quase sempre as populações com os impostos provenientes do trabalho. Mas no Brasil, um país com os mais altos índices de corrupção, com um “ex-líder” populista no comando do governo onde impera soberana uma ex-guerrilheira completamente “tapada”, obsessiva e vingativa, unida a uma emissora de televisão que pensa estar sempre sobrenadando sobre a mídia desde que apoiada pelos governos a quem sempre pede ajuda financeira em troca de favores, e um senado cheio de políticos que têm contas a ajustar com a justiça e que pensam que sempre terão as bênçãos do governo desde que o consintam e o apóiem, todos os males se somam apoiados por uma população com os mais ínfimos índices de educação mundiais.

No Brasil as bênçãos são mais abençoadas e os malefícios são mais demoníacos. Somos brasileiros, não desistimos nunca, mas demoramos muito a escoicear o montador que nos empurra com a propaganda que nós mesmos pagamos para nos mostrar “o bom caminho a seguir”. O mensalão é uma prova de que os políticos não representam o povo brasileiro.  Foi assim que trouxeram a Copa do Mundo da FIFA de 2014 para terras brasileiras. Com todos aqueles “predicados” não é difícil entender porque razão a copa se realizou em terras tupiniquins: A Copa é um bom negócio para quem a usa, a FIFA é uma empresa e o governo brasileiro parece ser uma empresa particular de partidos, políticos, politiqueiros, amigos unidos do PT. Nenhum deles é comunista nem socialista. Ganham o dinheiro questionável do uso de impostos públicos. A FIFA é a única de princípios capitalistas, assim como as empresas de construção e de exploração de espaços, suportados por uma mídia e artistas pagos a peso de ouro: Há que convencer o povo que o que é bom para os EUA é bom para o Brasil – assim se dizia antigamente – e que o que é bom para a FIFA é bom para o PT.

  1. FIFA - Antes e depois de João Havelange

Até o reinado de Stanley Rous como presidente da FIFA, de 1961 a 1974, nunca se levantou acusação séria de corrupção em seus bastidores. Faleceu com 91 anos em Guildford, em 1986, livre de denuncias. Sucedeu-lhe João Havelange, brasileiro, porque apoiava os países africanos. Havelange ficou suficientemente rico para se dedicar a trabalho filantrópico junto às aldeias internacionais SOS, patrocinado pela entidade em 131 países. Para se livrar de acusações de corrupção [1], abdicou de sua posição de presidente de honra da FIFA.  Não trouxe nenhuma copa para o Brasil, embora tenha organizado seis delas [2].  Sucedeu-lhe Joseph Blatter, e há rumores de corrupção incluindo a realização da Copa de 2022 no Qatar. Franz Beckenbauer foi afastado de seu cargo no comitê organizador de copas na FIFA e promete cooperar com as investigações. Os resultados da comissão de ética da FIFA serão divulgados após a copa de 2014. Em termos de esporte muito se deve à FIFA. Não é isso que se questiona aqui.

