Porque o Papa Francisco pede para rezar muito por ele.
Ateus, muçulmanos, judeus, católicos, e gentes de outras religiões sabem que o Papa Francisco I pediu por várias vezes para rezarem por ele. Fez isso na posse e na viagem ao Rio de Janeiro em julho de 2013. Pediu para rezarem muito. Porquê?
Para dar uma explicação completa, teríamos que regredir na história da Igreja Católica, saber como candidatos a Papa já assassinaram outros concorrentes para evitar que fossem eleitos, saber que o cargo de Papa já foi comprado por pesadas somas de dinheiro, que houve Papas excomungados, Papas assassinados, Papas que sofreram atentados, que já houve eleições tão demoradas que a Igreja ficou sem Papa por muitos períodos de cerca de três anos.
Tudo isto já aconteceu na Igreja Católica. Há muitos interesses em jogo no Vaticano, nas Igrejas católicas em geral, ao redor do mundo.
O Vaticano é um Estado soberano encravado na Republica Italiana. Uma ilha cercada de terras italianas por todos os lados. É um estado católico onde não se professam outras religiões, talvez uma falha conceitual da Igreja, num mundo cada vez mais ecumênico.
- Origem do Vaticano.
Após a morte de Jesus Cristo os discípulos se espalharam pelos continentes para evangelizar os povos, mas foi na cidade de Roma que mais sofreram sendo perseguidos, devorados em espetáculos de circo, queimados em fogueiras, no tempo do cristianismo chamado de primitivo, o cristianismo das catacumbas. O Império Romano havia expulsado todo o povo judeu, incluindo os cristãos – que também eram judeus – de suas terras na Palestina. Foi exatamente em Roma, na capital do mundo de então, que uma nova religião católica realmente se fundou como uma instituição reconhecida ao final do governo de Constantino, o Imperador. Exatamente no maior centro mundial de corrupção.
A Igreja católica exerceu enorme influência no mundo das nações durante a Idade Média, nomeando imperadores, aprovando ou desaprovando a formação de Estados Independentes, fundando Impérios, declarando guerras. Era praticamente a “imperatriz” do mundo ocidental. Cometeram-se muitas atrocidades em nome da fé, assim como se cometeram outras tantas em nome do comunismo, ou de ditaduras ou ainda de qualquer regime de governo. Em qualquer estado o que domina é o poder e o capital.
Por Constantino, o primeiro Papa com o título de Sumo Pontífice, não deveria estar sujeito a governos temporais e sua “jurisdição” se estendia à cidade de Roma e arredores. Esse estatuto durou até Napoleão conquistar a cidade de Roma e aprisionar o Papa Pio VII. Em 1815, com a derrota de Napoleão, o Papa retornou aos seus domínios: Roma, os territórios vizinhos conhecidos como o “Patrimônio de S. Pedro”, a România [1] e as Marcas [2], do outro lado dos Montes Apeninos. Numa Itália ainda dividida em pequenos principados sem uma unidade política – como Nação – a velha idéia da reunificação viu-se fortalecida na época em que Pio IX era Papa (1846). Pio IX não se opunha à reunificação, mas a Áustria ocupava territórios ao norte da Itália e a reunificação só seria possível com uma guerra, coisa que o Papa não desejava por ser a Áustria um país católico. Os nacionalistas viraram-se então contra ele. Os Piemonteses que lideravam o nacionalismo tomaram em 1860 os territórios papais da România e as Marcas. O Papa Pio IX ficou assim apenas com a cidade de Roma e o Patrimônio de S. Pedro. Foi-lhe oferecida uma compensação em dinheiro para que o Papa abdicasse do seu poder temporal sobre Roma, mas a sua consciência, e possivelmente essa perda de poder, não o permitiu. De qualquer forma, os Papas ficaram proibidos de sair da área dos prédios onde se situa ainda hoje o Vaticano.
Em 1876, uma administração italiana mais anticlerical, estabeleceu que seria crime qualquer crítica feita por padres ao governo. Logo em seguida, interditava quaisquer encontros privados de padres e freiras. A resposta do Papa foi a bula “Non Expedit” que proibia os cristãos de participar em quaisquer eleições. No começo do século XX, Pio X temendo a crescente força do socialismo permitiu que em certas ocasiões e sob estrito controle episcopal os cristãos pudessem votar para contrabalançar a massa socialista. Bento XV, sucessor de Pio X cancelou a Non Expedit em 1919 e conclamou todos os habitantes de Roma a reassumir sua cidadania Italiana a que tinham direito. Formou-se então o Partido Popolare, muito semelhante ao Democrata Cristão. Um ano depois, Benito[3] Mussolini chegou ao poder carregando o Fascismo [4]em sua bagagem política.
Naquela época havia na Itália três correntes políticas: O partido Popolare, dominado pela Igreja, os comunistas e Mussolini. Pio XI que sucedeu a Bento XV, optou por apoiar Mussolini, como a melhor opção entre ele e os comunistas.
