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quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Carta aos Magriços.

Carta aos Magriços.



Consta em “Os lusíadas” de Camões, a história dos “doze de Inglaterra”, quando os segundos e terceiros filhos se transformavam em cavaleiros andantes que percorriam o mundo defendendo os indefesos, os desamparados, e aproveitando para ganhar algum dinheiro que os pudesse manter. Não sendo o primeiro filho, e para manter a riqueza da família, o primeiro filho a nascer era sempre o único herdeiro. É uma verdade histórica, não lenda, que marca uma grande diferença de comportamento para os dias de hoje. O que impressiona é que Dom Quijote de La Mancha era um cavaleiro andante imaginário de Miguel de Cervantes, e ficou famoso. Não era real. Álvaro Gonçalves Coutinho foi um cavaleiro andante real, mas não ficou tão famoso. Ele e mais onze se dirigiram a Inglaterra a pedido indireto de 12 damas inglesas que foram chamadas de feias e que não houve cavaleiro inglês que as defendesse. Lá foram os doze cavaleiros para Inglaterra, todos de navio menos um, o magriço (Álvaro Gonçalves Coutinho) que foi a cavalo para conhecer “novas águas, novas gentes e novas manhas” até o canal da Mancha, ali por Calais na França, e de lá pegou um barco. É até bem possível que Miguel de Cervantes tenha idealizado seu cavaleiro andante Dom Quijote na história real do Magriço, já que este passou pela Mancha e Quijote seria de lá mesmo se tivesse existido. Podemos imaginar uma das missivas, por exemplo, a enviada a Dom Álvaro, o Magriço, pela dama feia que queria ser considerada como bonita, com o seguinte teor:
Ao Mui Nobre D. Álvaro Gonçalves Coutinho, da brava terra de Penedono, excelsa terra portuguesa de nosso senhor, filho de valentes e piedosos nobres, defensor da honra de damas, doentes e indefesos, no ano de 1381 de meu amado rei Eduardo III e de vosso amado rei D.João I. Que assim conste, por minha fé.
Nobre cavaleiro,
Eis que me encontro, juntamente com mais onze damas inglesas numa situação inusitada para a qual não temos quem nos defenda, sentindo-nos humilhadas a tal ponto que nossa vergonha nos impede de sair às ruas, fazer nosso footing nas praças, ir a templos, namorar, casar, termos filhos. Algumas de nós já perderam pretendentes. Nossos desafetos são doze cavaleiros ingleses que publicamente nos chamaram de feias, afetando assim, sobremaneira, nossa honra e comprometendo nosso futuro.
Não tendo encontrado nem parentes nem nobres amigos que nos defendam, estamos enviando cartas de igual teor aos nobres amigos de vossa nobreza, por termos tido notícias de vossos fortes braços, afiadas espadas e pontudas lanças, montando belos e inteligentes cavalos de raça lusitana, que, em saindo vencedores da lide, sereis beneficiados com generoso e condizente dote.
Sua antecipada e desde já agradecida por protegida,
Lady Mary Anne Sotheby, baroness of Kent




E lá se foram os 12 cavaleiros: O Magriço, Dom Álvaro Vaz de Almada, João Fernandes Pacheco, Lopo Fernandes Pacheco, Álvaro Mendes Cerveira, Rui Mendes Cerveira, João Pereira da Cunha Agostim, Soeiro da Costa, Luis Gonçalves Malafaia, Martin Lopes de Azevedo, Pedro Homem da Costa, Dom Rui Gomes da Silva, Vasco Anes da Costa. No dia da grande lide, as trombetas tocando, e o Magriço ainda não havia chegado, a dama já vestida de preto, em luto, porque não teria defensor. O Magriço despontou no ultimo minuto, os doze de Inglaterra ganharam o torneio, foram condecorados pelo Duque de Lancaster, e voltaram ricos para Portugal, cobertos de fama.   
Nos dias de hoje, numa situação semelhante, imaginável, numa era plena de facilidades nas comunicações, nenhuma mulher pediria que a defendessem só porque a chamassem de “feia”. Até as brigas entre tribos de bairro, famosas nos anos 60 acabaram. Agora há guerras entre grupos de traficantes que disputam pontos de venda de drogas. Os padrões de honra também mudaram muito, e agora, na era moderna, basta olhar meio interessado para os dotes físicos de uma mulher desinteressada que se pode ser indiciado por assédio sexual. Com duas boas testemunhas, pode até provar-se que um cego tenha feito assédio só no olhar, assim como podiam provar que alguém que tivesse feito vasectomia era o pai de seu filho, isto até uma década atrás, antes dos testes generalizados de DNA. Aliás, já nem se fala tanto, ou fala-se quase nada, em honra. Honra ao mérito só em medalhas e numa ou outra festividade para “inglês ver”, português ver, brasileiro ver, o mundo ver.