  1. Brasil, FIFA e “Não vai haver Copa”.

Era evidente que haveria Copa. Primeiro porque algumas confederações de futebol hesitaram ou não confirmaram suas candidaturas à realização da Copa. Foi o caso de Chile em conjunto com a Argentina tal como se chegou a cogitar em 2005; o Canadá ficou em compasso de espera caso o Brasil não conseguisse cumprir com as premissas; A candidatura Colombiana obrigaria á cessão para o México por questões financeiras e o presidente Uribe desistiu de concorrer em 2007; Uma pretensa “Comunidade Andina” constituída de Colômbia, Equador, peru e Bolívia nem foi oficializada, mas estaria fadada ao insucesso por causa das altitudes dos campos de jogo, além desses quatro países estarem automaticamente classificados; os EUA, hipótese levantada por Blatter seria uma opção caso o Brasil não cumprisse com as exigências estabelecidas, tal como o Canadá; Hugo Chavez, o desastrado e cômico presidente da Venezuela, apresentou sua candidatura quando as inscrições já estavam encerradas. Sobrou a candidatura do Brasil. Um dos primeiros passos da presidente Dilma Rousseff, pouco experiente em economia, em contratações e em gerir uma democracia, foi baixar um decreto – e país onde se governa por decretos não tem nada de democrático com um congresso comprado – estabelecendo o sigilo das despesas para a Copa - além de um outro segundo o qual há uma reserva financeira que pode ser usada pelo Estado sem ter que dar satisfações a ninguém. Num Estado com tantas deficiências na educação, na segurança, na saúde e nos transportes públicos, dizendo-se socialista, era de esperar que os investimentos nacionais se voltassem para estas áreas. Em vez disso, a presidência, o PT e seus partidos associados financia porto em Cuba, perdoa dívidas de conhecidos ditadores africanos, baixa decretos atrás de decretos alterando leis e uma principalmente, o decreto 2.300 sobre contratações, a pretexto de dar velocidade ao andamento de projetos, e construções em geral. A transposição do Rio São Francisco não foi realizada deixando o Norte e Nordeste sem água, o gado morrendo, e acumulando erros atrás de erros, o governo brasileiro atrelado ao Congresso Nacional levou o povo para as ruas. Um dos slogans era “Não vai ter Copa”...Mas sempre que o povo sai ás ruas por um movimento lídimo e patriótico, a ala destruidora dos partidos políticos, do governo e dos políticos associados, vem para as ruas também, para desvirtuar. 

Até hoje o governo brasileiro e o Congresso atrelado com os respectivos partidos políticos ainda não quiseram entender que não vai ter Copa. Claro que está tendo Copa, mas vai custar muito caro aos que se distraem com futebol no governo. O preço será cobrado a qualquer momento, antes, durante ou após as eleições. Duzentos milhões são brasileiros neste país e não desistem nunca. Era melhor para eles, os que governam com o Senado atrelado com os respectivos partidos políticos que tivessem desistido da Copa. Para nós, povo brasileiro, agora seria tarde para desistir. Como brasileiros torcemos pela seleção nacional, mesmo que a Copa fosse realizada em outros países, mas parece que não estavam interessados. Depois de Stanley Rous, a FIFA mudou muito. Ficou rica. Não ela apenas, como entidade, mas tal como no governo brasileiro, os políticos também estão encontrando suas fontes de enriquecimento.Governos passam, o povo fica. A "pilha" da emoção da Copa é da Globo, da FIFA e do governo brasileiro. O dinheiro já foi gasto, as obras afora os estádios não... Você, contribuinte vai continuar sem educação, sem infraestruturas, sem transportes dignos, sem segurança e sem saúde públicas. E haverá apagões de energia e financeiros. 

® Rui Rodrigues

  










[1] No livro Foul! The Secret World of FIFA: Bribes, Vote-Rigging and Ticket Scandals, lançado em 2006, o jornalista investigativo Andrew Jennings descreve Havelange como um dirigente corrupto. Segundo Jennings, o filho do fundador e ex-diretor da Adidas, Horst Dassler, comprou votos de delegados indecisos na primeira eleição de Havelange. Dois anos depois, o brasileiro retribuiu o favor entregando a Dassler o poder exclusivo sobre a comercialização dos principais torneios mundiais. Em 2011 já havia  renunciado do COI, dias antes da entidade anunciar decisão sobre casos de corrupção que envolviam o nome do brasileiro  .
[2] Um dia se saberá como que a Globo conseguiu a exclusividade para a transmissão dos jogos da Copa da FIFA. Em 1981, o Comitê Executivo da FIFA nomeou o poliglota Joseph Blatter como secretário-geral da entidade e, em 1990, o promoveu a diretor executivo (CEO). Sob o seu comando, foram realizadas cinco Copas do Mundo: Espanha 1982, México 1986, Itália 1990, Estados Unidos 1994 e França 1998. Nesse período, junto a Havelange, ele teve um papel preponderante nas negociações dos contratos de televisão e de marketing da Copa do Mundo da FIFA e na modernização do formato comercial do evento até o ano de 2006.

sábado, 7 de junho de 2014

Já pensou?