- 2. O Tratado de Latrão.
Em 11 de fevereiro de 1929, O Papa Pio XI e Mussolini assinam três documentos que constituem o Tratado de Latrão, vigente até hoje, apesar de o fascismo já não existir na Itália.
Pelo primeiro documento, o Papa reconhecia que Roma pertencia ao Estado Italiano e em troca a Itália reconhecia a soberania papal sobre o Vaticano, S. Pedro e o Castelo Gandolfo; A Itália reconhecia a posse pela Igreja dos edifícios eclesiásticos de Roma, dava imunidade diplomática, livre acesso aos diplomatas estrangeiros, e liberdade em relação a qualquer interferência por parte do Estado; em troca a Itália reconhecia a religião católica como a única religião do Estado; o Papa prometia manter-se afastado de toda a disputa temporal entre as nações, bem como de qualquer congresso internacional, exceto se chamado para intermediar em disputas.
Pelo segundo documento, a Itália pagou uma indenização de dois bilhões de liras.
Pelo terceiro documento, a Itália reconhecia a liberdade de comunicação do Vaticano com os bispos e católicos do mundo inteiro. Os bispos seriam indicados pelo Vaticano que teria que submeter os nomes para apreciação do governo da Itália, de forma a comprovar que não havia empecilho político contra os indicados. Por outro lado, os bispos teriam que prestar juramento de fidelidade ao rei de Itália. O estado italiano pagaria os salários de bispos e padres, a instrução religiosa seria dada nas escolas públicas por pessoas autorizadas pela igreja. O clero ficava proibido de pertencer a partidos políticos. Em setembro de 1931 fez-se um acordo adicional: Os bispos não indicariam para liderança na “Ação Católica” – a organização política da Igreja, pessoas que fossem desfavoráveis ao fascismo.
O Partido Popolare acabou. Benito Mussolini não cumpriu a palavra e até a “Non Abbiamo Bisogno” do Papa protestando contra ele, teve que ser contrabandeada para a França e lá publicada. Papas não podem interferir com política. Não devem interferir em democracias. Em regimes totalitários podem e devem como Dom Helder Câmara, quando a violência é excessiva. O hábito e a ordenação, não tiram dos religiosos a sua condição de cidadãos. Isto deveria ser válido para os religiosos de todas as religiões, mesmo a Igreja não sendo uma ONG.
- 3. A Jornada da Juventude no Rio de Janeiro.
Não sou católico, não sou comunista, nem socialista, nem comunista, nem capitalista e detesto ditaduras. Sou deísta e tenho a Democracia Participativa como a grande meta da humanidade a ser alcançada. Mas gostei de ver o Papa Francisco, sua simpatia, sua franqueza e sua “Divinum Albus Seditio” [5], convocando a juventude para construir o futuro, uma igreja moderna, reformada, atualizada. Afinal, “tudo o que ligar na terra, será ligado nos céus”. Estou contigo temporalmente Francisco I, e com meu Deus eternamente.
Porque o Papa pediu para rezar por ele? Porque sua reforma e suas palavras de humanidade desagradarão a muita gente por esse mundo, tanto dentro quanto fora do Vaticano. Sua segurança corre perigo e todos sabemos disso.
© Rui Rodrigues
[1] Atual Romênia.
[2] As Marcas (em italiano Marche, pronuncia-se leˈmarke) é uma região da Itália central com 1,5 milhão de habitantes e 9 692 km² cuja capital é Ancona. Tem limites ao norte com a Emília-Romagna e a República de San Marino, a noroeste com a Toscana, a oeste com a Úmbria, a sudoeste com o Lácio, ao sul com Abruzzo e a leste com o mar Adriático.
[3] Mussolini viveu os seus primeiros anos de vida numa pequena vila na província, numa família humilde. Seu pai, Alessandro Mussolini, era um ferreiro e um fervoroso socialista, e sua mãe, Rosa Maltoni, uma humilde professora primária, era a principal provedora da família. Foi-lhe dado o nome de Benito em honra do revolucionário mexicano Benito Juárez. Tal como o seu pai, Benito tornou-se um socialista. Depois mudou ao sabor dos ventos das oportunidades políticas.
[4] O termo fascismo é derivado da palavra em latim fasces. Um feixe de varas amarradas em volta de um machado, foi um símbolo do poder conferido aos magistrados na República Romana de flagelar e decapitar cidadãos desobedientes. Eram carregados por lictores (funcionários públicos) e poderia ser usado para castigo corporal e pena capital a seu próprio comando. Mussolini adotou esse símbolo para o seu partido, cujos seguidores passaram a chamar-se fascistas. O simbolismo dos fasces sugeria "a força pela união": Uma única haste é facilmente quebrada, enquanto o feixe é difícil de quebrar. Símbolos semelhantes foram desenvolvidos por diferentes movimentos fascistas. Por exemplo, o símbolo da Falange Espanhola é composto de cinco flechas unidas por uma parelha.
[5] Divina revolução branca