Mas de que honra  se poderia falar numa época em que os nobres já não mandam nem fazem política, os políticos não têm nobreza, os proletários ascendem ao poder e pensam que governar é agir como a nobreza do passado, os juízes são arbitrários, os burgueses são de classe inferior e há políticos que os detestam mas lhes cobram altos impostos para lhes pagarem altos salários, e de modo geral nada é o que parece e o que parece não é?
E estando assim tudo posto e explicado, como de fato parece ser, até ao menos preparado para entender, admiremo-nos com o passado de glórias de uma humanidade que tanto quis mudar, que mudou demais e agora se encontra sem cavaleiros que a defendam. Mas que moral podemos ter para criticar, nós que construímos o mundo e assim o construímos dia a dia, lei a lei, governo a governo? 



Portanto, som na caixa, pau no bumbo, ferrinho no triângulo, e toca a desfilar no próximo carnaval, cheios de animação, bom humor e gelada cerveja.

® Rui Rodrigues

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Este mundo nu e cru habitado por nus e crus.

Este mundo nu e cru habitado por nus e crus.

  1. A artista



Era linda, tinha apresentação, passava horas em frente ao espelho fazendo caretas e arremedos, rindo e chorando quando ainda era adolescente. Quando finalmente repararam nela e a convidaram para fazer um teste, foi um sucesso: Conseguia fazer o que lhe mandavam fazer, e conseguia decorar pelo menos duas linhas de texto. Passou de “menina que ia a festas” a artista muito bem paga em poucos meses. O povo exultava com sua presença frente às câmaras da TV. Não sabia cozinhar um ovo, suas notas medíocres no colégio não lhe garantiam futuro técnico. Na emissora de TV era muito popular em novelas e fez bastantes filmes. Chegou até a contratar quem lhe escrevesse um livro de memórias. Em sua vida de artista, viajou muito, comprou um apartamento, deu almoços e jantares, sua vida foi de “glamour”, contas bancárias no vermelho que “amanhã será outro dia” principalmente se fizer propaganda para político. E foi. Depois que seu glamour acabou, e seus jeitos e trejeitos já não interessavam tanto às platéias ávidas de novidades, caiu no esquecimento, deu apenas mais uma ou duas festas para ver se era relembrada, e como não foi, vendeu o apartamento, ou o que restava da hipoteca, suas contas de banco passaram a ser coisa do passado e passou a ser sustentada pelo Retiro dos Artistas cada vez de verbas mais reduzidas por causa da administração. Sua aposentadoria é aplicada no Retiro para se manter. Ainda pode respirar, maquiar-se em frente ao espelho, falar da velha vida aos outros artistas do retiro que não lhe fazem inveja e aos quais não faz inveja nenhuma, mas sustenta-se pela caridade que não é dela. Já se habituou ao fato que rege as amizades: Os objetivos comuns e o mérito de cada um. Sem estes ingredientes os amigos se resumem a dois beijinhos de cumprimentos, um sorriso de artista, e meia dúzia de frases agradáveis, decoradas, comuns e correntes em todos os meios mesmo os que não são de artistas consagrados. Ela acha tudo isso injusto porque alega ter dedicado toda a sua vida à “artistice”.

  1. O prêmio Nobel



Há umas décadas atrás andava muito preocupado com as ciências. Fez várias descobertas, que outros aproveitaram, e quando percebeu, suas idéias tinham sido publicadas por outros que ganharam os méritos e dinheiro com patentes. Só uma teoria foi o bastante para ganhar um Prêmio Nobel, com toda a projeção e reconhecimento internacional, acompanhado de um belo cheque de quase um milhão e meio de dólares. Ainda hoje décadas passadas, com um milhão e meio de dólares se faz muita coisa e até uma garantia de aposentadoria tranqüila. A esse dinheiro ele somou pagamentos por palestras, salários da Universidade onde era professor. Provavelmente nunca fez uma planilha de projeção de economias, para saber o que fazer com seu dinheiro. Só se deu conta quando, depois de declarar que negros são menos inteligentes que os brancos, perdeu o cargo de professor, olhou sua conta bancária e viu que estava zerada, já morando num quarto alugado.  Longas noites passadas em laboratório viram afastar-se sua esposa, depois os filhos, um amigo se juntou à esposa, outros amigos se evaporaram como vapor em tubos de ensaio porque nunca mais teve notícias deles. Quando o oficial de justiça lhe bateu á porta do quarto mostrando-lhe uma intimação de despejo, bateu-lhe um estalo de neurônios ainda ativos. Procurou avidamente em sua carteira e ainda encontrou uma nota de cinqüenta dólares guardada para as ultimas e derradeiras emergências. Deixou os poucos  pertences na portaria do prédio, apanhou o metrô e dirigiu-se à redação de conhecido jornal. Lá explicou sua situação, afirmando, com toda a razão, que havia dedicado toda a sua vida à pesquisa científica a ponto de esquecer a família, e as poucas aulas de economia. Hoje há uma campanha na Internet tentando colher alguns dólares daqueles que ele desperdiçou durante toda a sua vida, mas a situação de todos é parecida: Quando jovens, adolescentes e maduros não se pensa na vida. Depois convocamos a sociedade e os amigos e passamos a ser socialistas. Alguns passam a ser mais cedo, mas os motivos são outros. Alguns são racistas.