Já pensou?

A realidade não nos incomoda senão por escasso tempo. O que nos incomoda é a dúvida, a hipótese de realidade. Venha comigo percorrer um agreste caminho na trilha da essência da vida.



Nascemos. Até cerca de dois anos não nos lembramos de nada. Foi um período de concentração total em assimilar o mundo que nos cercava, todo o esforço concentrado em memorizar, dar os primeiros passos, reconhecer. Depois começamos a viver a “nossa vida”, sem sequer sabermos o que isso significa, o que isso é realmente. Guardamos boas e más lembranças, mas a definição de boas e más depende do que cada um possa suportar de dor, ou apreciar de prazeres. Nem todos temos a mesma capacidade de avaliação. Vemos o futuro como algo que nos preocupa de vez em quando mas que podemos sempre mudar, a qualquer tempo. Já na meia idade começamos a perceber que o tempo vai ficando escasso para mudarmos alguma coisa em nossas vidas. Nem isso realmente interessa muito, porque já nos moldamos a nós mesmos e na verdade não queremos, não temos desejo de mudar tanto assim. Seria incômoda uma “nova” vida, cheia de incógnitas. Com muita sorte nossa memória continuará ativa e nos lembraremos de muitos acontecimentos, cada um servindo de experiência para outros futuros, mas infalivelmente nos perguntaremos: Tudo isto, uma vida, para quê? No início pensávamos que a vida era para nos servir. Depois pensamos que servia apenas para sermos servidos pelos que nos amam e lhes servir, como os filhos e os nossos pais, por exemplo, e finalmente, também com alguma sorte na associação e idéias que nós existimos apenas como garantia adicional da manutenção de uma espécie cuja totalidade dos membros constitui a humanidade, o conjunto da espécie Homo Sapiens. Mas imediatamente nos começaremos a preocupar com a “passagem”. Uma passagem para onde? E em eufemismos, morremos e vamos para onde?

Os romanos tinham uma percepção muito diferente dos egípcios sobre a  existência: Para os egípcios, a vida era qualquer coisa como um preparativo para uma outra vida. As almas dos mortos se submetiam a um tribunal, o tribunal de Osíris, e se elas, as almas, contidas no “coração” pesassem no máximo o peso de uma pena, teriam direito à reencarnação num outro mundo. Para os romanos a vida era apenas a vida que se levava. Finda, não havia mais nada. Contentavam-se com o viver e manterem-se vivos enquanto pudessem. A morte era algo muito natural e inevitável. Enquanto no mundo egípcio a esperança numa outra vida aliviava as dificuldades, no mundo romano sem essa esperança, as liberdades eram muito mais amplas, quem pudesse tirar mais vantagens da vida era o abençoado. A frase que da vida se levam os prazeres é certamente romana, não egípcia. Por essas razões o povo egípcio sempre aceitou mais os seus governantes a quem viam como descendentes dos deuses, do que os romanos, um mundo de revoluções e traições. Não que não houvesse traições no mundo dos antigos egípcios, mas não de forma tão comum. Não é o caso de entrar em outros detalhes de outras religiões, mas desde não se ir para lugar nenhum, até termos 25.000 céus à disposição, há muito em que se crer. Cada roca com seu fuso, cada mundo com seu uso. Porém, o que seria da ordem nas sociedades se não houvesse mecanismos que as mantenham na ordem por vontade própria? Por exemplo, fazer o bem sem esperar a quem, sermos todos “bons sujeitos”, não cobiçar a mulher (ou o homem) do próximo, e outras “leis” que nos mantenham num comportamento que não sobressalte os próximos nem os que nos governam? Por isso mesmo sempre existiram os segredos de Estado, os cadernos das leis não são distribuídos pela população ou ensinados nas escolas exceto em Universidades, e uma série de medidas que sempre foram colocadas à margem. Nos templos se ensinava o comportamento ideal para que as sociedades continuassem “em paz”.

