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domingo, 17 de julho de 2016

Naquele domingo, de Nice a Ankara e C. Frio

Naquele domingo...





Deitara-se tarde já passava de sábado. Tinha passado o tempo escrevendo uns textos para seus blogs. Acordou domingo lá pela uma e meia. Ocorreu-lhe num vislumbre, logo que se levantou da cama e pôs os pés no chão, o que seria realmente um escritor, visto que assim não era considerado embora passasse os dias escrevendo. Também lhe ocorreu no que seria ser um filósofo se passava os dias filosofando, mas resolveu que pensaria nisso quando fosse à praia depois de tomar um café.

Ligou o laptop, mas seu serviço de net estava em tarifa tão reduzida que nem o sinal da “claro”, perguntando se ele queria pagar pacote adicional, funcionava. Incrivelmente, apenas o site do jornal francês “Le Monde” funcionava.

Golpe estranho aquele do Erdogan. Provavelmente trata-se de uma ditadura de direita para enfrentar o ISIS, uma tentativa turca de manter sua identidade não tendo que se submeter a leis “padronizadas” da União Européia. Deve ter sido por isso que o Reino Unido saiu dessa união. Mas o que o confundiu mais foi uma postagem dos “Décodeurs”dizendo:

Une vidéo reprise par des sites conspirationnistes affirme que Mohamed Lahouaiej Bouhlel a d’abord été arrêté vivant avant d’être tué. C’est faux. En savoir plus sur http://www.lemonde.fr/#8eBvpoKburwXwuH7.99

Ora bolas… Que sites ”conspiracionistas", seriam estes na França? Acaso a França tem movimentos anti-governamentais e sua república corre riscos também, tal como na Turquia? Mas Sarkozy disse irado que desde 18 meses atras desde o primeiro atentado em Paris, que nada foi feito para reverter este quadro de terrorismo. Por vezes achava que esses governos socialistas, ao redor do mundo, nos estão escondendo alguma coisa. Depois mudou de pensamento. Talvez a filha e a neta tivessem chegado de um casamento do filho de uma amiga em S. Paulo, mas ao ligar recebeu uma comunicação da “Oi” informando que os créditos eram insuficientes para ligar grátis dentro do programa. Ele esquecera que esse programa grátis só funcionava se ele depositasse 12 reais por mês, e naquele ainda não o fizera. Interessante como essas companhias conseguem mudar assim o significado das palavras da língua portuguesa e universal… Pensou nosso amigo que isso fosse assunto de algum comitê de professores e doutores da língua portuguesa, mas pelos vistos não. Primeiro você paga doze reais, e então já pode ligar grátis. Assim é, ou ficou, o “pacote”. Sem internet e sem telefone… Num domingo! Resolveu ir incomunicável para a praia, apesar dos perigos desta vida, para pensar no significado das palavras “escritor” e filósofo, mas sem muita concentração. A cada passo um xingamento. Não poderia ter surpresas, como aquela da palavra “grátis”. Tomou um gole de café e foi. Não demoraria mais que uma hora


Mal abriu a porta Urso apareceu abanando a cauda, o corpo todo se saracoteando de um lado pro outro. Urso é um cachorro que não é de nosso amigo, mas que o escolheu para “acompanhar”. Urso simplesmente o acompanha. Chega a andar do lado dele como cachorro de cego, mas não faz mais que acompanhar. Aceita comando de “sentar” e o espera na porta dos estabelecimentos, mesmo quando se trata de supermercados com cheiros tentadores de linguiça e ratos. Sim. Alguns supermercados têm ratos em seus estoques mas os escondem e não os vendem. Pelo menos nunca vira nenhum ratinho de supermercado carregando tabuleta amarela, apregoando com letras vermelhas: Ratos discretos, cinza, R$350,00 a dúzia!… E com carimbo em letras garrafais, PROMOÇÃO!…

Durante a caminhada até a praia, nada que não previsse naqueles dias de domingo. O comércio que deveria estar aberto, estava 99% fechado: Um casa de depósito de bebidas, uma sorveteria, uma padaria, três bares. Pelo caminho Urso foi urinando em postes, pneus de carros, ladrando junto a portões de garagem onde se acoitam cachorros “malvados” que ele nem conhece, mas dos quais sente o cheiro. Cachorro preso deve ter outro cheiro. Eles devem sentir. Na praia, nosso amigo sentou num banco e ficou olhando as ondas do mar. Urso sentou-se sobre duas patas, a seu lado, e olhou também. Um bando de gaivotas mergulhava nas ondas bem perto da areia, caçando peixes pequenos certamente fugitivos das cinco embarcações que pescavam ao largo. Um casal que passeava de bicicleta parou para admirar a simpatia de Urso, dar-lhe uns afagos, enquanto o nosso amigo apreciava a paisagem e sua cerveja. Interessante que nenhum casal de desconhecidos chega assim perto de você e lhe faz afagos gratuitos, assim como ao Urso, o cachorro do amigo. Para cachorros, isso deve ter uma mensagem qualquer implícita. Para humanos parece que não. Mas então, o que é ser filósofo e escritor? Segundo meu amigo, a quem Urso fiel e alegremente acompanha, ser filósofo é perceber como o gênero humano compete entre si de tal modo, que para poder conviver se aproxima dos outros seres humanos tentando ser o mais agradável possível, de acordo com seus interesses, mas que por baixo da capa de simpatia, nenhuma ajuda real você pode esperar de um desconhecido nem daqueles que se aproximaram de você apenas para “farejar” até onde vai sua amizade. A amizade de Urso, pelo contrário, é despretensiosa. O nosso amigo nem é o dono dele.
Para ser escritor precisa-se, tal como os pintores precisam de “marchands”, de quem vislumbre um mínimo de conjunto entre qualidade, aparência pessoal, vida pregressa, etc, para lhe propor que lhes escreva um livro ou para aceitarem um escrito seu. Depois, com sorte e persistência, você se torna um escritor, um filósofo, quem sabe, senta numa academia de letras onde alguns letrados quase desconhecidos, boa parte por “honoris causa”, tomam chá e se assentam?

Quando a cerveja acabou, o amigo e o Urso arrepiaram caminho de volta pra casa. Ventava, fazia frio, o pessoal, raro, que andava pelas ruas vestia camiseta de teimosia, nenhuma casa vendia recarga para celular da “Oi”… Parece que apenas a direita sabe lidar com economia, corruptos e terroristas. Ao chegar em casa, já tinha net.

® Rui Rodrigues

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