  1. A Comerciante



Quando era jovem seu pai, comerciante, lhe dava de tudo, até coisas que não dava ao filho. Ela era filha de sua mulher atual, ele de sua primeira, e havia até um terceiro á margem. É aí que se vê a diferença nos tratos materiais, porque no trato verbal sua linguagem os tornava irmãos igualitários, sem diferença alguma.
Crescendo assim de vida tão fácil, casou com outro comerciante que logo ficou rico, com a ajuda do velho que ainda era vivo. Quando se separaram, ela aceitou uma lojinha e um apartamento como pagamento pelo desquite, que logo torrou. Comeu o marido da prima em troca de um empréstimo de alguns milhares de dólares que ela nunca mais voltou a ver, e quando lhe disseram a respeito de seu apartamento de 300.000 reais (naquela oportunidade): - Bem... Se a senhora está com pressa, só lhe posso dar agora 40.000 à vista. Ela vendeu e foi passar férias no Nordeste para esquecer as amarguras da vida. Já pensou em se juntar a um grupo, o MST, que luta pela posse de terras encrencadas e não encrencadas, dando tiro a torto e a direito, passando tratores em áreas plantadas. Ela jura, desde os tempos de seu deficiente aproveitamento escolar, que não tem culpa se o mundo não lhe corre como aos “outros”, mas está ciente que se os irmãos não conseguirem a tempo fazer agilizar a justiça, ainda poderá ficar vivendo no apartamento que o pai deixou para ela e seus dois irmãos. Vive da pensão de um filho que o marido lhe deixou. Os outros vivem com o pai como sempre viveram. Seus olhos grandes já não atraem pretendentes como nos tempos da difícil vida de ter de trabalhar para ganhar o sustento, e sendo nisto incapaz, de aproveitar a vida com o dinheiro disponível. À Europa só foi quando o pai a levou por um par de vezes e mesmo assim, só conheceu mesmo, a terra natal do pai. O resto, se lhe perguntarem, não saberá dizer de nada: Via a paisagem passar...