O mundo da informática veio mudar tudo isso. Não se pode esconder mais nada ou muito pouco. Crianças se transformam em adultos mais cedo, querem viver a vida, chamam por Deus mas ele não lhes aparece, o que aparece é a vida em todo o seu esplendor, e uma pergunta constante:  Por que não ter o que se vê?
Detalhes de cada religião podem ser facilmente acessados, e os males são iguais para as sociedades de todas as religiões, o que as iguala. São todas “iguais” para todos os efeitos práticos. Há quem queira morrer numa cama praticando sexo; quem amealhe cada centavo para deixar para os filhos ou sem saber para quê; quem queira morrer aos 120 anos com cara de trinta ainda que isso não lhes sirva para nada a não ser manter uma “identidade” ou fazer inveja a quem olhar; e quem não se incomode com nada para não se aborrecer. Há de tudo no mercado pessoal dos seres humanos. Compramo-nos e vendemo-nos por qualquer coisa que nos pareça “interessante”. Comportamo-nos como turistas da vida apesar de todas as vicissitudes. Queremos olhar, sentir o mundo, experimentar de tudo e esse tudo é restringido ou ampliado em função da moral que por sua vez é ditada quer por governos, quer por religiões, quer pela mídia. Há, contudo, exceções em cada aspecto, mas há séculos, milênios, que não nos aparece um profeta. Não existe mais ambiente para eles. Tudo muda e já são raros os entregadores de leite, os jornaleiros que vendiam jornais nas ruas, geralmente menores de idade, não têm aparecido compositores de música clássica ultimamente, as salas de cinema estão acabando. 

A vida parece um filme do qual somos ao mesmo tempo os produtores, os diretores e os artistas. Ilusão? Pode ser. Pode ser pura ilusão e nem existirmos realmente, tudo fruto de um cenário em quatro dimensões, comum a todos nós: Três de volume e uma de tempo. Em relação ao Universo somos muito menores do que um simples micróbio em relação a nós. Não somos realmente nada. Um nada quase absoluto, onde a vaidade destoa, mas faz parte da ilusão de nossos personagens. Sim. Somos os nossos próprios personagens também, sempre iludidos que os outros seres humanos nos vejam como nós pensamos que eles nos vêm, isto é, como gostaríamos que nos vissem, mas essa imagem é completamente irreal. Não temos a menor capacidade de lhes transmitirmos o que realmente somos nem o que queremos que pensem e vejam. É sob este aspecto, principalmente, que somos uma ilusão para os outros. E se pensarmos bem, veremos que não nos conhecemos completamente. Passamos os dias a nos convencermos que “somos assim como queremos” e por vezes nos surpreendemos do quanto somos diferentes em algumas atitudes que tomamos.



Enfim, e por fim, mas de forma não completa, somos o que ‘imaginamos” num mundo que também “imaginamos”. Somos fortes. Todos nós somos fortes, impressionantemente fortes, se pensarmos que trilhões de seres humanos que já passaram por este mundo sofreram o que iremos sofrer um dia. E conseguiram apesar de tudo viver felizes seus momentos de felicidade, vencer suas vitórias, divertir-se em salas de baile que já estão desaparecendo, amar em leitos, em cadeiras, em trens e aviões, em corredores, banheiros salas e cozinhas, no banco de trás ou atrás das moitas. Portanto, viver a nossa vida é um privilégio tão particular que deveria ser humanamente impossível que alguém pudesse interferir em nossas vidas sem a nossa consentida permissão. Um espírito libertário?  Pode ser que sim, até porque não parece possível enjaular toda uma humanidade que hoje beira os 7,5 bilhões de seres humanos que querem viver sua precária vida o melhor que podem, em seu pleno direito.

Para onde vamos? Será que isso importa?

®Rui Rodrigues