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quinta-feira, 7 de março de 2013

Dia movimentado de apos-sentado...


Dia movimentado de aposentado...

O mundo anda meio conturbado. Sabemos disso, mas por aqui, há paz e tranqüilidade. Como os raios do Sol andam ferinos, principalmente os raios-x e os ultravioletas, para não assar a pele só vou à praia em horários de sol nascente ou poente. Livrar-me da crise econômica que alguns de nós fingem não ver, é relativamente fácil. Ainda, por que não tenho compromissos com banqueiros. Aqueles belos tempos em que era bom fazer dívidas para ter crédito, já se foram há pelo menos uns cinco anos. Bom mesmo é não ter compromisso nenhum com bancos. Se não posso ter agora, separo a grana até fazer volume para poder ter à vista. O problema mesmo é me livrar das notícias, mas destas não quero livrar-me. Se ficar sem notícias, fico sem saber a quantas ando.

Então, tomei meu banho, separei a grana que precisava, e ainda meio úmido enfrentei os oitocentos metros que me separam da portaria. Fazia um calor de rachar apesar de ser ainda cedo, nem nove horas da manhã ainda eram. Fui pela sombra do lado direito da estrada. Do lado esquerdo batia o sol. Caminhar assim era agradável, ouvindo os pássaros, mas o suor já me escorria pela testa. Nem passei pela portaria. Atalhei caminho pela vereda ao lado do Motel, aquele que diz “ Mais vale à tarde do que nunca”, uma bela frase para animar a tarde e arranjar uma bela de uma dor de cabeça à noite para explicar onde esteve toda a tal tarde, se tiver a quem dar explicações. Fui pensando em algo que nem me lembro, mas só podia ser besteira. Não me lembro por isso mesmo. Cheguei rapidamente ao ponto de ônibus que não demorou mais do que meia hora. Esse é outro problema: Ninguém cumpre horários a não ser na hora de chegar ao trabalho e na hora de sair dele.  O “serviço”, esse, tem sempre uma explicação para atrasar. É como chegar sempre na hora, sair até depois do horário, receber o pagamento, mas o “serviço” estar sempre atrasado. A culpa é dos outros.

Nada como uma estrada esburacada, aquela do caminho de Búzios, que passa pelo Tangará, para nos exercitar os músculos. Curvas do tipo “chega para cá” me empurravam na direção de alguém mais próximo. Curvas do tipo “chega pra lá” quase me jogavam pela janela, que este é o modo dos motoristas mostrarem serviço para não serem demitidos por demorarem muito nas viagens. Ninguém se ofereceu para me dar lugar. Apreciei a educação, principalmente daquela turma de escolares, ainda jovens, que devem ter tido uma bela educação em casa. Por outro lado, fiquei satisfeito. Minha saúde realmente é invejável e devem ter percebido isso. Quando chegarem na minha idade, nem adianta ficarem zangados se não lhes oferecerem lugar. Lembrar-se-ão de sua educada juventude. Verão jovens fingindo que estão com sono, escondendo-se atrás de óculos escuros, olhando sempre para o lado da janela até ficarem com torcicolo... Vibrarão de raiva surda, calada, engolida. Arrotarão desespero, não porque necessitem que lhe dêem lugar. Ninguém morre por isso, mas por verem que a educação é essa mesma, a de que “cada um que se vire”, e que quando pedirem ajuda, receberão um olhar de desprezo ou de ignorância.