  1. O trabalhador da terra



Não há muito que dizer dele. Faz parte de uma massa cinza que come com as mãos ou com uma colher a marmita que lhe dão todos os dias no trabalho. Nunca freqüentou a escola, e é tão crente esperançoso quanto trabalhador. Não tem bagagem para argumentar. Quer dizer: Não tinha, porque agora tem. Depois de passar por empregos vexatórios e esclavagistas nos quais lhe cobravam pela alimentação, pela roupa de trabalho e pelo colchão estirado em úmido e fétido barracão, de forma tal que sempre devia mais do que recebia, passou também por outros que não lhe descontavam tanto, mas o que sobrava era sempre uma mixaria que dava vontade de trocar por meia dúzia de garrafas de cachaça barata para esquecer apenas duas coisas: Porque o mundo era assim,  e o que fazer para ser como aqueles que têm carro, boas roupas e comem sempre em restaurantes no centro das cidades. Um dia soube que estavam chamando gente para cortar cana perto da cidade de Campos. Meteram-no dentro de um caminhão e lá foi ele juntar-se a mais algumas centenas. Quando o salário atrasou pela segunda semana e sentiu que lhe pagavam menos do que a área que cortara, começou a murmurar. Outros murmúrios se lhe juntaram. Numa noite, antes de dormir, soube de um movimento: O MST - Movimento dos Sem Terra, uma forma de fazer reforma agrária, ocupando terras e dá-las a quem está interessado em cultivá-las. Na semana seguinte, com o pagamento dos atrasados que já lhe chegara, partiu de abalada para o Rio Grande do Sul onde havia uma grande concentração reivindicando terras. Mas não sem primeiro passar em casa para avisar a mulher. Chegou tarde da noite e estranhou a luz acesa passando como um filete por debaixo da porta da entrada do casebre. Movido pela curiosidade para fazer uma surpresa á mulher, enfiou a chave na porta suavemente, e espreitou. Sua mulher, a sua mulher, estava de quatro, coisa que ela nunca fizera para ele, debaixo da carcaça gorda de um sujeito que já vira várias vezes de passagem pelo bairro. Pensou em sacar a peixeira e matar os dois ali mesmo, mas não o fez. Em vez disso, fechou a porta bem devagar sem a trancar e saiu para a rodoviária a pé. Depois de muitas ocupações, está rico. Sua parte nos assentamentos “vendeu” sem papel, para os companheiros da Reforma Agrária. Só guardou uma posse para não dizerem que era mercenário traidor ou algo do gênero, o dinheiro guardou em conta bancária. Quem fiscaliza o pessoal do movimento não se preocupa com contas bancárias. Agora tinha uma liderança e já comandava sozinho algumas tentativas de novos assentamentos. Um dia a esposa o viu num desses movimentos á beira da estrada, reconheceu-o e dirigiu-se a ele. Viu-o mais gordo, banho tomado, roupas simples, mas sem remendos, perfumado. Deduziu que estava rico e que tinha tido direito a alguns nacos de terra. E disparou-lhe à queima roupa: Na hora de seres pobre e precisares de mim, me exploraste. Agora que estás rico, quero o divórcio, pensão e metade das terras. Ele jura que foi um acidente na estrada, quando o carro que vinha em alta velocidade a atropelou a um par de passos da linha amarela da faixa de acostamento.

  1. O político de ocasião.   



Nunca tinha pensado em ser político, mas num comício durante as eleições de 1988, quando o candidato no palanque disse alto e bom som, que o partido político precisava de gente dedicada, com opinião, alguns amigos interromperam-lhe a fala e gritaram o nome dele. Foram poucos, talvez uma meia dúzia, mais por gozação que por outro motivo válido qualquer, mas o fato é que o candidato o chamou para o palanque e não o largou mais até o final do evento. Foi assim que entrou para o partido e para a política. Começou a receber um “salário” bem farto, e largou a empresa para a qual trabalhava como chefe do departamento de pessoal. Elegeu-se vereador, depois deputado, finalmente, depois de tantos anos, perdeu as eleições e não se elegeu mais, mas aquele candidato que o chamara para o palanque do comício nunca mais o largara. Pareciam sócios no partido. Agora era presidente do partido e indicou-o em 1996 para uma das diretorias de uma empresa mista de capital do governo e de capital privado, ligada a uma ainda maior também de capital misto. Não tinha que fazer nada na empresa. Apenas assinar o que lhe pusessem na frente, desde e exclusivamente que lhe fosse levada pessoalmente por seu assessor. Quem mandava nele era o assessor, porque se um dia fosse demitido, o assessor que sabia de tudo ficaria para assessorar o novo indicado do partido. Embora não tivesse instrução técnica suficiente nem soubesse lidar com nenhuma das disciplinas inerentes a uma grande empresa de capital misto, mesmo assim, foi-lhe fácil entender que se aprovavam documentos envolvendo grandes, enormes somas de dinheiro. Pelo pouco que entendia das letras, das vírgulas, pontos, parágrafos, tiles, circunflexos e aspas, conseguia perceber que faltavam alguns documentos, que outros eram taxativamente prescindidos, e temeu por seu emprego, por sua carreira. Um dia foi falar com o tal político que o indicara. Foi acalmado com uma pequena porcentagem sobre os valores aprovados em tais documentos, com a explicação necessária de que, para ter merecido aumento, não poderia ser da forma convencional porque a política de cargos e salários não o permitia na empresa. Tinha que ser por porcentagens.
Em casa, depois de ter conhecido a Suíça e outros países da Europa, Estados Unidos e “Maiami”, com apartamentos, carros de luxo e farta mesa, seus filhos estudando nos melhores colégios, costumava ter ataques de moralidade. Como a vida lhe correra de tal modo que agora tinha tudo aquilo, só assinando documentos e falando em palestras e reuniões da Empresa sobre o que todos sabiam sem contar novidades, uma idéia brilhante sequer, senão as que lhe vinham por telefone de seu benfeitor político de carreira?
Foi num acesso destes de moralidade que resolveu, depois de apanhado pela polícia federal, em participar de “delação premiada”. O dinheiro que colocara numa conta de um grande amigo, residente no exterior, estava garantida e era bem gorda. Ele jura que fez tudo isso porque quando entrou para a política já era assim, e que por sua falta de conhecimentos técnicos pensou que estava trabalhando para o bem do partido e em decorrência para o bem da nação.



