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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

A vulva [1] de Marli Mara Marlene.

A vulva [1] de Marli Mara Marlene.


Quarenta graus à sombra em Porto Alegre, o ar abafado e sufocante capaz de evaporar até o suor. Só o frescor das “cafetarias”, uma mistura de café-bar e padaria, são capazes de amenizar. O rio fica muito longe do centro, as praias estão a mais de cem quilômetros da cidade. Se Porto Alegre tivesse praia dentro da cidade, seria tão malemolente como Salvador na Bahia... Malemolência é acordo tácito na lassidão dos desejos, de dar e receber: Um contrato de escambo de sentimentos onde se dá por se dar, e se recebe como compensação o que também se dá. Conta de noves fora zero. Passados dias, semanas, meses ou anos, quando os contratantes tácitos do oportunismo se voltam a encontra nenhum se lembra sequer do nome do outro. Restou apenas uma associação visual entre o rosto, talvez partes do corpo, e o sentimento de ter sido bom, ruim ou mais ou menos e finalmente uma breve noção do tempo, se foi há muito tempo ou recentemente. O termo vulva não é tão “agressivo” como boceta em bom brasileiro ou cona em bom português, comum e corrente. O título deste texto não poderia ser “agressivo”, mas não consigo entender como os termos boceta e cona possam agredir alguém. Na verdade não agridem. Dão conforto, prazer, carinho e gozo. Só agridem carentes de ambos os sexos que nunca descobriram como separar o sexo da moral. Por outro lado, se moral fosse uma nota de dinheiro, certamente seria falsa em maior ou menor grau de sofisticação.

Marli Mara Marlene tem uma vulva, cona ou boceta de respeito que causa admiração. É úmida mesmo aos sessenta anos, morna, acolhedora, pulsante, e tem dispositivo que lhe faz tremer as pernas de prazer. Se sua cabeça estiver no meio delas, tome cuidado para não levar uma chave de pernas de Marli Mara Marlene. É tão intensa de sentimentos que chega a parecer exagerada. Tipo de mulher que não se esquece e se deseja todos os dias não importa a que horas. Não se sabe se é ou foi casada, se tem namorado, se se sustenta ou é sustentada. O que se sabe – quem tirar a loteria de a encontrar em seu caminho – é que “gosta”, está quase sempre disponível e o faz com prazer. Não é “mulher da vida”, nem prostituta nem piranha. È como qualquer homem que não pode ver um rabo de saias e quer experimentar. É verdade! Nós homens experimentamos porque sabemos que nenhuma mulher é igual à outra. Nem nas vulvas, que além dos formatos têm “personalidade” própria.  São lábios maiores ou menores, vulvas que de tesão chegam a pingar e molhar as calcinhas, vulvas “experts” em pompoarismo, que apertam o falo por vezes até com força e fúria uterina, pentelhudas ou raspadas com ou sem sutilezas, perfumadas ou ao natural...  Não é a “força” das palavras que nos desperta a imoralidade... É a nossa própria imoralidade latente que dá às palavras a força ou a fraqueza da imoralidade. Cona, cu, foda, caralho, boceta, são apenas palavras com significado, algumas delas cortadas, capadas, castradas, de dicionários por uma moral que se fosse uma nota de dinheiro certamente seria falsa.


Marli Mara Marlene tem uma boceta de ouro, uma boca de acalmar troglodita, uma garganta vaginal, e um cu que parece boceta, ligeiramente mais apertada, igualmente úmida e “pompoadórica”... Aperta pau da mesma forma que sua gostosa boceta. Marli Mara Marlene nasceu para nos dar prazer que lhe retribuímos de igual forma. Não nos pede falsas promessas. Apenas aparece em nossas vidas, nos faz felizes e depois se vai sem nem sentirmos, aos poucos, sem fazer barulho como num pé-antepé. Quando você repara, ela já foi e ficou a grata saudade sem reparos a reparar. Talvez mais tarde você não se lembre de seu nome, mas ficará uma sensação de prazer associado ao rosto e algumas formas e “atitudes” inesquecíveis do corpo.


Quando a conheci, em pé, eu tinha meus doze anos. Quando a conheci deitada, numa confortável cama, já andava eu pelos meus vinte. Descobri que eu tinha um sócio dois anos depois, e, por não querer compartilhar o que julgava só meu ( embora já tivesse dormido com mulher casada), me separei dela. Porque não se aceita um sócio e se aceita dividir a esposa de marido? Nem Freud conseguiria explicar. O direito inalienável da “propriedade” é promiscuo e confuso: Quem tem por vezes não possui; quem possui por vezes não tem; Quem não tem pode ter e mesmo quem tem pode perder...  


Quando ela faleceu e me infiltrei no velório, olhei o seu caixão coberto de flores. Fui retirando mentalmente cada flor até chegar ao vestido negro. Sem constrangimento lhe ergui a película tênue de tecido e mergulhei meus pensamentos em sua linda vulva, certamente ainda cor de rosa pálida. Por momentos ali fiquei agradecendo-lhe o fato de nossos caminhos na vida se terem cruzado.  E percebi que passamos a vida dividindo coisas, momentos, vulvas, sem nem sabermos.Traímos sendo traídos sem “sabermos” e muitos sem perceberem sequer, tais são as sutilezas da vida, esta sim, de uma estranha leveza do ser, estar, permanecer, ficar, verbos intransitivos que sutilmente permitem livre transito...  Confundir amor com sexo é um erro fatal, um tiro no nosso mecanismo de prazer... Misturar os dois é o mais agradável mistério da natureza, e manda o bom senso que uma coisa seja uma coisa e outra coisa seja outra coisa. Se teme, não case !  

® Rui Rodrigues




[1] O órgão genital feminino, assim considerado desde os grandes lábios externos, até onde o falo alcança...

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