Fui até o Jacaré, Fiz minhas compras lá porque, sabendo os preços, economizaria 70 reais. Nem mais nem menos. Valia a pena ir lá. Entrei no super, enchi minha mochila e como o calor estava realmente me desfazendo em suor resolvi tomar uma cerveja em lata no balcão do bar em frente. Eu merecia. Nesse instante a senhora do balcão ria a bandeiras despregadas de um sujeito que estava sentado numa mesa. Ela e mais duas mulheres riam muito. O motivo era o sujeito que enchia a boca com cinco pastilhas de menta enquanto tomava uma garrafa de cerveja e comia um pastel salgado. Dizia a senhora que “só cristo...” E repetia rindo: Só cristo”.. Deixei-os rindo ainda mais ao perguntar se Cristo, sem que ninguém soubesse estivesse concorrendo a Papa se o elegeriam... E ganhei da senhora a promessa de me contar outras histórias ainda melhores, do que ela via naquele bar... E saí determinado a almoçar um PF – Prato Feito, no restaurante de um velho amigo conhecido. Ali a comida era nota dez apesar de ser um restaurante de “enésima” categoria, á margem da avenida. Se quiserem ir lá, é comida segura, honesta, feita pelo casal. A filha atende ao balcão. De vez em quando ele prepara umas ovas de peixe de agradar aos deuses. O restaurante fica em frente às peixarias à margem do canal do Itapiru, depois do posto de gasolina, primeira rua à direita (só pode ser à direita) no sentido Cabo Frio- RJ, depois de passar pela ponte velha.  Comi um prato de carne ensopada com batatas, acompanhada de espaguete, arroz, farofa, salada de tomate e alface. Desceu direitinho com garfo e faca de metal, copo de plástico e mais uma latinha de cerveja bem gelada para aprumar o meu esqueleto neste dia de verão que derrete até os ossos.

No almoço não se falava de outra coisa: A condenação do goleiro Bruno que mandara esquartejar a amante. A mulher esquartejada foi dada a cães que a devoraram. Os ossos devem ter sido queimados numa churrasqueira e as cinzas espalhadas pela terra. Discutia-se que o bandido goleiro ficara com os seus próprios bens, e quando saísse da prisão ainda teria um salário gordo mensal para economizar. Toda a grana lhe será entregue quando o soltarem. Se sair vivo. Diziam no restaurante que havia a possibilidade de o matarem lá dentro. Na mesa em frente um sujeito contava que também tinha um irmão preso. Lembrei-me da moça de roupas soltas e mente solta que no ponto do ônibus, acompanhada de seu jovem amante contava que seu irmão estava preso, mas que quando saísse da prisão iria tomar satisfações dos que lhe andavam rondando a saia porque a julgavam desamparada. O jovem amante, ou ficante, não se metia nos assuntos de família e a especialização dele não era afastar os outros pretendentes. A julgar pelo corpo da moça, deveriam até ser muitos. Um drama familiar particular. Fiquei com a sensação de, com tanta gente com irmãos presos, a justiça estar realmente funcionando. Até o dia em que as prisões ficarem entupidas de gente.

A escassos cem metros do restaurante apanhei o ônibus de volta até em casa.  Só me servia o que ia para Búzios. Lotadão. Nem lugar em pé quase tinha, e para minha constatação de que a educação é deficiente como epidemia nacional, ninguém me ofereceu o lugar apesar de ser nítido o peso de minha mochila ao alcance de minhas barcas brancas, logo abaixo do meu cabelo branco: Mais de sete quilos que agora, depois da faina, parecia ter uns quinze. Vi as mesmas caras desprevenidas de emoção, de gente “importante” com todos os direitos de permanecerem sentados porque tinham pagado as passagens. Temi chamar a atenção dos nobres passageiros e ainda me encherem de porrada, apesar dos lugares destinados a idosos e gestantes estarem ocupados por gente sadia, jovem e bem disposta. Um dia exigirei meus direitos, mas ainda é cedo. Suporto bem e até com certo prazer.

Logo que cheguei em casa, por volta das duas da tarde, tomei um banho de chuveirão que parecia uma cascata, reconfortante. Hoje não tinha mais nenhum compromisso. É quinta feira e os estudantes que não me deram lugar, têm um longo e penoso trabalho pela frente: Construir um Brasil mais educado.

Já escuto isso há um tempão, na verdade há uma meia dúzia de décadas... Será que vão conseguir?

Rui Rodrigues

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