A propaganda é a alma do negócio e o melhor negócio é o da oportunidade, já que cavalo encilhado só passa uma vez, e quem não tem padrinho morre pagão. Tal é a natureza na pirâmide que não sendo egípcia por cá também se plantam dentre outras obras faraônicas perpetradas por políticos de ocasião, apoiadas por artistas de ocasião, construídas por trabalhadores de ocasião, financiadas por comerciantes de ocasião, com instrumentos descobertos e inventados por prêmios Nobel. Quem não é de ocasião também jura que está nu e cru nesta etapa humana de conseguir o que pode... E quem não pode se sacode, não importa que bandeira levante nem quem tenha inventado a bandeira.

E qualquer um desses poderia ser "nosso" presidente da República...E eu juro que tudo isto é ficção!



®Rui Rodrigues 

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O menino que parou de contar as estrelas

O menino que parou de contar as estrelas.

O menino que parou de contar as estrelas.



Resolveu contar as estrelas da Via Láctea, nossa Galáxia, uma a uma. Começou pela Alfa de Centauro que lhe parecia mais perto. E é a que está realmente mais perto, apenas a 4 anos luz. Dez minutos depois já estava perdido por dois motivos. O primeiro, porque já não sabia quais havia contado. Eram tantas... E na prática era impossível pintá-las para identificar quais ainda faltava contar. Depois, e principalmente, começar a contar dizendo mentalmente, uma duas três, é fácil, mas quando começou a contar na casa dos milhares, sua capacidade de “contar mentalmente” já o cansava. Eram muitas letras para designar um simples número, por exemplo, 1989,1990 (mil novecentas e trinta e nove... Mil novecentas e noventa).  Imaginou quando chegasse a um milhão, trezentas e trinta e sete mil, novecentas e trinta e três.  Então apareceu o tio vindo do interior da casa.


- Que contas tu, meu filho?
- As estrelas da Via Láctea, tio!
- Sabes quantas tem só na Via Láctea?
- Muitas...
- Então vou te dar uma idéia. Se fosses tão rápido que pudesses falar mentalmente números grandes, como 1.337.933 a cada segundo e pudesses pintá-las na medida em que as contasses, terias que interromper a contagem para teu filho e teus netos e bisnetos acabassem de contá-las. E quando a ultima estrela fosse contada, se teriam passado mais de mil anos.
- Tanto assim?
- Há cerca de 100 bilhões de estrelas só em nossa Galáxia. E há quem diga que são 400 bilhões. No entanto, há também – só no nosso universo visível - entre 100 e 400 bilhões de Galáxias, em média do tamanho da nossa, e para contá-las dessa forma, levaríamos mais 3.000 anos. São todas nossas. É só ir lá e pegar, se não formos pegos antes. Como se pode imaginar que nesse infinito de estrelas não haja ninguém num planeta atrelado a uma delas contando as estrelas que vê?


Então o garoto resolveu que estudaria física. Queria saber mais e mais e mais. Tinha pressa. Muita pressa. Mas muitas décadas se passaram, e já não tinha a mínima pretensão de contá-las. Agora queria saber como tinham sido feitas, em que meio apareceram, como surgiram, se surgem novas, que meio é esse, esse espaço em que se movem...Antes que não pudesse mais vê-las.

(Hoje, e no ideário das criancinhas, nasceu mais uma: A de Cecilia Decker. Este texto é em sua homenagem e ao que representou no seio de minha família) 


® Rui Rodrigues

domingo, 7 de dezembro de 2014

Claro que podemos ver o passado. O problema é ir até lá.


Claro que podemos ver o passado. O problema é ir até lá.



Já ouvimos falar no Telescópio Huble, levado até o espaço exterior ao nosso planeta para evitar o problema de interferências, como ventos, chuvas, nuvens, etc. Ele foi desenvolvido para perscrutar o Cosmos até onde suas características o permitirem. Estabelecido numa órbita estacionária, ele assesta suas lentes para a profundeza do nosso Universo. Um número incomensurável de novas galáxias for descoberto. As mais próximas estão a alguns anos luz, as mais distantes a milhões, bilhões de anos luz. Parecem-nos minúsculas, mas tal como as estrelas que vemos a olho nu que também nos parecem minúsculas são enormes. Algumas bem maiores do que as nossas. São as deficiências atuais em nossos meios de visualizá-las que não permite vê-las em tamanho real, ou pelo menos uma aproximação que nos permitisse ver mais detalhes, ampliar as imagens até um grau satisfatório.



