1- Instantes depois de minha chegada antes do primeiro trem ...
O mundo era o que eu via. O que eu via era esquisito. Nunca conseguia entender o mundo que via. Muita vegetação, muito frio e aquela coisa branca gelada a que chamavam de neve no inverno, sorrisos de um pessoal que me circundava dia e noite, até que levei o primeiro tapa e pensei que eram meus inimigos. Davam-me comida e isso era muito bom. Doces tambem, e isso era melhor. Um dia achei que ia morrer de febre e falta de respiração, e meu pai voltou com uma injeção, depois de caminhar 24 quilômetros até a vila mais próxima e acordar o farmacêutico. Não havia nem telefone, nem taxi, nem carreira de ônibus na "bila". Nem televisão. A agulha quebrei contraindo os músculos da "peida", e assim era Fornelos, minha terra encantada, longe de tudo e de todos que conheci depois. Este mundo é enorme! Os campos cheiravam a frutas, o rio a peixes, as casas cheiravam a comida e a vinho. Das chaminés saía fumaça cheirosa nos dias mais frios... E comecei a gostar de viver. Aquele era realmente o meu lugar como se fosse uma segunda roupa, um traje. Senti-me muito confortável. Volta e meia me adestravam para a vida como adestravam o cachorro do vizinho, mas de forma mais suave. Muito mais suave, e entendi que se aprendesse bem, teria as coisas mais gostosas que me pudessem dar, e a certeza de me dar bem na vida. Treinavam-me para isso, e aos três anos, mesmo não sendo costume na época, me mandaram para uma escola como "ouvinte". Aquilo era muito bom... Ensinavam coisas incriveis e as pernas de minha professora eram muito mais bonitas vistas por baixo da mesa dela, onde lhe ajeitávamos o braseiro para lhe aquecer os pés. Alunos não tinham isso e as nossas mãos ficavam duras de frio. Então um dia me levaram para o trem, e minha vida mudou. Do que deixei para trás pouco voltei a ver mais de meia duzia de vezes. Minha mãe, nunca mais. Ouvi de uns que não me fez falta. Ouvi de outros que foi uma pena mas não que fizesse ou não falta. Não poderia julgar paixões. As paixões encobrem as verdades. Minha mãe faleceu muito antes de poder voltar a ver-me, quando eu tinha dez anos e ela cerca de 30 e era muito linda. Meu pai teve muito bom gosto. Soube que começou por namorar a irmã dela.
2- Setenta e um anos depois numa sexta feira
Hoje é sexta-feira. Há cinco meses, mais que isso, que não fumo nem como sal, a não ser em comidas enlatadas como ervilhas e molho de tomate, por exemplo, quando as uso. Muito pouca carne vermelha, pouca de frango e a maioria da carne é de peixe. Cadilac é um cavalo que não é meu, mas vem me visitar uma vez que outra, postando-se ao lado da janela. Urso é um cachorro que também não é meu, mas tem uma vontade danada de ser. Segue-me para toda a parte. Obedece a algumas ordens minhas. Outras não... Quando vamos na praia, por exemplo, me acompanha até ele "ter pé", mas não me segue mais adiante por causa das ondas: Geralmente são 7 uma atrás da outra. Hoje a praia estava curta porque o mar avançara quase até o passeio. As ruas cheias de areia como que formando dunas. O lugar aqui perto está cheio de dunas. Na volta passei no posto. Minha pressão está excelente mesmo depois da caminhada. Comprei uns "bricabraques" nos supermercados e voltei para casa. Hoje as mocinhas estavam todas pintadas, arrumadas como se fosse sábado ou domingo. Uma senhora idosa - também - parecendo uma menina de seus 30 anos, se assustou com o Urso e disse: - Nossa! Que cachorro enorme... Mas Urso é um cachorro quase 100% labrador, e mais manso que pombo de praça procurando milho... Quando entendi, ela já tinha ficado para trás e eu já ia lá na frente... Mas guardei o rosto. Ela é um pedaço de mau caminho pra qualquer um que cruze com ela e tenha o estalo do dedo mais rápido que eu... Mais na frente, numa esquina perto de duas árvores, vi quatro crianças entre os seus sete e doze anos. todas meninas. Sentadas na calçada encostadas ao muro. Todas com celular teclando, sem conversarem. Não viram nada do que se passou à sua volta. Nem imaginam o que seja o jogo da Amarelinha. Sou menino e sei desse jogo. Via as meninas jogarem. Um dia para lhes agradar, joguei com duas delas, e embora achasse uma infantilidade de jogo sem graça, joguei. Elas gostaram. Eu acho que a vida é muito por aí... Agradar enquanto se pode, onde se pode e no que se pode. Não cheguei aqui de trem. Quando vim de vez, vim de carro. Depois vendi porque me saía muito caro. Imaginem que eu pesava 79 quilos e a S-10, 830 quilos. Todo o combustível servia para carregá-la sobre rodas e eu ainda lhe servia de motorista. Tudo às minhas custas...
3- Entre inicio do começo e o principio do fim.
