Ucrânia – Crimeia por Guantánamo?
... E histórias sempre se repetem. O que muda é a “paisagem”.
Convido quem estiver interessado em verificar como começaram a primeira e a segunda guerra mundial, e o que aconteceu na crise dos mísseis entre Cuba e os EUA[i].
Na primeira guerra mundial, 1914-1918, com Lloyd George à frente do governo britânico, ainda a maior potência colonial da época, Inglaterra, França, EUA, viram a Alemanha do Kaiser Guilherme e de Bismark se armar com pesadas naves de guerra, manobras militares, e atitudes diplomáticas agressivas. Não quiseram admitir a possibilidade de uma guerra mundial. Quando em Sarajevo assassinaram o Arquiduque Francisco do Império Austro-Húngaro, simpático à Alemanha de Bismark e do Kaiser. A Alemanha invade a Bélgica para atacar a França. Problemas de mobilização atrasada por parte da França, Inglaterra e mais tarde EUA, permitiram à Alemanha sonhar em atacar a Rússia. Em 1917 a Rússia se retirou da guerra por causa da revolução comunista de outubro. Foi durante a guerra que as potências que lutavam contra a Alemanha e o Império austro-húngaro foram recuperando o tempo perdido. A democracia é lenta...
Na segunda guerra mundial, 1939-1845, Hitler deu demonstrações de que se estava armando e fazendo manobras militares, além de construir navios de guerra poderosos e testar aviões de combate. Sua política externa endureceu. Só após invadir a Polônia as potências ocidentais se uniram para dar-lhe combate, mas já tinha invadido a França e a Holanda quando começaram a ser enfrentados. Os EUA entraram muito atrasados na guerra, em 1942. A democracia é lenta...
Porém, entre tantas guerras que acontecem dois outros conflitos que não alcançaram o nível de envolvimento “mundial” merecem atenção: A guerra da Crimeia, 1854-1856 e a crise dos Mísseis, cuja tensão internacional durou 13 dias em Outubro de 1967.
A guerra da Crimeia se iniciou com a Rússia invadindo a Moldávia e a Valáquia (na atual Romênia) que pertenciam ao Império Otomano que incluía a atual Turquia, a pretexto de defender os lugares santos dos Cristãos. Na verdade o Czar Nicolau queria aumentar sua influência nas Balcãs, uma passagem de sua frota pela península da Crimeia, de onde sairia do Bósforo e do Mar negro para o mar Mediterrâneo. Isto não interessava ao Império Britânico. A Rússia foi derrotada por uma coligação e ficou proibida de ter frota no Mar Negro pelo tratado de Paris.
A crise dos misseis foi uma – aparentemente- uma besteira fenomenal da política externa russa acreditando que estava à frente da corrida espacial (1967) e que em breve dominaria o mundo com sua política comunista. Mandou misseis com ogivas que poderiam ser municiadas com bombas atômicas para Cuba a pretexto de defender a ilha de Fidel Castro de uma possível invasão norte-americana. O acordo entre Rússia e EUA chegou a bom termo com uma troca: Os EUA retiravam seus mísseis da Turquia e a Rússia os seus de Cuba. Vistas bem as coisas, não houve besteira alguma: A Rússia saiu em vantagem com a retirada dos mísseis da Turquia. E talvez nunca fosse sua intenção deixar misseis nucleares numa ilha sobre a qual não tinha controle a menos que ocupasse a ilha com forças suficientes. Fidel não era pessoa na qual pudessem confiar e daí a tomar os mísseis e jogá-los sobre os EUA era um passo para uma guerra mundial.
Será a crise da Crimeia uma retomada de algum plano do tempo da guerra fria, quando Putin chegou a ser o chefe supremo da terrível polícia política russa a KGB?
Se atentarmos para alguns fatos, talvez não seja uma opção para jogar fora. Recentemente a Rússia tomou conta de boa parte da Geórgia sob os olhares coniventes do Ocidente, fez acordos com a Síria para a construção de um porto, e pretende construir outro na Venezuela. O Brasil construiu um para Cuba – aparentemente a fundo perdido porque Cuba não tem dinheiro para pagar a conta – e terá incitado e apoia um movimento separatista da Crimeia que faz parte da Ucrânia. Estará a Rússia num processo expansionista de influência, chegando mais perto a cada dia das terras da América do Norte?
Quando patriotas foram para as ruas de Kiev contra a posição de um primeiro ministro que sem fazer plebiscito resolveu desprezar a aproximação da Ucrânia com a União Europeia, declarando que se aproximaria da Rússia, o governo russo viu uma grande oportunidade de influir na península da Crimeia e garantir a passagem de sua frota naval do Bósforo e do Mar Negro, dando-lhe passagem para o Mar Mediterrâneo. Acabou por provocar uma secessão ucraniana muito parecida com a anexação da Áustria à Alemanha de Hitler e mais recentemente de uma parte da Geórgia à Rússia. Exatamente como em 1864 ao desejar anexar a Crimeia. Por outro lado, como abrir mão desta passagem se está abrindo portos em zona de influência tradicional norte-americana? Somos levados a pensar, face à experiência histórica, se a Rússia pretende negociar algo com o mundo ocidental, ou se pretende realmente enfrentar o ocidente e só a anexação da Crimeia lhe atende os desejos.
Há algo que devemos ainda ter em mente: Em 1929 houve uma crise econômico-financeira de amplitude mundial que concorreu para o inicio da segunda guerra mundial. Tivemos uma crise idêntica em 2008 e ainda não saímos dela. Muitos países se encontram em crise. Nestas épocas os ânimos da política internacional andam mais exaltados, o dedo treme acariciando o gatilho.
E o ocidente, democrático, costuma demorar muito a tomar decisões... Por isso não será de estranhar se houver mais um acordo com ou sem mais uma guerra, esta também mundial.
A surpresa será, em havendo acordo, o que a Rússia colocará no prato da balança contra a anexação da Crimeia: Será a base de Guantánamo em Cuba, ou o que sobrou da Geórgia? Não se sabe o que se passa nas cabeças do governo russo, mas porque não?
® Rui Rodrigues