Para quem não está habituado com as leis da Ótica pode pensar que é o telescópio que envia raios de luz para iluminar essas galáxias. Se assim fosse jamais as veríamos, o céu que vemos seria completamente escuro. É a luz delas que viajou até nós e o fez ao longo de milhões, bilhões de anos. Essa luz é “daquele” tempo. Ela viaja – viaja mesmo – a uma velocidade de cerca de 300.000 quilômetros por segundo. As distâncias no espaço, de tão grandes, são medidas em “anos-luz”. Se quisermos saber a quantos quilômetros corresponde cada ano luz, temos que multiplicar os 300.000 quilômetros percorridos num segundo e multiplicá-lo por tantos segundos quantos tem um ano e depois pelo total de anos. São números que beiram o “infinito” de tão grandes. Alfa de Centauro, por exemplo, está a cerca de 4 anos-luz. Então para sabermos a quantos quilômetros se encontra de nós, fazemos a seguinte conta aproximada: 300.000 (km/s) x 60 segundos x 60 minutos x 24 horas x 365 dias x 4 (anos luz) = 37. 843.200.000.000 quilômetros. À velocidade da luz, chegaríamos lá em apenas 4 anos, mas não se pode viajar a essa velocidade. É proibido pelas leis do Universo. À velocidade de um trem europeu, que viaja a 500 km/h, levaríamos 75.686.400.000 horas, ou 8.640.000 anos. Só para termos uma idéia do tempo que levaria num foguete que viaja a cerca de 40.000 km/h, levaríamos 108.000 anos. O homo Sapiens existe há cerca de 160.000 anos apenas.



Muito bem... Agora voltemos ao nosso Huble do qual estávamos falando e imaginemos um ainda mais eficiente que permitisse maior ângulo de aproximação, de forma que pudéssemos ver os planetas em detalhe, sua superfície, saber se são áridos como Marte e Lua ou povoados com vida como a nossa querida e amada Terra. Mas façamos melhor ainda. Deixemos esse novo Huble melhorado assestado 24 horas por dia sobre um planeta remoto onde tivéssemos detectado vida. Acompanhemos o senhor “fulano” durante alguns anos. Veremos como vive, o que faz, árvores sendo cortadas para construírem estradas, as idas e vindas constantes do senhor fulano saindo de casa pela manhã, indo para o trabalho, voltando para o seu lar, e até vir a falecer. Para o senhor fulano, o mundo teria acabado naquele instante, mas isso teria sido há milhões de anos de distância, e distância no espaço, significa tempo. Significa também que esse planeta estará neste instante em que o observamos, diferente, porque o que vemos está num passado muito longínquo, e para nossos padrões e estágio de avanço tecnológico completamente inacessível. Vemos o passado. Mas o fato é que para nós, o passado pode ser visível. Podemos aprender com ele se conseguirmos observá-lo de forma adequada. Mas há mais um detalhe de entre outros que vale a pena mencionar: Não veríamos nada em tamanho “natural” do que hoje é, porque desde o Big-Bang que nosso universo infla em função exponencial. Nós mesmos, nosso planeta, a Lua, o Sol, tudo o que vemos, infla, porque é o espaço-tempo que impregna o Universo e tudo o que ele contém, que infla. Não percebemos porque como tudo infla, as dimensões relativas se mantêm a nossos “deficientes” olhos.

Temos então três certezas: A primeira, que podemos ver o passado, preservado, porque sua luz chega até nós. A segunda, é que não podemos ver o futuro porque não pode emitir luz em nossa direção (Nosso espaço-tempo ainda não chegou lá),  e a terceira, é que alguém do futuro poderá ver um dia como éramos, o que fazíamos, como tratamos nosso planeta.Nós não podemos "ver" o nosso passado agora. 
E há um questionamento religioso: O futuro ainda não existe, o que é demasiado óbvio. Estará Deus num futuro que ainda não existe, neste exato momento?

Mas tenho fortes suspeitas que passado, presente e futuro coexistem neste exato momento. 


® Rui Rodrigues

sábado, 6 de dezembro de 2014

Vaidades não são pecados nem recrimináveis.

Vaidades não são pecados nem recrimináveis.



Sete pecados capitais mais uns quantos venais, perfeitamente desculpáveis a quem apregoa que são pecados – Sacerdotes podem paramentar-se vaidosamente, á vontade, mesmo que usem uma simples túnica cor de laranja. Para quem estuda e destroça o âmago das crenças e crendices, um prato cheio. Um desses pecados é a vaidade. Ou não será pecado? Desconfiemos que não seja, para vermos onde podemos chegar...

