As Festas de Aniversário de Belinha
Percorrendo
a NET, encontrei um site interessante sobre as festas de aniversário[1] lembrei-me imediatamente
das festas de Belinha, minha amiga desde a minha velha infância. Envelhecendo
juntos, acompanhei de certa forma todos os seus aniversários e com a minha
velha mania de comparar tudo o que conheço, percebi que há uma relação entre a
evolução do conhecimento e os atos que praticamos. No contexto das mudanças de
comportamento sociais que vimos verificando, na medida do progresso da
humanidade, as festas de aniversário também mudaram. E muito!
Belinha
nasceu na década de 40 do século passado. Por essa época não se esperava viver
mais do que sessenta anos. Hoje já se fala em expectativa de vida acima dos
oitenta. Como Belinha adorava comemorar aniversários, por vezes imaginava como
seriam suas comemorações quando tivesse mais de setenta anos. De lá para cá (da
década de 40, do século passado), muito mudou na forma como Belinha passou a
prever suas festas de aniversário.
Belinha
não sabia que a origem de Aniversário – palavra que significa “tudo aquilo que
volta todos os anos”, tem origem latina, nem que era um costume no Egito antigo
para qualquer cidadão e na Grécia apenas para homenagear deuses e reis. Não
sabia nada da origem dos costumes, mas gostava do ambiente da festa desde a
emoção dos preparativos até receber os presentes e comemorar com farta mesa
cheia. Depois odiava ter que ajudar a limpar tudo e verificar que alguns
presentes ela detestava desde o abrir do pacote ou do embrulhinho, tudo muito
decorado, mas com pouco conteúdo. Nessas ocasiões ficava com a sensação de que
o doador do presente não gostava dela. Talvez
até a odiasse, e assim, no ano seguinte já nem o convidaria, mas antes, gozava
da sua vingança particular: Ia a seu aniversário, e dava-lhe um presente pior
do que ele lhe tinha dado. Para saber que presente seria mais odiado, pedia a
amigas que sondassem junto da “vítima”. Foi perdendo amigos, fazendo outros,
mas as festas de aniversário foram mudando ao longo dos anos, exatamente porque
temos a mania de comparar o que damos com o que nos dão, o que fazemos com o
que nos fazem. È uma medida seletiva para separar os “amigos” dos “inimigos”
dos ‘indiferentes. Estes quase nunca eram convidados.
Belinha
viu muita gente que se dizia comunista cantar o “parabéns pra você” sem saberem
que esta música tinha sido criada pelas irmãs americanas Mildred e Patrícia Smith Hill
em 1874 para as crianças de uma escola. Também não sabiam que em 1923, o título
da canção fora alterado para “happy birthday to you” – parabéns para você-
depois de ser editada em livro. Muito menos ainda sabiam que a música recebeu
uma versão brasileira: A rádio Tupi
promoveu um concurso em 1942, para que as pessoas escolhessem uma letra que se encaixasse
na melodia original. A letra escolhida, entre cerca de
cinco mil participantes, foi a de Bertha Celeste Homem de Mello.
Belinha tem memórias inesquecíveis de muitos de
seus aniversários, na forma como evoluiu este tipo de festa ao longo das
décadas de sua vida. Nos primeiros anos gostava dos aniversários pela festa e
pelos presentes. Depois pela convivência, pelos presentes e pela festa. Mais
tarde, preferia a festa e os presentes, depois apenas os presentes e hoje fez
aniversário na cama do hospital (está internada) comemorando com um pequeno
bolo individual, com uma velinha maior nele espetada, e uma enfermeira, eu e
dois parentes cantando “parabéns pra você”... Nenhum dos outros seus amigos
convidados foi ao hospital comemorar o seu aniversário. Lembrou-se então de um
dia em que viu uma amiga (surdamente não se suportavam) enfiar o dedo “fura-bolos”
no seu bolo de aniversário pensando que ninguém estava vendo. Evidentemente essa
amiga nunca ficou sabendo que “aquele” pedaço do bolo que ganhara de Belinha no
aniversário de 1958,
levara uma dedada do “pai de todos” que previamente ela passara em sua bunda.
Em
1973 diziam que havia uma crise de petróleo, e os presentes foram uma desgraça
de tão fracos e ruins. O problema é que belinha em 1972 já tinha dado presentes
caros e bons a seus amigos, e voltaria a fazê-lo em 1974, depois de passada a crise.
Quando chegou a moda de convidar para aniversário em casa de festas, cada
convidado pagando o seu consumo, Belinha aderiu, mas a assistência ficou selecionada
entre os que arranjaram uma boa desculpa para não ir, e os que não tinham como
se desculpar. Foi assim durante alguns anos. Belinha jura que em algum dia da
próxima década, as festas de aniversário estarão fadadas a ser comemoradas por raras
famílias apenas para as crianças. Muitas aniversariantes se encheram de tantos panos de prato, outros de tantos frascos de Bozzano com dois enes. Um fenômeno que fez muitos
homens detestarem loção para barba porque se viram obrigados a suportar o mesmo
cheiro anos a fio porque era isso que recebiam em todos os dias 24 de dezembro e nos dias de seus aniversários, não importa de que ano.
Belinha
prevê também o fim das festas de Natal, porque muitos já acham que pagam uma
parcela muito alta, na divisão das despesas, para festa tão “pobre”. Festas de
Natal percorreram o mesmo caminho das festas de aniversário, quase sempre passado na casa do Patriarca. Embora atualmente se passe também na casa
das Matriarcas – quando se comemora – os presentes são sempre questionáveis,
achando uns que deram muito e outros que receberam pouco. Peru passa voando
muitas vezes cheirando a chester apressado, e o resto é decoração com muitas
frutas. Muitos já não acreditam em Jesus ou têm muitas dúvidas sobre religião,
família e amizades. Outros questionam que não há bebidas alcoólicas e uma
grande parte virou vegetariana. Todos dizem que largaram o cigarro mas fumam lá fora ou saem apressados para satisfazer o vício que agora tem que viver escondido por ter sido escorraçado dos hábitos sociais.
A maioria está ocupada na Internet, filhos jogando videogames, maridos e mulheres ora com dor de cabeça ora com sono. A solidão é a grande onda do século XXI. Melhor do que passar por cenas como aquela de 2001, quando a família toda quase saiu na tapa porque as comadres se zangaram e as verdades se descobriram, mas nem assim sobrou comida na mesa... Natal igual àquele, nunca mais.
Rui
Rodrigues
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