Vai a história toda de uma vida... No inicio do começo e perto do fim, a historia é toda quase nossa. Neste imenso intervalo de tempo é que a vida é comum a muita gente, e não somos donos dela. Não devemos portanto nem contar, porque seria dispor da história de outras pessoas como se fosse nossa.
A melhor forma de contá-la é com a imaginação, porque se passou em todos os continentes e recantos, menos na Australia e polos Norte e Sul. Então, em termos de passado, imagine-se numa nau partindo para outros continentes a instalar escritórios, a fazer obras, construções, onde ninguém te conhecia... Ou em termos de futuro, embarcar numas espaçonaves e partir para esses planetas ainda desconhecidos e fundar colonias, fazer obras... Dar inicio a alguma coisa para o futuro que se espera seja boa para a humanidade total ou a do lugar...
Mas isso fica para outros momentos. Agora tenho ao fogo o que sobrou de carne de umas cabeças de peixe-espadas e de pargos, cozinhando com cebola picada, salsinha, coentros e alhos, um toque de pimenta, sem sal... Vou adicionar farinha de mandioca torrada mexendo sempre, sem deixar ficar pipocando de vapor na panela. Chama-se a isso "pirão"... Mas não é "meu pirão primeiro"... Vou dar um pouco para o Urso que nem é meu.
Hoje é sexta-feira. Há cinco meses, mais que isso, que não fumo nem como sal, a não ser em comidas enlatadas como ervilhas e molho de tomate, por exemplo, quando as uso. Muito pouca carne vermelha, pouca de frango e a maioria da carne é de peixe. Cadilac é um cavalo que não é meu, mas vem me visitar uma vez que outra, postando-se ao lado da janela. Urso é um cachorro que também não é meu, mas tem uma vontade danada de ser. Segue-me para toda a parte. Obedece a algumas ordens minhas. Outras não... Quando vamos na praia, por exemplo, me acompanha até ele "ter pé", mas não me segue mais adiante por causa das ondas: Geralmente são 7 uma atrás da outra. Hoje a praia estava curta porque o mar avançara quase até o passeio. As ruas cheias de areia como que formando dunas. O lugar aqui perto está cheio de dunas. Na volta passei no posto. Minha pressão está excelente mesmo depois da caminhada. Comprei uns "bricabraques" nos supermercados e voltei para casa. Hoje as mocinhas estavam todas pintadas, arrumadas como se fosse sábado ou domingo. Uma senhora idosa - também - parecendo uma menina de seus 30 anos, se assustou com o Urso e disse: - Nossa! Que cachorro enorme... Mas Urso é um cachorro quase 100% labrador, e mais manso que pombo de praça procurando milho... Quando entendi, ela já tinha ficado para trás e eu já ia lá na frente... Mas guardei o rosto. Ela é um pedaço de mau caminho pra qualquer um que cruze com ela e tenha o estalo do dedo mais rápido que eu... Mais na frente, numa esquina perto de duas árvores, vi quatro crianças entre os seus sete e doze anos. todas meninas. Sentadas na calçada encostadas ao muro. Todas com celular teclando, sem conversarem. Não viram nada do que se passou à sua volta. Nem imaginam o que seja o jogo da Amarelinha. Sou menino e sei desse jogo. Via as meninas jogarem. Um dia para lhes agradar, joguei com duas delas, e embora achasse uma infantilidade de jogo sem graça, joguei. Elas gostaram. Eu acho que a vida é muito por aí... Agradar enquanto se pode, onde se pode e no que se pode. Não cheguei aqui de trem. Quando vim de vez, vim de carro. Depois vendi porque me saía muito caro. Imaginem que eu pesava 79 quilos e a S-10, 830 quilos. Todo o combustível servia para carregá-la sobre rodas e eu ainda lhe servia de motorista. Tudo às minhas custas...
3- Entre inicio do começo e o principio do fim.
Vai a história toda de uma vida... No inicio do começo e perto do fim, a historia é toda quase nossa. Neste imenso intervalo de tempo é que a vida é comum a muita gente, e não somos donos dela. Não devemos portanto nem contar, porque seria dispor da história de outras pessoas como se fosse nossa.
A melhor forma de contá-la é com a imaginação, porque se passou em todos os continentes e recantos, menos na Australia e polos Norte e Sul. Então, em termos de passado, imagine-se numa nau partindo para outros continentes a instalar escritórios, a fazer obras, construções, onde ninguém te conhecia... Ou em termos de futuro, embarcar numas espaçonaves e partir para esses planetas ainda desconhecidos e fundar colonias, fazer obras... Dar inicio a alguma coisa para o futuro que se espera seja boa para a humanidade total ou a do lugar...
Mas isso fica para outros momentos. Agora tenho ao fogo o que sobrou de carne de umas cabeças de peixe-espadas e de pargos, cozinhando com cebola picada, salsinha, coentros e alhos, um toque de pimenta, sem sal... Vou adicionar farinha de mandioca torrada mexendo sempre, sem deixar ficar pipocando de vapor na panela. Chama-se a isso "pirão"... Mas não é "meu pirão primeiro"... Vou dar um pouco para o Urso que nem é meu.
® Rui Rodrigues
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