No mundo e mais em particular na espécie humana sempre houve os exageradamente ignorantes, os ignorantes, os conhecedores, os sábios em uma escala progressiva de zero a infinito. Os exageradamente ignorantes não aceitam carimbos e rótulos e movem-se pelo grande princípio de que todos devemos ser iguais. Costumam confundir conhecimento com arrogância, porque se sentem feridos por sua falta de conhecimento de que em geral não têm culpa. Pior ainda, sentem-se feridos pelo conhecimento dos outros, numa mistura de sentimentos correlacionados de injustiça, de prepotência, de desigualdade, de perda, frustração, orgulho e se não pararmos, de mais umas dúzias de sentimentos. Sei o que é isso. Já passei por isso quando era uma criança que decidiu não seguir a profissão do pai para estudar. Agradeço infinitamente a meu pai que poderia ter-me imposto sua vontade. Ainda tentou durante um ano, mas desistiu. Eu perdi esse ano.

Mulheres se pintam, se arrumam, andam sempre elegantes mesmo na pobreza. Serão vaidosas? Numa primeira análise puramente visual diríamos que sim, mas há algo mais por detrás desse pretenso “pecado” da vaidade. Elas se arrumam para se tornarem agradáveis, apetecíveis, aos olhos de outras mulheres, de homens, da sociedade, e o fazem em nome da apreciada beleza. Homens também se “arrumam” pelos mesmos motivos, exatamente os mesmos. Trabalhos mais braçais em ambientes não limpos e arrumados como obras, fábricas, etc. fizeram do homem um ser aparentemente mais “relaxado” do que as mulheres (exceto em domingos feriados e festas) mas com o advento dos termos modernos e da igualdade entre os sexos, essas diferenças estão desaparecendo. Mas seria apenas pela apresentação, aparência, que se opta pela vaidade de sermos “belos”? Claro que não. Sem essa beleza diminui a atração sexual, perdem-se empregos. A vaidade é uma questão de sobrevivência e de transmissão genética. É a voz, a mensagem, da natureza mais exuberantemente expressa nas belas e mais perfumadas flores, no namoro para acasalamento de aves com suas danças, nas belas cores, nos gestos e falas.

Dizer que vaidade é um pecado, é um acinte á nossa inteligência. E inteligência, como sabemos, sempre foi atacada por religiões e regimes totalitários, porque contestam e mostram a beleza que existe muito para lá da escuridão dos que sofrem por causa de injustiça, de prepotência, de desigualdade, de perda, frustração e dos que usam a crendice para obterem poder, dinheiro, mesmo que não aparentem vaidade como os sóbrios monges e os Stalin de roupas sóbrias e muitos crimes na consciência...

Somos todos vaidosos e orgulhosos de nosso “eu” freudiano, mesmo que sejamos completamente ignorantes, e neste caso, nos refugiamos na fé. Deus sempre resolve, pelo menos é essa a fé, o que não temos capacidade para resolver. De desejos a guerras... Como se Deus não tirasse férias várias vezes por dia, por mês, por ano, por décadas séculos e até milênios...

Ser de "esquerda" depois da queda do muro de Berlim e dos países comunistas no mundo, passou a ser uma religião Basta olhar as discretas roupas de Merkel, da Dilma, e de outros líderes ricos da esquerda caviar. Chamam a atenção pelo que parecem e não pelo que são, no que pese a abissal diferença de inteligência entre Merkel e Dilma 

® Rui Rodrigues

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Amanhã não valerá a pena lembrar-me ...

Amanhã não valerá a pena lembrar-me ...

Não costumo sair muito de casa. Minha vida foi de muito trabalho, sacrifício, viagens constantes, tensões, angústias no trabalho. A paz e a tranqüilidade são hoje o meu reino, talvez como uma forma de compensação. Ontem saí como de costume em início de mês para fazer as “minhas coisas” em Cabo Frio, resolver minhas preocupações mensais. Saí bem disposto, tranqüilo, em dia quente, esperando a todo o momento receber notícia de que, no Congresso Nacional, a nova lei isentando a presidência de suas responsabilidades para com a nação, não fosse aprovada. Fui primeiro à sede da Ampla, a concessionária de energia elétrica, que antigamente fazia muita propaganda sobre suas “qualidades”, como se fosse uma mãe genérica da população cabo-friense. Madrasta seria, que de mãe nunca teve nada e podemos provar. Fui lá para apanhar uma segunda via da conta porque, apesar de o relógio se situar no muro do prédio, a escassos quatro passos da caixinha de correio, quem faz a medição não tem a paciência nem cumpre o dever de colocar o papel da conta na caixa. Deixa-o preso em interstícios do relógio, à mercê de chuvas, ventos, e cachorros de duas pernas que os jogam ao vento só pelo prazer. A Ampla não tinha fila para idosos nesse dia, e em outros dias também.


Depois fui à VIVO, apanhar segunda via da conta de meu celular. Os correios não entregam correspondência a domicílio onde vivo, apesar de termos um CEP. Conseguiram convencer a associação de moradores – não os moradores – que entregariam correio apenas na portaria do loteamento. A portaria só existe para coibir a desova de veículos roubados e ladrões de residências. Quando cheguei á imponente sede da Vivo, pedi duas caipirinhas. O balcão parece de bar, e o sistema estava “lento”. Ainda perguntei se era o sistema ou o sinal da Vivo que estava lento, porque até meu telefone celular só funciona fora da casa, em algum lugar da rua que não é sempre o mesmo: O sinal depende de milimétricos desvios da torre de repetição de sinal. Depois de meia hora, o sinal da vivo voltou. O sistema nunca saiu do ar, porque parte dos computadores estava sendo utilizada por funcionários que certamente não estavam jogando joguinhos do Windows.


Como disse, acordei bem disposto. Depois da visita á Vivo fui ao banco receber o meu salário bolsa-aposentado. Uma ninharia deflacionada a cada ano, a cada mês, em meio a inflação desalmada e corrupção por todos os cantos, lados, ângulos e superfícies desta minha nação, enchendo o volume de minha indignação. Com o bolso quente, comprei meu presentinho bolsa-presente para minha netinha. Uma dádiva dos céus que comprei pela metade do preço, por pura sorte numa loja às moscas no comércio natalino de Cabo Frio. Depois comprei um novo copo para liquidificador. Uma das pás metálicas do meu quebrara. Este é um ritual que tenho que fazer uma vez por ano, porque nossa indústria chinesa produz peças que quebram sem avisar, sempre, para que tenhamos que comprar duas, três vezes a mesma peça, como que uma ajuda para a manutenção da incompetência, da falta de qualidade, da degradação industrial nacional chinesa.


Foi então que o vi. Estava lá, sentado na soleira de uma porta, quase na esquina da avenida, cabeça baixa. Num breve instante em que a levantou, vi-lhe a barba não cuidada em rosto de idade bem avançada, os olhos miúdos de desamparado, as roupas surradas. Pensei que estivesse bêbado ou sofresse de Alzheimer, porque seu corpo se balançava levemente. Desviei meu caminho e passei-lhe a um passo de distância, olhou-me e não pediu nada. Tentou levantar-se, e com visível esforço usou a parede como apoio. Estava cansando e voltou a sentar-se na soleira da porta ao lado. Então tirei uma nota de vinte reais da minha mochila e a empalmei para que ninguém visse o que se passaria a seguir. Dirigi-me a ele e disse-lhe:
- Bom dia... Quer apertar a minha mão?
- Porquê? Porquê? Por que iria apertar a sua mão? – Seu olhar era de inquirição desafiadora de pessoa à qual tivessem agredido sua inteligência.  Entendi... Quantas pessoas passavam por dia em sua frente, e quantas lhe pediam para apertar a sua mão mesmo sendo mês natalino? Então virei a mão e deixei que ele visse a nota. Seu sorriso se abriu e me apertou a mão. Não me lembro se me agradeceu ou não, porque não tem a mínima importância. Deixei-lhe um sorriso, estou ainda com o sorriso dele bem guardado.


A caminho do supermercado sentei num murinho do jardim para ligar para minha filha. Ali o sinal da Vivo funcionava bem. Falei com ela por uns minutos. Depois segui caminho para o supermercado para assistir a um show mensal: O Show da subida de preços. É fenomenal. Principalmente no Extra aonde vou quase que obrigatoriamente por questões de logística. Dali pego um táxi e volto para casa um pouco mais pobre que no mês anterior.  Se não fosse por meu trabalho obrigatório pós-aposentadoria, morreria de fome, sem serviços de saúde que me cuidem, talvez vítima da descontrolada violência, morto por bandido mal educado por deficiente educação. Preocupa-me que tenha que trabalha depois de chegar aos noventa anos, com um salário depreciado que beire o valor de um sanduíche por mês.

Que mundo construímos e que vontade temos de mudá-lo?


® Rui Rodrigues